Em 1988, atuando como professora em duas escolas públicas estaduais já utilizava, em salas de aula, o jornal como recurso didático pedagógico (na antiga 4ª série como regente, e 5ª a 8ª séries nas disciplinas de História e Geografia, do Ensino Fundamental).

Levava, toda segunda-feira, 18 jornais de terça a domingo, dentro de uma sacola ou em carrinho de feira. Seis jornais que eu assinava, seis doados pelo vizinho e seis do consultório de um dentista da família. Os alunos tiveram, então, a oportunidade de conhecer e ler informações de três estruturas diferentes (jornal da cidade deles, da cidade de São Paulo e de Belo Horizonte).

Era, sem dúvida, uma aula movimentada, curiosa, divertida e, por isso mesmo, precisei de muita paciência e habilidade, para organizar, nas primeiras aulas, a bagunça e o barulho. Lembrando que, muitas vezes, valia a pena assistir à desorganização, porque ficava claro o interesse dos alunos pelo jornal e pelas suas possibilidades, enquanto aprendizagem da professora e dos alunos.

Os jornais eram utilizados durante a semana quando surgia tempo, espaço e muita argumentação, para que fosse permitido, na sala de aula, um material considerado fora da aprendizagem convencional. Acontece que, naquela época, era muito difícil, para o professor, sair do conteúdo preestabelecido pelo livro didático, e sempre em concordância com o planejamento aprovado pela supervisora pedagógica.

Mesmo enfrentando regras convencionais predeterminadas, felizmente, encontrei, dentro das escolas, educadores que acreditavam, estimulavam e brigavam por aulas com atividades inovadoras. Foram grandes cúmplices, sonhando com uma escola inovadora. Por isto, a gente teimava, arriscava, fazia e acontecia. No final, éramos respeitados pelo resultado, principalmente, pelos alunos.

Assim foi com o jornal na sala de aula. Separados em grupos, os alunos, inicialmente, manuseavam o jornal, faziam perguntas curiosas que eram registradas no quadro e respondidas após a exploração de cada página. Nas próximas aulas, gradativamente, aprendiam a analisar a primeira página e as manchetes principais. Em seguida, verificavam o índice, descobrindo que, no jornal continha cadernos específicos e, em cada um deles, informações diversificadas.

Passada esta fase, eles ficavam livres para formar grupos com colegas que curtiam os mesmos cadernos. Enquanto cada grupo fazia suas descobertas, eu aproveitava para propor atividades diferentes e criativas, oferecendo subsídios (dicionários, papel, giz de cera, tesoura, cola, caixa de papelão para lixo entre outros) que possibilitavam ampliar a análise, discussão, confecção e apresentação de trabalhos.

Vi, com os alunos, muita produção interessante e realizadas com prazer. Aprendi, com eles, um jeito diferente de compreender a informação com a responsabilidade que ela merece. Porque, na sala de aula, quando questionada a respeito de qualquer notícia, eu percebia a necessidade de saber mais a respeito dela, da sua veracidade e credibilidade. Inclusive, questões éticas sobre quem assinava o texto.

Era muito comum alunos de 7ª e 8ª séries observarem a mesma notícia informada de formas diferentes, nos vários jornais que utilizávamos. Quando isso acontecia, havia um tempo de muita crítica e posicionamentos que, muitas vezes, levavam a discussões acaloradas. Razão pela qual, posso garantir que a faculdade não me ensinou tanto como estes alunos, enquanto fazíamos uso do jornal na sala de aula.

Mas, nada aconteceu por acaso. A ideia de utilizar o jornal surgiu após alguns anos de experiência como professora. Observar e refletir sobre a postura de alunos desinteressados e desconcentrados, frente à realidade do cotidiano deles, me deixava assustada e muito preocupada, cada vez que entrava e saía da sala de aula. Eu via uma geração que crescia e se envolvia apenas com coisas e pessoas e imediatistas. Ou seja, jovens adolescentes alimentados, culturalmente, em ritmo de fast-food (digerir rapidamente, em grande quantidade, tudo que o mundo contemporâneo oferecia, mas esquecendo-se de verificar a qualidade).

