Escola e disciplina: uma abordagem foucaultiana

Por Jéssica Georgia Rosa Barros | 10/10/2023 | Educação

Escola e disciplona: uma abordagem foucaultiana

RESUMO: O propósito deste artigo é explorar a escola enquanto ambiente de trabalho e as dinâmicas de força e poder que permeiam a tomada de decisões no âmbito educacional. A escola, enquanto espaço de ensino-aprendizagem, apresenta uma estrutura organizacional que reflete uma complexidade político-administrativa comparável às práticas administrativas empresariais. Além disso, essa estrutura não está isenta de conflitos interpessoais. Historicamente, as sociedades têm utilizado a conjunção entre poder e conhecimento como meio de influenciar os comportamentos dos indivíduos. Para tanto, sob a ótica de Michael Foucault, a instituição educacional, enquanto ambiente laboral, emprega tanto o poder quanto o conhecimento para disciplinar e moldar tanto os corpos quanto as mentes, alinhando-os com as ideologias predominantes no contexto social. Essa abordagem hierárquica leva à distribuição do poder disciplinar em uma rede que é tecida por meio de discursos de verdade, os quais desencadeiam uma variedade de respostas emocionais, que podem ir desde o orgulho até o temor, bem como o respeito ou submissão dos corpos individuais. Na perspectiva educacional, é afirmado que, ainda que haja um ambiente permeado por relações de poder, a administração escolar deve estar fundamentada em princípios democráticos que promovam uma participação ativa das crianças que estão envolvidas neste processo decisório. A partilha de responsabilidades, de maneira autônoma e crítica, é delineada como a rota a ser perseguida para assegurar a eficácia e a qualidade do processo educativo. 

 

Introdução

Assim como nas dinâmicas administrativas empresariais, a escola possui uma estrutura organizacional que envolve uma rede de interações políticas e administrativas. As decisões tomadas, seja em relação ao currículo, às políticas educacionais ou à gestão interna, refletem relações complexas de poder. Dentro deste cenário, é inegável que a hierarquia exerce uma influência significativa nas determinações educacionais, afetando não somente os alunos, mas também professores e outros membros da comunidade escolar. 

A lógica apresentada por Michel Foucault ressalta a dimensão disciplinar da escola, onde o poder e o conhecimento são usados para regular e moldar o comportamento e o pensamento dos indivíduos. Essa abordagem amplia a compreensão das relações de poder presentes na educação, destacando que as instituições educacionais não são meramente transmissoras de conhecimento neutro, mas estão profundamente imbricadas em estruturas de poder que influenciam a forma como o conhecimento é construído, disseminado e internalizado. 

No entanto, a teoria educacional contemporânea advoga por uma mudança nesse paradigma. Defende-se que, apesar das inevitáveis relações de poder, a gestão escolar deve se pautar pela inclusão democrática de todos os participantes no processo decisório. A abertura para diferentes perspectivas e o estímulo à participação ativa dos alunos, professores e pais promovem um ambiente mais democrático e enriquecedor para a educação. Isso implica compartilhar responsabilidades de maneira autônoma e crítica, com a intenção de promover um ambiente educativo que seja mais alinhado às necessidades e aspirações da comunidade escolar. 

Em síntese, a escola como espaço de trabalho não está isenta das complexas relações de poder que permeiam as instituições humanas. A influência do poder hierárquico e disciplinar, como delineado por Foucault, é um elemento inerente ao ambiente educacional. Assim, será objeto de estudo as relações de poder e a instituição escolar como espaço de desenvolvimento, tendo em vista que o caminho para a eficácia do processo educativo reside na capacidade de reconhecer, questionar e reformular as relações de poder, visando a construção de um ambiente educacional que promova o crescimento, a autonomia e o pensamento crítico de todos os envolvidos. 

 

1. Escola e Educação: relações de poder em foco

A educação é uma prática sociocultural, abrangendo um amplo processo de desenvolvimento humano. Essa atividade, por sua vez, pode ser tanto intencional quanto difusa, moldada por uma multiplicidade de objetivos e perspectivas de mundo. Dessarte, considerada uma influência ideológica, a educação é aplicada sobre os indivíduos com o propósito de aprimorá-los, conformá-los ou alinhar suas percepções de acordo com valores, normas e conhecimentos preexistentes ou em construção para o futuro.  

Dentro desse cenário, a educação se revela como uma força ideológica que não apenas transmite conhecimento, mas também molda as mentes em conformidade com padrões estabelecidos. Nesse contexto, a educação assume o papel de disciplinar e polir os indivíduos, buscando enquadrá-los dentro de um conjunto de crenças e diretrizes. O processo educativo, então, transcende a mera transmissão de informações, tornando-se uma ferramenta de influência cultural, social e política. 

Nessa perspectiva, a dinâmica educacional é permeada pelas relações de poder. Estas, por outro lado, têm o poder de difundir discursos específicos e regras tidas como verdades inquestionáveis. Essas verdades, por seu turno, moldam tanto o conhecimento que é adquirido quanto os tipos de comportamento que são promovidos. A infância, a juventude e até as relações adultas de um indivíduo são submetidas a essa influência que busca não apenas transmitir saberes, mas também estabelecer estruturas e expectativas sociais. 

Contudo, é fundamental reconhecer que a educação, como um processo cultural, não ocorre de forma neutra, mas é permeada por uma teia de interações de poder. O poder, nesse viés, está entrelaçado com a disseminação de ideias e a construção de normas. Essa influência sutil pode inspirar uma variedade de reações nos indivíduos, que podem variar desde a aceitação até a resistência. O poder, portanto, é tanto uma ferramenta para a promoção de conformidade quanto uma força que pode ser questionada e desafiada. 

