Escravidão no Brasil

Eva Cristina Alves Villaça

Os escravos africanos entraram no Brasil colônia diante da necessidade de mão-de-obra para a agricultura no século XVI. "Destarte, a colonização da América portuguesa organizava-se desde o início em função da produção açucareira, para o mercado europeu, e assim desenvolveu ao longo do século XVI" (NOVAIS, 2007, p. 59).

Embora os indígenas tenham sido explorados antes dos negros, os escravos africanos representavam a "base de um sistema de produção mais eficiente e mais densamente capitalizado" (FURTADO, 2005, p. 50). Os portugueses preferiam, também, a mão de obra dos africanos. Segundo Novais (2007, p. 77-78). A introdução do escravo africano foi explicada, por um lado, pela inadaptação do indígena à lavoura, e, por outro lado, pela oposição jesuítica à escravização dos nativos. O tráfico negreiro fazia parte do setor de comércio colonial e os ganhos comerciais fluíam para a metrópole. A apreensão dos indígenas, no entanto, mantinha os ganhos no mercado interno colonial enquanto a dos negros revestia-se em lucros para Coroa portuguesa.  Conforme Freyre (2003, p. 373), ao comparar os negros com os indígenas, sua superioridade de eficiência econômica e eugênica pode ser atribuída ao fato de que os africanos dispunham de uma dieta alimentar mais rica e equilibrada do que os nativos, já que estes não cultivavam a agricultura e nem a criação de gado.

Os trabalhadores negros ocuparam os engenhos de açúcar nas capitanias do nordeste e do norte. "Na segunda metade do século XVI, introduziram-se aos poucos os escravos africanos, que orçavam, por volta de 1600, em cerca de 20.000" (SIMONSEN, 2005, p. 172). Enquanto a maior parte da força de trabalho escravo estava voltada à produção de alimentos, "os demais se ocupavam nas obras de instalação e, subseqüentemente, nas tarefas agrícolas e industriais do engenho" (FURTADO, 2005, p. 56). Os escravos produziam, também, seus próprios meios de manutenção.

Embora grande parte dos historiadores tenha limitado a importação dos escravos africanos ao estoque banto, imigraram para o Brasil escravos de outras regiões da África. Algumas delas até mais superiores do que o banto e que enriqueceram o Brasil com o melhor da cultura negra africana. Freyre menciona uma carta escrita em 1674 por Henrique Dias. Nela verifica-se a importação de quatro nações negras: Minas (nagô), Ardas (gege ou daomeanos do antigo reino da Ardia), Angolas (banto) e Creoulos. (RODRIGUES, 1933 apud FREYRE, 2003, p. 382-384). Simonsen (2005, p. 175) estimou que, no período entre 1600 e 1850, 1,35 milhões de escravos africanos foram importados para a indústria açucareira do Brasil.

No século XVIII, impulsionados pelo declínio da economia açucareira, os colonos portugueses avançaram no processo de exploração das terras brasileiras em busca de metais preciosos. "Lá por 1696 fazem-se as primeiras descobertas positivas de ouro no centro do que hoje constitui o Estado de Minas Gerais (onde atualmente se acha a cidade de Ouro Preto)" (PRADO Jr, 1981, p. 37). A base geográfica da economia mineira compreendia-se na serra da Mantiqueira e na região de Cuiabá (no Mato Grosso, passando por Goiás). (FURTADO, 2005, p. 81-82).

A mineração, no entanto, distinguia-se da atividade açucareira devido ao novo contexto socioeconômico. Esta organização social contemplava um ambiente mais desenvolvido,  mais integrado ao comércio e com possível mobilidade social. Os escravos detinham conhecimento técnico da metalurgia. Devido à existência de pequenos e grandes empreendimentos e, também, ao caráter aleatório e instável da mineração, os brancos configuraram uma proporção maior na mineração do que nas atividades agrícolas. A propriedade de escravos expressava uma concentração menor. (HASENBALG, 2005, p. 140)