Então, levar, para dentro da sala de aula, a informação, através do jornal, teve como princípio comunicar aos alunos que o jornal passaria a fazer parte da vida escolar deles, no mínimo, uma vez por semana. Que seria fundamental para eles se atualizarem. Que o jornal abordava temas das disciplinas curriculares e, também, temas que eles não estudavam na sala de aula.

Este comunicado aos alunos facilitou, primeiramente, a compreensão sobre fatos e acontecimentos ligados à vida deles (jornal da própria cidade), visando desacomodá-los de uma aprendizagem repetitiva e maçante. Oferecia a informação com objetivo de formar cidadãos conscientes e que participam do mundo, com responsabilidade (jornais dos grandes centros urbanos e internacionais).

Nesta perspectiva, os alunos passaram a compreender as informações jornalísticas, como parte integrante da notícia. E, naturalmente, eles sugeriam soluções, para grandes problemas que ocorriam, principalmente, na sua região. Na simplicidade de muitos, destacava, vez ou outra, soluções inteligentes e criativas.

O prazer de presenciar a capacidade destes alunos, estimulados pela leitura de jornais, revelava a possibilidade de contribuir no crescimento intelectual e social, porque eles estavam formando hábito de leitura, com criticidade e conhecimento. E, nesse processo de leitura constante, com diferentes comentários, eles iam percebendo os vários aspectos de uma notícia e suas consequências. Assim, toda reflexão motivava a construção e/ou ilustração de um texto que, posteriormente, seria matéria no jornal de cada turma. Considerando sempre o respeito as habilidades e competências dos seus autores e suas respectivas séries.

Das inúmeras experiências que tive, usando o jornal na sala de aula, muitas deixaram lembranças incríveis. Dentre elas, ficou registrado, na memória, um mesmo período em que lecionava em duas escolas estaduais e em uma escola municipal de zona rural, as disciplinas de História e Geografia, para alunos de 5ª a 8ª séries. Vivenciei nesta época o privilégio ímpar de me relacionar com alunos de três realidades diferentes: zona rural, centro da cidade e bairro.

O aprendizado e as descobertas com estes alunos, através do jornal, foram consolidando e enriquecendo a estrutura das minhas aulas. Ao mesmo tempo, eu enxergava, nitidamente, a visão de mundo que os alunos passavam a entender, como conhecimento e como agentes transformadores.

Nesta fase, que durou até 1993, chamou atenção uma atividade dos alunos destas diferentes localizações geográficas, trocando informações sobre a história de suas vidas em forma de notícias, que eu levava de uma escola para outra. Eram reportagens escritas e ilustradas em papel jornal, tamanho tabloide, com informações sobre usos e costumes, como crenças, comidas, lazer, plantações, indústria, comércio e tantas outras características da zona urbana e rural. O mais interessante era o caderno de perguntas e respostas sobre as curiosidades das duas localizações.

Este intercâmbio jornalístico com notícias e reportagens durou dois anos. Alunos da zona rural e da zona urbana questionaram e se posicionaram a respeito das suas diferentes experiências, elaborando textos, buscando e oferecendo sugestões e soluções para as mais diversas situações. Foi incrivelmente fantástico!

Nesta visão, a cada ano letivo, eu constatava que o conteúdo diário do jornal na sala de aula, proporcionava uma reação muito significativa por parte dos alunos: o interesse e a concentração. E foram eles os motivos que me impulsionaram a buscar novas alternativas.

O jornal acabou sendo um apoio indispensável na minha vida como educadora. E nos últimos anos da minha profissão e vocação para aprender e ensinar, ainda tive a oportunidade de trabalhar o jornal digital no laboratório de informática da última escola onde trabalhei, antes de aposentar. Vi, agora, uma geração compreendendo a informação com outro olhar, criando suas produções e textos numa visão mais ousada e uma coragem desmedida para opinar e criticar.

Quem embarcou nesta ideia, com certeza, sabe do que estou falando. Em quase 30 anos comprometida com a educação, o jornal me serviu como o melhor instrumento, na formação do hábito de leitura dos meus alunos. Foi enriquecendo vocabulário, compartilhando ideias, atualizando e inovando o conhecimento, que o jornal marcou presença expressiva na aprendizagem deles.