Luís Guilherme Pires

1 Descrição

Apesar de vivermos em uma sociedade contemporânea onde valores segregacionistas foram superados e as formas autoritárias de governo como o fascismo foram, também, superados, ainda há um tipo de fascismo que assola a sociedade. Este tipo de fascismo nada se assemelha àqueles do período da II Grande Guerra, mas sim um tipo de fascismo social onde pode-se separar o mundo em duas linhas abissais onde um lado da linha é mais “civilizado” do que o outro. Tal emprego do fascismo social é facilmente percebido na segregação feita com as pessoas consideradas loucas, onde elas são jogadas e esquecidas nos manicômios como retratado no livro Holocausto Brasileiro da jornalista Daniela Arbex e no filme bicho de 7 cabeças que foi dirigido por dirigido por Laís Bodanzky.

2 Em qual dos tipos de fascismo os casos narrados no livro e no filme podem ser classificados?

O fascismo social nada tem a ver com o fascismo pregado nas décadas de 30 e 40. O fascismo social, segundo Boaventura é um fascismo pluralista e, segundo ele, podem ser classificados em três formas de fascismo. O primeiro seria o fascismo do apartheid social onde as cidades são divididas em zonas civilizadas e zonas selvagens, enquanto aquelas são retratadas pelo contrato social, esta se caracteriza pelo estado de natureza segundo Hobbes, onde o homem vive em constante guerra e quem vive no “lado” do contrato civil, tem que se proteger constantemente das ameaças do lado de lá. A segunda forma de fascismo social é fascismo paraestatal onde quem tem mais poder é quem manda e se divide em fascismo contratual e fascismo territorial. O terceiro é o fascismo da insegurança onde a manipulação da insegurança de pessoas e/ou grupos sociais vulnerabilizados.

A segunda forma de fascismo social, o fascismo paraestatal, é o que se encontra retratado nos casos narrados no livro e no filme, onde há uma usurpação por parte de agentes sociais muito poderosos que ignoram o controle democrático e acabam por anular ou por suplementar o controle social emanado pelo Estado. O fascismo paraestatal se divide em duas vertentes: fascismo contratual e fascismo territorial. A primeira é a que é retratada tanto no filme quanto no livro e o fascismo contratual é aquele onde há uma diferença significativa entre os pactuantes do contrato civil onde a parte mais fraca não tem como não se submeter as vontades e condições impostas pelo mais forte, ainda que tais vontades e condições sejam despóticas e onerosas. Isso fica bem claro no livro onde é relatado a história de dona Genra, onde ela é estuprada pelo seu patrão e ao ficar grávida é mandada para o hospital psiquiátrico de Oliveira e depois para o Hospital Colônia de Barbacena. O patrão da dona Genra detinha um maior poder sobre ela, para que ele pudesse esconder que havia engravidado sua empregada e para preservar a imagem de sua família, ele a mandou para tal lugar. Já no filme, essa questão é abordada quando o pai de Neto o leva para um hospital psiquiátrico por fumar drogas. Neto é a parte mais fraca, haja visto que ele é considerado droga e exerce papel de filho, sendo seu pai a parte mais poderosa, uma vez que os pais são dotados de um poder simbólico onde eles estão sempre certos e sabem o que é melhor para o filho. Uma vez que o controle social informal, aquele exercido pelas escolas, igreja e pela criação dada pelos pais, falhou com Neto, seu pai recorreu a outro método, a internação para interferir no uso de drogas do filho.

No livro, a inter-relacionamento do controle social formal com o informal quando pessoas alcoólatras, mendigos, drogados, eram levados ao Colônia como forma de limpar as ruas da cidade daquelas pessoas indesejadas, consideradas a escória da sociedade e lá dentro eram tratados como bicho, despidos de toda e qualquer humanidade que possuíssem.

Pode-se notar tanto no filma quanto no livro uma coerção social de caráter físico e de caráter simbólico. O primeiro pode ser identificado por meio dos eletrochoques dados nos pacientes que não se comportavam, que eram considerados rebeldes, que apresentavam uma certa agressividade, como forma de prevenir ou como forma de punição eram aplicados choques nas têmporas dos pacientes. Pode-se notar a coerção física também ao praticar a lobotomia e ao obrigar os pacientes a tomarem remédios sedativos. A coação de caráter simbólica seria aquela onde as pessoas que ali entravam teriam que se despir de toda sua personalidade, de tudo o que um dia foram, eram usurpadas de suas individualidades seja quando contam o cabelo de maneiras iguais, seja quando usam a mesma roupa ou ainda quando são tiram seus verdadeiros nomes dando um nome qualquer ou algum apelido.

Esse processo de marginalização sofrido por grupos estereotipados fere sim princípios jurídicos uma vez que em seu artigo 5º da Constituição Federal de 1988 afirma que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...” e mais especificamente em seu inciso III onde afirma que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. No Colônia, os pacientes eram submetidos a todo tipo de tortura como os eletrochoques, lobotomia como já foram citados acima. Os pacientes eram constantemente submetidos a tratamentos degradantes como dormir do lado de fora em um frio com sensações térmicas negativas, passar fome e sede e para matar ambas tinham que comer ratos e beber água de esgoto, dormir em feno em meio a ratos e baratas, não tinham assistência médica alguma.

 

 

Referências

ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro: vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil. São Paulo: Geração, 2013.

BICHO de sete cabeças. Direção: Laís Bodanzky. Interpretes: Othon Bastos; Rodrigo Santoro; Kássia Kiss. Roteiro: Luiz Bolognesi. Brasil: Colúmbia Pictures do Brasil, 2001, 1 DVD (1h14min).

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS,

Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.) Epistemologias do Sul. Coimbra, Portugal: Edições Almedina, 2009.