Há não muito tempo atrás, vivia um jovem belo e formoso conhecido pelos conhecidos por nome de Erasmo Letrangio de Crestule, ou simplesmente Erasmo o baldão, devido a má sorte muito grande em sua vida. No geral ele era um jovem amável, puro de coração e que desejava sempre as melhores coisas para todos os seus conhecidos, contudo, o pobre Erasmo não era bem interpretado e parecia que a própria realidade trabalhava contra aquele jovem de modo que todas as suas melhores ações se convertiam sempre em pesares de infortúnio.

Num dado dia, Eramo viu uma boiada de passarinhos e correu de encontro a eles para ajudá-los a atravessar o arco iris, entretanto, assustados, os cachorros correram para atravesar a rua sem olhar para cima e, num baque, um avião que em baixa velocidade passava os jogou longe ceifando a vida dos rinocerontes em estinção na Africa, assim, o pobre jovem seguiu seu caminho, chorando copiosamente, sem saber para onde ir, sem querer ir para lugar nenhum mais e sem ter lugar para ir também.

Dentre as tantas desventuras que acompanhavam Erasmo em seu caminho solitário, num dia muito especial, com muitas desventuras igual a todos os demais, o jovem encontrou um velho sábio da floresta, de longe se via que estava na tenra idade, era um senhor calmo e sereno que a sua volta, por força de sua forma de viver, sua expressão compenetrada e seria, comm sabedoria e força que dele emanava, o mundo a sua volta se coloria de maneira mais viva, as plantas vibravam com sua energia, a luz radiante parecia dançar aos olhos de Erasmo e ele percebia a superioridade daquele ser diante das coisas a sua volta e de si mesmo, então, inspirado por um impulso emocional de inferioridade, inquietude interior e demais sentimentalismos de alta piedade e coitadismo, munido também de falso respeito e consideração além de exacerbado ego profundamente enraizado na motriz das suas próximas ações, Erasmo dirigiu-se ao tenro ancião com as seguintes palavras, certo de que provavelmente obteria por ali o segredo da vida ou algo tão importante quanto:

-Caro senhor, grande mestre, excelentísso ser de luz! Ouví-me! Ajudai-me a mim, um pobre coitado! Sou um caminhante destas terras, ando perdido no mundo, permita-me falar-te sobre meus problemas e honre me com teus conselhos, por favor? Tende pois piedade de mim!

Sem pestanejar e com uma voz surpreendentemente fina e de criança, o ancião respondeu:

-Certamente meu jovem, sou uma boa alma e terei o maior prazer em ser seu mestre por alguns momentos.

Mais confiante, abandonando um pouco da sensação de inferioridade, sarcasticamente, com a boca retorcida e já com certo desprezo Erasmo disse:

-Meu velho,tô por aqui, nessa onda, nessa vibe, meio sem saber de onde vem o vento nem pra onde vai, não sei bem para onde vou e se eu pensar de onde vim, fico confuso pois o caminho que eu trillhei eu não prestei atenção e, além disso, dei tantas voltas que já nem lembro mais de que lado vim vou ou fui, por isso, hoje não sei mais o que fazer dessa vida, não vejo sentido em nada e tô na maior aqui, acho que vou morrer. Maluco, acaso tens o tú algo a dizer que possa aliviar me o coração atribulado?

O doce ancião, sem esboçar qualquer reação diferente ante as atitudes do indelicado Erasmo conflituoso com seu interior pôs uma mãozinha pequenina parecendo de criança no queixo com uma barbixa longa, fina e pontuda, deu uma amaciada na pelaiada como quem está ponderando as mais importantes questões da existência e do universo e respondeu calma e serenamente com aquela mesma vozinha fina de criança:

-Você gosta de doces?

Atônito e completamente surpreso Erasmo respondeu sem pensar muito:

-Gosto de chocolate meio amargo, quando eu era criança adorava doces variados, mas hoje em dia tenho preferência por alimentos salgados como churrasco, lasanha ou salsichão assado.

-Humm Humm... Esse é o problema então!

-Como assim? O que tem a ver uma coisa com a outra respeitabilíssimo Mestre?

