Está escrito “Decifra-me, ou devoro-te”

“Na antiguidade, um mito foi usado para promover uma reflexão sobre as questões da busca do conhecimento, da culpa e da responsabilidade dos homens perante as normas e valores sociais.

Para evitar que saqueadores entrassem no porto do Cairo por intermédio da esfinge, os egípcios criaram um mito que dizia que se alguém quisesse entrar na cidade, via porto, único acesso à cidade e aos seus encantos e serviços, deveria decifrar um enigma, caso não conseguisse, não entraria e, se tentasse burlar esse princípio, seria devorado pela esfinge que, no seu mutismo impõe sua vontade expressa pelo temor que paira sobre todos aqueles que desconhecem a verdade. Surge a insegurança, a dependência, a incapacidade de agir por si mesmo, a impotência diante do desconhecido. Nesse viés, volta a necessidade de se aprender, desvendar, conhecer, esclarecer para si e para o outro, fatos da vida, questões maiores que compõem a complexa organização social em quaisquer tempos.

Esse marco mitológico foi registrado até que alguém decodificou o mistério sobre a frase imposta por aquele gigantesco bloco de pedra e argila, que era um monstro fêmea, descrito de formas diferentes, mas foi popularmente conhecida com corpo de leão, peito e cabeça de mulher, asas de águia e segundo alguns, uma cauda de serpente que durante anos agiu como um vigilante protetor das estruturas que compunham a rica e majestosa cidade do Cairo. Por trás da expressão popularizada “Decifra-me ou devoro-te” estava um complexo enigma, uma afronta às mentes mais brilhantes de quaisquer épocas: “Qual o animal que de manhã tem quatro pés, dois ao meio-dia e três à tarde?”

Esse era o desafio: Ler, compreender, de modo a quebrar uma hegemonia que  envolve o homem curioso que não aceita lidar com o desconhecido. Que precisa desvendar os mistérios que a vida nos impõe na busca do desenvolvimento humano. Era preciso ler a alma da esfinge, compreender os desafios que ela propunha já a partir de sua aparência difusa, de suas formas conflitantes.

O homem moderno vive essas dicotomias: o passado com suas vigorosas lições, o presente com seus inventos e modernidades e o futuro, cada vez mais incógnito, quanto à perpetuação do que foi positivo para outros povos, em outros tempos, em outras culturas.

 “É o homem. Pois na manhã da vida (infância) engatinha com pés e mãos; ao meio-dia (na fase adulta) anda sobre dois pés; e à tarde (velhice) necessita das duas pernas e o apoio de uma bengala”. 

Pela manhã da infância, está assegurada a presença de tutores, mentores, orientadores mantenedores, protetores, leitores de bons livros, de boas obras, de bons princípios, de vigorosos valores. É como se analogicamente fossem as pernas a mais para fazê-la se movimentar com segurança e rapidez. Na conjunção de dados e informações que farão dessa criança, um adulto seguro, perspicaz, testado, esses elementos de sustentação jamais poderão ser suprimidos sob qualquer justificativa. Pergunta-se: na velocidade do tempo virtual, na rapidez com que a informação, chega, se transforma e vai embora em nome da obsolescência, estão as crianças no nosso século “protegidas” por padrões sociais que lhes garantam a segurança, no futuro? A esta altura, a criança não responde pelo que lhe deram, tampouco pelo que não lhe deram. Ela é o que fizeram dela. Permanecerá de pé, a depender do equilíbrio e da força a que acumulou do que lhe ensinaram, enquanto criança.

O meio dia da vida adulta, a universidade seria o berço para essa movimentação livre, onde o jovem homem, ainda em formação, venha a por em prática tudo aquilo que lhe foi garantido na infância: bons hábitos, bons costumes, um excelente acúmulo de boas lições, uma biblioteca capaz de, se for preciso, reproduzir informações,, dados e conhecimentos prévios que asseguração êxito no caminhar sobre suas próprias pernas, duas pernas, somente duas pernas, um bom coração, um excelente perfil. Um homem, um cidadão, digno representante de sua espécie. Agora sim, o jovem adulto responderá por si mesmo. Se sabe, faz; se não sabe, se penitencia; se fizer a diferença, terá o reconhecimento da sociedade – essa mesma sociedade que foi a responsável pela sua formação até aqui. Ah, que saudade do tempo em que os pais decidiam o que a criança vestir, o que a criança falar, quando falar, como falar...!E vem a tarde, o crepúsculo, a adultez que não perdoa equívocos, mas não propicia meios de como evita-los.

Uma sociedade que mudou o seu rumo pela forma mais simples de se modernizar: ignorar o ser, o homem e sua essência, em nome de valores materiais, efêmeros, baseado em selfies, que procuram falar de si mesmo, na busca de uma essência que já ficou bastante distante, não exatamente por incompetência, mas pela falta de valorização de valores que precisam estar arraigados em todos os atos. É como se com os avanços e modernidades, o homem-máquina tivesse obtido a união entre os interesses dos seus pares, do seu meio, dos seus interesses, dos negócios e dos lucros. Obtendo a união de interesses, inicia-se a disputa pelo poder, pelo saber, pelo querer, pelo fazer, pelo ter. Mas, na verdade obtendo a união de interesses se distancia da unidade de princípios. Na linha da analogia simples: “ juntar batatas em um saco” elas estão unidas. “Fazer um purê de batatas” obter-se-á a unidade, o todo, o inteiro, o homem que levará avante o seu propósito: ser feliz enquanto soberano entre as demais espécies. Utopia? Uma possibilidade.

            A analogia a essa versão histórica dos mistérios da humanidade nos remete aos desafios de ler ou não lê, em um mundo onde a interação é cada vez mais escassa.