Ademais, é possível propor uma mudança na perspectiva educacional. Ao considerar as relações de poder inerentes à educação, é crucial adotar abordagens que busquem a conscientização e a participação ativa dos envolvidos. Isso implica em incentivar a reflexão crítica, a autonomia e a capacidade de questionar as normas e discursos preestabelecidos. Ao invés de uma educação que apenas imponha valores e conhecimentos, é necessário fomentar um ambiente em que os indivíduos possam explorar, investigar e formular suas próprias perspectivas. 

 

2. A instituição enquanto espaço de trabalho

A educação, entendida como o processo de assimilação de valores e conhecimentos culturais e científicos, manifesta-se em diversos âmbitos da sociedade. Desde o contexto familiar até o ambiente escolar e mesmo no cenário profissional, emerge a necessidade de criar atividades pedagógicas que facilitem a disseminação dos saberes e métodos engendrados a partir das práticas sociais. 

A instituição escolar, enquanto ambiente voltado para o desenvolvimento intelectual, apresenta uma estrutura organizacional marcada pela complexidade político-administrativa e pela burocratização das relações de trabalho. Essas características compartilham semelhanças significativas com as normas administrativas adotadas por empresas, englobando elementos como a definição dos espaços físicos e horários, a presença de profissionais remunerados, a hierarquia institucional, a missão social, a clientela atendida, além de uma gama variada de outros aspectos formais e informais. 

Logo, a instituição escolar demanda um corpo de funcionários que detenha o status de docente. Isso implica que o processo de operação da escola deva primordialmente ocorrer sob a supervisão de um professor, que deve compartilhar os objetivos e projetos voltados para a socialização, moralização e instrução dos alunos. Dessa forma, o profissional, investido de docência, assume a responsabilidade de salvaguardar o sistema de conhecimentos essenciais para a formação de mentes e corpos preparados para cumprir as exigências do mercado. 

 

3. Michel Foucault: a disciplinarização dos corpos 

As análises de Foucault indicam que a configuração tanto da infraestrutura física quanto pedagógica de uma instituição social, exemplificada no contexto escolar, é cuidadosamente planejada para fomentar a disciplina e a dominação dos corpos, fundamentadas em dois pilares: a vigilância e a utilidade. Através da utilização desses elementos, a escola assume o papel de ser uma força de socialização que dissemina conhecimentos amplos e específicos, considerados essenciais para o crescimento pessoal, intelectual, profissional, cultural e social dos alunos. 

Neste viés, a escola é moldada como um veículo para a propagação das ideologias de poder estatais, destacando-se a figura do professor como representante do saber. Ela se ergue como um instrumento que perpetua o conhecimento e controle constante sobre sua população por meio de instrumentos como a burocracia escolar, orientadores educacionais, psicólogos educacionais, professores e até os próprios alunos. A escola, portanto, se estabelece como um observatório político, funcionando como uma ferramenta que possibilita a compreensão e monitoramento contínuo de sua comunidade através de diversos agentes. 

No entanto, essa instituição educacional também se transforma em um foco de segregação, aprofundando tendências que ocorrem no exterior. O modelo pedagógico instituído viabiliza uma vigilância constante. As punições aplicadas no ambiente escolar não têm o propósito de reabilitar ou "recuperar" os infratores, mas sim de marcá-los com um estigma, segregando-os dos considerados "normais", categorizando-os em grupos específicos que são associados à desordem, à insanidade ou à criminalidade. 

Dessa maneira, enquanto local de constituição e propagação do conhecimento, a escola também é reconhecida como uma instituição que contribui para a configuração e disseminação das dinâmicas relações de poder no contexto cotidiano. Isto posto, na concepção de Michel Foucault, o saber e o poder estão intrinsecamente interligados, uma vez que quando um profissional possui o domínio do discurso sobre uma determinada coisa, ele simultaneamente detém o domínio do poder para influenciar as ações relacionadas a esse domínio. Consequentemente, à medida que um conhecimento é edificado, ele é subsequentemente replicado por instituições que desempenham o papel de uma engrenagem social, gerando indivíduos cujas ações e comportamentos se originam a partir desse conhecimento. 

 

Considerações Finais 

Compreende-se que, apesar do progresso dos paradigmas educacionais que advogam pela capacitação do indivíduo em direção à liberdade, ao pensamento crítico e à cidadania, o aspecto disciplinador da educação permanece inegavelmente presente no ambiente escolar. As dinâmicas de poder às quais os alunos são submetidos nas instituições escolares direcionam-vos a uma educação voltada para a conformidade, moldando indivíduos submissos não somente no contexto escolar, mas também em todas as esferas de suas vidas. Esse padrão inibe a formação de indivíduos críticos e autônomos. 

Conclui-se, assim sendo, que a educação é uma atividade profundamente inserida na trama sociocultural, abarcando um amplo espectro de desenvolvimento humano. Além de transmitir conhecimentos, a educação é uma ferramenta de poder ideológico, moldando percepções, crenças e comportamentos. Ao reconhecer as nuances das relações de poder na educação, pode-se aspirar a uma prática educacional que promova não apenas a transmissão de informações, mas a reexaminar os elementos determinantes de sua existência, os fundamentos subjacentes às suas decisões do dia a dia, bem como promover a autotransformação enquanto indivíduo e construção de identidade. 

 

  1. Jane Gomes de Castro : Graduação Ciências Biológicas e Pedagogia; Especialização: Ecoturismo e Educação Ambiental
  2. Adriana Peres de Barros: Graduação  Pedagogia; Especialização em Educação Infantil e Psicopedagogia.

 

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