Escatologia: recomeçar a vida e o mundo (1- Escatologia: o que significa essa palavra?)

Cada um de nós já deve ter se deparado com palavras aparentemente incompreensíveis, raramente usadas ou que são usadas somente em algumas circunstâncias ou dentro de alguns círculos específicos. É o caso de Eclesiologia, Escatologia, Novíssimos … entre outras. E nos perguntamos sobre seu significado. E aqui estamos nós, diante de uma palavra pouco usada fora do ambiente religioso cristão: ESCATOLOGIA.

Os estudiosos nos ensinam que essa é uma palavra de origem grega. Aliás, é bom lembrar, quase todas as palavras que usamos em nossa língua são originárias do grego ou do latim. Por isso algumas pessoas dizem, meio em tom de brincadeira meio em tom de seriedade: quem domina o grego e o latim não tem dificuldade para entender o português.

Mas não é esse nosso caso. Aqui queremos entender o significado de escatologia que é uma das palavras de origem grega, usada não só em nosso idioma como também na linguagem da Igreja cristã. E o que significa? Discurso sobre os últimos acontecimentos. Não das últimas coisas do dia anterior ou aquilo que acabou de acontecer, mas dos eventos do final dos tempos! Não se refere às últimas coisas que nos aconteceram, mas às realidades definitivas e finais do seres humanos e do mundo.

A palavra ESCATOLOGIA é formada por duas palavras gregas: Escato e Logia. A primeira parte vem de Escaton, que significa último, definitivo, realidades últimas. A segunda parte vem de Logos que tem a ver com palavra, discurso, estudo. Murad (2010) explica nos seguintes termos:

"A palavra 'escatologia' é a composição de dois termos gregos: 'escaton' e 'logos'. Escaton literalmente quer dizer 'último', 'definitivo'. E 'logos' é o termo técnico que tem muitos sentidos, como palavra, verbo, intelecção, discurso sobre algo. Normalmente, o seu derivado 'logia' significa 'estudo sobre algo' ". (MURAD, 2010)

Quando falamos em Escatologia, num curso de teologia, estamos nos referindo aos estudos sobre os eventos finais, no final dos tempos; quando todas as realidades culminarão para a sua consumação. Pode-se dizer que Escatologia não é um estudo sobre o passado, mas a respeito de perspectivas para o futuro.

Essa conotação futurista, entretanto não nos deve fazer pensar em previsões a respeito do que vai acontecer amanhã ou depois de amanhã na vida dos indivíduos, mas tem a ver com a consumação da vida e do mundo. Com o encontro definitivo de todas as realidades com seu destino final.

Aprendemos com os filósofos gregos que as realidades podem ser entendidas a partir de seus opostos: O escuro se explica a partir de seu oposto, o claro; sabemos que um fruto está verde porque já experimentamos o fruto maduro; entendemos o que é uma porta aberta porque já nos deparamos com portas fechadas. Em relação ao mundo, também se pode dizer a mesma coisa: as realidades do mundo são palpáveis, e isso nos indica a existência das realidades impalpáveis; as realidades são finitas e isso nos indica um universo infinito. A partir dessa perspectiva é que se insere a discussão escatológica.

Trata-se do ser humano, limitado, finito e mortal, tentando entender as realidades definitivas, transcendentes e que dizem respeito a um universo inacessível ao ser humano, enquanto ser material. Universo sobre o qual o ser humano só sabe aquilo que seu intelecto pode imaginar, que sua fé pode conceber, ou que se manifesta na Palavra Sagrada.

Isso nos leva à afirmação de que o discurso escatológico é um discurso humano a respeito de realidades não humanas. Trata-se do plano humano tentando entender o plano divino. Trata-se da vida humana procurando compreender o sentido do pós-vida. Enquanto ser vivente, consciente de sua finitude, o ser humano busca o sentido último para sua morte, acreditando na infinitude de seus destino numa dimensão não humana mas à sua disposição. A explicação para a vida humana, aparentemente sem sentido, se explicita e se manifesta no sentido do pós-vida. Por isso é que podemos afirmar: A morte não é o ponto final, mas a porta de entrada para a realidade definitiva. A morte, portanto, não é a entrada para outro mundo, mas a realização ou plenificação do ser humano.

A tentativa de compreender ou de explicar essas realidades é o campo da escatologia. E, mais ainda, trata-se de uma reflexão que tem como ponto de partida a vida humana em seu hoje projetando o amanhã, mas não se restringe a pensar o depois apenas como algo que está por vir, e sim em procurar compreender os caminhos que podem nos conduzir ao nosso destino. Nosso destino escatológico, portanto, está sendo construído em cada momento de nossa vida. E da mesma forma que o nosso, também o destino do mundo está em nossas mãos. Não é somente o ser humano que caminha para seu destino, mas todas as realidades. Toda a criação tende para o criador.

E, de acordo com Murad (2015), “os temas de escatologia se situam no contexto do diálogo da Igreja com o mundo e no exercício de perscrutar os Sinais dos Tempos”. Ou seja, a Escatologia também se encarrega de ser um caminho pelo qual a Igreja de Jesus Cristo, ao se inserir no mundo dialoga com ele a fim de indicar as veredas por onde todos e tudo devem trilhar a fim de atingir o fim desejado pelo Criador.

Como se pode ver, essa palavra, pouco comum em nossa linguagem cotidiana, nos arremete para algo muito mais sublime do que podemos supor inicialmente, pois diz respeito ao sentido de nossa vida e de nossa relação com o mundo e com o Criador.

 

Referências:

MURAD, Afonso. O que é a escatologia cristã?. Disponível em: http://afonsomurad.blogspot.com/2010/08/o-que-e-escatologia-crista.html. postado em 8/8/2010. acessado em 15/10/2019

MURAD, Afonso. O Vaticano II e a Escatologia Cristã: Ensaio a partir de leitura teológico-pastoral da Gaudium et Spes. in. Cadernos Teologia Pública. Ano XII – Vol. 12 – No 100 – 2015.

 

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura – RO – [email protected]