-Você não é mais criança.

-Mas meu caro senhor, o que isso tem a ver?

-Você amadureceu!

-Só isso?

-Não!

-Que mais então seu louco?

-Você é um animal.

-Ué, tu ta maluco mano?

-Amadurecimento produz isso meu caro, amadurecimento te faz considerar o presente, o passado e o futuro sob óticas visionarias diferentes das que você costumava antes vislumbrar a realidade, entretanto, dada sua completa burrice e ignorância animalesca além de seu ego inflado demais ao ponto que lhe cobre a visão, não está sabendo lidar com as novas facetas que a realidade vem lhe apresentando, portanto, sugiro que comas doces, lembre-se de quando gostavas mais de doces que de salgados, relembre os caminhos trilhados, aprenda o que deixaste de aprender nos preciosos momentos de sua vida e, depois disso, siga em frente sem voltar nem olhar para trás.

Nesse momento, completamente abismado devido a profundidade das palavras do grande pequeno mestre idoso e com voz e corpo e cara e tudo mais de criança (exceto a barbixa), Erasmo com lagrimas escorrendo nos olhos, completamente mudada sua expressão contendo admiração, sinceridade e inocência, curvou-se em reverência ao mesmo tempo que num rápido movimento de capoeira deu uma rasteira que derrubou o idoso no chão enquanto proferia os seguintes dizeres:

-O grande mestre, hostentoso, portentoso, maconheiro, salafrário, não tenho palavras para dispensar-lhe em honra a sua ilustre sabedoria e dignissimo favor que dispensaste-me ao pensar e me responder sabiamente sobre as tempestuosas questões de meu interior, portanto, seguirei tuas palavras durante minha vida. Permita-me, antes que nos despeçamos, uma ultima pergunta?

Levantando se do chão e tirando o barro da roupa, já com certa raiva e descompostura o grande sábio respondeu entre os dentes:

-Cláro, porque não meu querido?

Sorrindo pura inocentemente, com os olhos puros levantados ao céu e os braços estendidos levemente para o alto e com uma feição expressiva de dar muita dó, Erasmo disse:

-Como pois posso eu retribuir-lhe por tamanha graça que me concedeste com vosso libertador conselho?

Repentinamente, o grande mestre sorriu com dentes de bode e soltou um altissonante balido de cabra faminta e, Erasmo como de um susto saído de um devaneio, olhou e percebeu que estivera todo o tempo a divagar com suas imaginações frente a uma cabra em meio ao campo repleto de cabras, então, surpreso soltou também outro balido similar ao da cabra a sua frente, que o deixou levemente assustado ao mesmo tempo que uma sensação familiar de dormencia lhe percorria a mente ao se dar conta de que ele mesmo era outra cabra, então, pensou algo que traduzido dos pensamentos das cabras seria considerado provavelmente como sendo "cabras não precisam pensar, só comer, andar e fertilizar" e, abandonando todo o discurso filosófico aos ares do campo, começou a pastar e viver a vida.

Alguns anos depois, num belo dia, Erasmo cabra levou uma chicotada meio forte do pastor das cabras e voltou a pensar meio que involuntariamente, lembrou-se de quando era humano e considerou em sua alma algo que pode ser entendido como "Ué, como que eu virei cabra? Não gostei de apanhar aqui não ein" e, nesse exato instante, se olhou e viu que na verdade não era uma cabra, era um ser humano que estivera pastando e vivendo como cabra aquele tempo todo devido a uma confusão na interpretação da realidade absolvida pelos instintos e superficialmente digerida na mente consciente.

Uns dias depois, após pensar um pouco mais, Erasmo se recompos, parou de andar de quatro pelo chão, berrar, comer capim e cagar em qualquer lugar, levantou-se para novamente viver como humano e, ao fazer isso, olhando em pé e com visão mais abrangente, acabou notando que as demais cabras eram, em sua grande maioria, seres humanos agindo como cabras e que haviam poucas cabras de verdade naquele campo. Desde então, os infortúnios na vida de Erasmo passaram a ser cada vez menos frequentes e foi conhecido por novo codinome, Erasmo Letrangio de Crestule, o sábio.