Entre os anos de 1741 a 1761, foi marcado o período de maior produção mineradora. Foram extraídas do Brasil, em média, 14.6 toneladas de ouro anualmente. Calcula-se que, para a exploração aurífera, não deveriam ter sido empregados mais de 80 mil escravos. Durante todo século XVIII, cerca de 50 mil escravos, em média, serviram efetivamente à mineração ao ano. Um total de 860 mil escravos deveriam ter sido usados na mineração, dentre eles 600 mil ou dois terços foram importados pelo comércio de tráfico negreiro. (SIMONSEN, 2005, p. 175-176)

No final do século XVIII, no entanto, a mineração do ouro entra em decadência. De acordo com Prado Jr (1981, p. 40-41), essa decadência é resultante, principalmente, do esgotamento das jazidas e dos depósitos superexplorados. Além da pobreza das rochas matrizes, a técnica dos mineradores era deficiente.

"Na mineração a rentabilidade tendia a zero e a desagregação das empresas produtivas era total. Muitos dos antigos empresários transformavam-se em simples faiscadores e com o tempo revertiam à simples economia de subsistência" (FURTADO, 2005, p. 89). Nesse contexto, os núcleos urbanos se dispersaram e, consequentemente, a força de trabalho enfraqueceu e exprimiu piores níveis de produtividade.

Brevemente reportando sobre a pecuária, a atividade econômica estendeu-se ao longo do território brasileiro. Em meados do século XVIII, foi demarcado o apogeu do desenvolvimento do sertão nordestino, onde o gado produzido abasteceu todos os centros populosos do litoral, região da Bahia até o Maranhão (PRADO JR., 1981,  p. 46).  Desde a atividade açucareira, a importância da pecuária compreendeu-se por, além de alimentar grande parte da população, fornecer força motora, meio de transporte e comercialização do couro. "O recrutamento de mão-de-obra para essas atividades baseou-se no elemento indígena que se adaptava facilmente à mesma" (FURTADO, 2005, p. 66)

De acordo com Simonsen (2005, p. 241), quando a mineração teve seu fim, a pecuária foi responsável por consolidar economicamente a ocupação de extensas regiões do Brasil. Ela amparou as populações do sul entre o declínio da mineração e o advento do café.

Embora, simultaneamente à mineração, existissem atividades econômicas secundárias que se interligavam e contribuíram para o crescimento do Brasil, destaca-se, nesta pesquisa, aquelas nas quais a força de trabalho negra teve maior participação.

    Da decadência da mineração decorreu o renascimento agrícola na economia brasileira. O algodão ganhou destaque momentâneo na agricultura. O insumo, além de nativo, foi cultivado em várias culturas pelo Brasil. Fiado e tecido em panos grossos, o algodão era utilizado para o vestuário de escravos e de classes mais pobres (PRADO JR., 1981, p. 56). "Mas no princípio do século XIX, a produção brasileira foi desbancada pela norte-americana, se bem que continuasse a figurar como artigo importante na exportação, até à Independência" (SIMONSEN, 2005, p. 474).

Durante o período colonial, a força de trabalho negra estendeu-se, de maneira importante, pelo território brasileiro. De acordo com Prado Jr. (1942, p. 107),

O preto e seus derivados dominam nas regiões de grande atividade econômica, presente ou passada. As razões são óbvias: o negro se incorpora à população da colônia como escravo e trabalhador; fixar-se-á portanto lá onde se procura mão-de-obra e se pode pagá-la a bom preço. É assim que ele se concentra nos grandes núcleos agrícolas do litoral: no Maranhão, no Extremo-Nordeste, no Recôncavo baiano, no Rio de Janeiro. Assim também nos centros mineradores do interior: Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso. Em todos estes pontos, o negro e seus derivados preponderam.

