ENTERRADA VIVA

Por Henrique Araújo | 17/02/2010 | Religião

ENTERRADA VIVA

 

     Fui casada com um homem que tinha os nervos à flor da pele. Era temível e todo o povo o chamava de louco, pois estava abraçando a própria morte. No entanto Francisco me tratava bem.

     Durante muitos anos moramos numa pequena cidade.Ele brigava muito comigo e às vezes me batia, mas, isto acontecia com outras famílias também.

     Vivíamos pobres e não tínhamos nada. A miséria abraçou a nossa pobre casinha. Então Francisco resolveu levar-me para a roça. E lá fui com meu marido enfrentar a dureza.

     Eu ajudava Francisco na labuta dura da roça. Não desanimávamos. E as sementes foram plantadas, as árvores cresceram e houve a colheita. Francisco ficou rico. Vimo-nos compensados com a nossa luta.

     Francisco começou a ir à rua e chegava bêbado em casa. Começou a me maltratar. Eu sofria, mas não reclamava. Talvez fosse minha sorte.

     Um dia ele disse que iria dar fim em mim para realizar um novo casamento. Eu tinha perdido o amor de Francisco, eu que tudo de bom fiz a ele.

     Às vezes eu temia a morte. Mentalmente eu via o meu corpo inerte e frio caído sem vida, porém a indiferença de Francisco era mais fria que a sepultura.

     Um dia nasceu nosso primeiro filho. Pensei que Francisco ia nos amar por causa do nosso filho, mas aconteceu justamente o contrário. Ele teria que lutar por três e não por dois como antes.

     Um mês se passou. Então...Francisco me jogou em um poço fundo. Caí com meu filhinho no colo. Lágrimas começaram a cair de meus olhos. Eu chorava por ver meu filhinho em tão grandes sofrimentos.

     Francisco começou a jogar terra no poço. E a água com a terra subiu imediatamente. Eu lutava para salvar a criança, mas não havia jeito. Senti-me fraca e sufocada pela falta de ar. E a terra cobriu-nos. Ali eu vi as cortinas do mundo se fecharem. Perdi meu corpo num poço fundo, porém o peso no ombro de Francisco era maior que a minha desgraça. Ele havia enterrado sua mulher e seu próprio filho.

      Sei que não vi mais nada naquele poço fétido. Saí num limpo, tão lindo de uma beleza incomparável . Parecia que eu voava nas asas do infinito. A meu lado um anjinho sorria e me dava seus bracinhos refulgentes de luz.

     Com o tempo as coisas foram ficando cada vez mais nítidas e eu já podia ver um colorido que banhava todo o meu ser.De mim partiam raios de luz e o mesmo acontecia com o anjinho a meu lado.

     Eu não sabia onde estava e as interrogações vieram. Quem era eu e onde estava?

     Fui caminhando lentamente naquele edem de amor e paz quando deparei com uma figura que irradiava raios de luz colorida.

     - Filha, que alegria! Até que enfim você voltou para o reino espiritual.

     - Mamãe, a senhora!... Quanto tempo, não querida!

     E então passamos em diversos lugares, vilas e cidades,onde uma multidão trabalhava em prol da alegria e felicidade da vida eterna.

    Não fiquei surpresa quando minha mãe disse que eu tinha  desabitado o mundo carnal. Apenas queria ver o meu corpo ainda uma vez.  Minha mãe explicou que isto traria muito sofrimento, que chegaria a oportunidade.

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     Francisco estava livre e poderia realizar o seu intento com outra moça. Começou o namoro dele com Josefina. Tudo corria muito bem. Foi marcado o dia do casamento. Ele queria tirar algumas fotografias para enviar a seus parentes, antes de ser realizado seu novo casamento. Foi com Josefina a um fotógrafo e tiraram várias fotos. No outro dia ele foi buscá-las e foi preso.O fotógrafo levou as fotografias à polícia. Em todas elas eu tinha aparecido com meu filho. O fotógrafo estranhou pois me conhecia e sabia que eu não tinha ido à casa dele naquele dia.

     A polícia intimou Francisco para explicar aquele fenômeno. Ele inventou várias hipóteses, mas foi inútil. A justiça queria saber o meu paradeiro e bateram e maltrataram o pobre Francisco que acabou confessando o crime.

 

    Lá foi a autoridade com o criminoso para o pátio da  casa  onde  morávamos. Francisco desentupiu o poço outra vez e com ajuda das pessoas me tiraram de lá com a criança. Foi assim que revi meu corpo todo deformado, comido por vermes. Aquilo produziu uma grande emoção negativa em meu ser e minha mãe me tirou dali rapidamente. Fomos a um jardim e oramos com fé.

     Meu corpo e o da criança foram enterrados numa única cova depois.

     Francisco ficou preso esperando o julgamento. Perdeu o outro casamento,pois Josefina ficou assombrada quando soube do acontecimento.

     Eu me sinto agora um pouco fraca ainda, mesmo assim, tenho trabalhado para conseguir a liberdade de Francisco. Ele é um homem bom.