Como concretização dos ideais de avanços e desenvolvimento tecnológicos, os equipamentos do mundo moderno fazem com que as pessoas deixem, gradativamente a efetiva leitura em segundo, ou no mais comum, no último plano de suas preferências. Ler, como a mais eficiente atividade que identifica o homem inteligente, tem sido postergado por conjunções de interesses que ficam, gradativamente mais presentes o cardápio de pessoas das mais variadas faixas etárias, intelectuais e sociais.

LER consiste em usar com Lucidez, Estudo e Reflexão toda a nossa capacidade de agir sob o comando de um feixe de reflexos que nos conduz ao vale da inteligência. Agir com inteligência requer vigilância, perspicácia e, acima de tudo, o permanente exercício de uma mente aberta e curiosa. Esses elementos são essenciais ao aprendizado que termina sendo a chave para a inteligência que faz toda a diferença entre pessoas, muitas vezes que vivem em condições similares. A leitura, sendo crucial para a aprendizagem do ser humano, propicia a obtenção do conhecimento, dinamizando o raciocínio e a interpretação dos fatos essenciais à interação com o mundo.

Muitos reconhecem não ter paciência para ler um livro, um artigo de divulgação científica ou uma resenha sobre uma produção cinematográfica. Mesmo diante desse estado de ânimo, muitos insistem em discutir sobre competência e inteligência, sem terem o auto-controle que os levariam a colocar em uso, o conhecimento. Mentes inteligentes primam por se manterem no comando, no controle de emoções, como indicador de resistência para enfrentar tudo o que lhe pode oferecer desconforto: não ter paciência para ler um bom texto é reconhecer-se inapto a desafios, é não querer calcular riscos de conhecer o desconhecido que precisa ser desvendado. A leitura é, de fato, a arte de desvendar os meios para o inteligente conhecimento ode mundo.

            Muito do que aprendemos é esquecido com o tempo, pela falta de pratica, principalmente. Fazendo da leitura de mundo, uma rotina, os conhecimentos se cristalizam dificultando o seu esquecimento. Afinal, não sabemos quando, onde e quando vamos necessitar dos mesmos. A vida impõe essa incerteza.

No constante desejo de decifrar e interpretar o sentido das coisas que nos cercam, a atividade de leitura não corresponde a uma simples decodificação de símbolos que seria um mero letramento simbólico, mas significa, de fato, interpretar e compreender o que se vê, o que se lê, o que precisa ser lido e como deve ser compreendido. Segundo Daniel Pennac, “o verbo ler não suporta o imperativo”    já que, por meio dela, além de adquirirmos mais conhecimentos, experimentamos novas experiências, ao conhecermos mais do mundo em que vivemos e também sobre nós mesmos, já que ela nos leva à reflexão.

A leitura nos devolve a outros pontos aqui focalizados: perguntar sempre, pesquisar muito, buscar sempre. A criança naturalmente inicia sua vida sem nenhum conhecimento. Uma das portas que ela é encontra é a pergunta e a observação. Atitudes salutares para o crescimento pleno. As crianças perguntam sempre, crescem e perguntam. As pessoas inteligentes perguntam-se sempre, questionam e questionam-se, pesquisam e pesquisam-se. O conhecimento é infinito e os mais curiosos, sempre trazem uma pergunta a ser feita. Se obtiverem respostas, apropriam-se daquele conteúdo, se não obtiverem, reformulam a pergunta, recomeçam, buscam, rebuscam, fazem e refazem o caminho que lhes leve à satisfação que o conhecimento imprime ao seu detentor. A infinitude do conhecimento é uma das fibras que a leitura é capaz de proporcionar ao leitor. Nossos pais leem? Que literatura tem sido o seu alimento e em que dose diária?  Nossos jovens aprenderam a ler? O quê, com que frequência?

A leitura pode ajudar a sonhar e a não perder essa oportunidade. A leitura deve ser acrescida do prazer de buscar, pesquisar, questionar, mover pedras entre o conhecido e o desconhecido, uma busca dos fatos e de si mesmo. A particularidade de que o verbo LER tem de não suportar o sentimento imperativo é compartilhada, não casualmente, com os verbo amar e sonhar. Não por coincidência, verbos que precisam ser exercitado em nome da vida e do conhecimento  PENNAC, Daniel.

Discutir a evolução nos leva à experiência que chama a atenção para dois aspectos: está hora de comemorar a evolução, a partir das conquistas, das descobertas, da expectativa de vida e das facilidades que os prazeres da vida moderna, ou reconhecer abertamente que o fato a ser comemorado seria, amargamente, reconhecer a degeneração de um tempo em que o mais importante era a essência, o conjunto de valores que fez do ser humano, o grande agente das transformações pelas quais o mundo passou? Fica a reflexão: comemora-se o avanço ou a derrocada do que se foi em outros tempos?

Flashes de reflexão: A família continua sendo o celeiro da vida. Seio onde a maternidade se efetiva para garantir a perpetuação da espécie humana. Como sempre, ela continua sendo a escola de pais. Ora, pais que criam filhos que serão pais. O que esses farão no amanhã é o resultado do que aprenderam na sua primeira infância, pela palavra, pelo exemplo, pelas lições, pelos ensinamentos e aprendizagens. É o conjunto da obra que assegurará se vai valer a pena perseguir conhecimentos, descobertas, conquistas e evoluções.

“Há de se cuidar do broto...”, diz a canção. Há de se cuidar da criança em nome do futuro, uma vez que cada criança, um homem; cada homem, um universo de histórias, dúvidas, respostas, exemplos e saberes.

  • Sebastião Maciel Costa