No início do século XIX, estima-se que existiam pouco mais de 3 milhões de habitantes no Brasil. Um terço dos habitantes era constituido pela população branca, enquanto o número de escravos poderia variar entre um milhão e um milhão e meio. Desse modo, o número de pessoas de cor livre, estava entre 500 mil e um milhão. (HASENBALG, 2005, p. 143)

Na primeira metade do século XIX, os escravos representavam a maior parcela da força de trabalho no Rio de Janeiro. Os cativos eram responsáveis pelas tarefas domésticas e, também, vendiam diversos serviços no mercado. Os negros de ganho, escravos que pertenciam a famílias brancas de classe média, vendiam seus serviços durante o dia nas praças e nas ruas da cidade. Entre as profissões que participavam os negros, estavam artesãos, cozinheiras, vendedores, carregadores e pedintes. Estes eram responsáveis por garantir renda e sustento da maioria das famílias cariocas. Os negros responsáveis pelos serviços domésticos dividiam-se entre as cozinheiras, aias, damas-de-leite, lavadeiras, cocheiros, entre demais. (THEODORO, 2008, p. 18)

No segundo e, principalmente, no terceiro quartel do século XIX, foi demarcada a fase de gestação da economia cafeeira. A atividade cafeeira assemelha-se à açucareira devido à utilização intensiva da mão-de-obra escrava. No entanto, o grau de capitalização figura-se em números mais baixos, uma vez que, na produção de café, baseia-se amplamente na utilização do fator terra. (FURTADO, 2005, p. 116)

Os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul representavam o Brasil mais desenvolvido. Em 1850, o sudeste e o resto do país iniciaram trajetórias divergentes. A partir daí, os estados do sudeste brasileiro começaram sua carreira ascendente, devido, primeiramente, à expansão da economia cafeeira e, posteriormente, à industrialização ocorrendo nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, do fim do século XIX em diante. (HASENBALG, 2005, p. 134-135)

O primeiro censo demográfico foi realizado em 1872. Nesse ano, revela-se existência de  1,5 milhão de escravos no Brasil. Ao considerar que o número de escravos no começo do século XIX era cerca de mais de 1 milhão, e que até 1850 foram importados provavelmente mais de meio milhão de escravos africanos, pode-se deduzir que a taxa de mortalidade apresentou taxas superiores à de natalidade (FURTADO, 2005, p. 118-119).

Em razão do tráfico negreiro, o crescimento da população escrava apresentou uma taxa negativa de -1% de crescimento vegetativo durante o século XIX. Estimou-se cerca de 2 milhões de escravos no ano de 1850. Esse número decresceu rapidamente até a abolição, em 1888. (HASENBALG, 2005, p. 144)

A força motriz do tráfico dos escravos africanos foi constituída pelos ciclos econômicos sucessivos das regiões que produziam o açúcar, a mineração, o algodão e o café. Estas determinaram a localização espaço-temporal da população escrava. (HASENBALG, 2005, p. 136)

O Brasil não se limitou a recolher da África a lama de gente preta que lhe fecundou os canaviais e os cafezais; que lhe amaciou a terra seca; que lhe completou a riqueza das manchas de massapê. Vieram- lhe da África "donas de casa" para seus colonos sem mulher branca; técnicos para as minas; artífices em ferro; negros entendidos na criação de gado e na indústria pastoril; comerciantes de panos e sabão; mestres, sacerdotes e tiradores de reza maometanos. (FREYRE, p. 391, 2003)

Segundo as estimativas de P. D. Curtin (1969, p. 268, apud HASENBALG, 2005, p. 136), "ao longo de todo o período do tráfico africano, um total de 3.646.000 escravos entraram no Brasil, o que representa 38% do fluxo total do tráfico de escravos no Atlântico". No fim da era colonial, cerca de um terço da população era composta de escravos negros. (PRADO Jr, 1942, p. 117)

 

REFERÊNCIAS

 

FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48. ed. São Paulo: Global, 2003.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 32. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. 

HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil/Carlos Hasenbalg; traduzido por Patrick Burglin; prefácio de Fernando Henrique Cardoso. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2005.

NOVAIS, Fernando A. Estrutura e dinâmica do Antigo Sistema Colonial (séculos XVI-XVIII). 7. ed. São Paulo: Brasiliense; Campinas, SP; UNICAMP. IE, 2007. (30 Anos de Economia - UNICAMP, 11)

PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. Brasília, 1942

PRADO Jr., Caio. História econômica do Brasil. 26. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.

SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil: 1500-1820. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005.