Então prove! Quando me ouviu dizer que na bíblia está escrito que “Deus não existe”, minha aluna disparou o desafio: “Então prove”. Provei, mas antes voltei ao tema de nossa discussão daquela noite que era justamente a discussão sobre o problema do conhecimento. A discussão circulava ao redor do conhecimento ou sobre as diferentes modalidades do conhecimento: conhecimento científico, filosófico, religioso... áreas que se fundamentam em pressupostos distintos uma vez que o conhecimento científico não é o mesmo que conhecimento religioso. Na realidade eu dizia que a ciência evolui a partir da demonstração/experimentação. A filosofia evolui a partir da comprovação racional. E a religião evolui a partir da fé. E dizia mais: que a verdade religiosa não depende de provas, depende apenas de fé. Pode-se, evidentemente, aprofundar, e em alguns casos, até comprovar aspectos ou saberes a respeito de dimensões da religião, mas não com a pretensão de que, a partir dessa demonstração alguém deixe de ser incrédulo. Aprofunda-se os saberes sobre as práticas religiosas, mas a fé não depende de mais conhecimento para ser aprofundada. A fé pode aumentar ou diminuir, mas para isso acontecer não depende da comprovação e sim daquilo que os místicos chamam de “experiência de Deus” e que se trata de algo pessoal e não se repete. Ou seja, acredita-se ou não se acredita independentemente da comprovação. E a fé pode ser fortalecida na proporção das “experiências de Deus” que se possa ter. Para ser mais preciso: se houver comprovação, não mais necessita de fé. Aquilo que sei ou acredito por ter visto ou ter-me sido demonstrado, não depende de fé, pois é um fato. E o fato fala por si mesmo. É claro que esse tipo de discussão, em sala de aula, produz alvoroço. Produz debate. Produz controvérsia. Manifestam-se aqueles que concordam com o professor e aqueles que tentam convencer o professor de que ele está errado, pois, onde já se viu por Deus em dúvida. Esse maremoto de controvérsias pode ser um excelente meio ou recurso para o professor perceber até que ponto os estudantes estão entendendo aquilo que ele está lecionando, pois quem não entende nada do que se está falando não tem nada a comentar nem como se posicionar a favor ou contra. Então voltemos à questão. A fé não depende de comprovação pelo seguinte motivo: se o objeto de fé for comprovado ou demonstrado deixa de ser objeto de fé. Passa a ser algo demonstrado, provado. Será um fato. Por isso, aqueles que tentam convencer alguém sobre um elemento de fé, como acreditar em Deus, está prestando um desserviço à fé, pois estará saindo do fértil campo da crença para mergulhar no arenoso e controverso campo da ciência ou da filosofia. Estas, sim, dependem da comprovação: se a ciência não demonstrar a sua afirmação, não será uma afirmação científica. Da mesma forma, a filosofia. Se uma afirmação não for racional, coerente e lógica, não terá sentido e, portando, não será filosofia. Mas a minha aluna queria saber se realmente na bíblia se lê: “Deus não existe”. É verdade, lá está escrito: “Deus não existe”. Mas eu não estava interessado em comprovar ou negar a existência de Deus; pretendia apenas comentar a utilização tendenciosa, ideológica, infundada, falsa, enganosa que muitos fazem da bíblia ou de de outras realidades… Existem aqueles que usam uma parte de algo, como se aquela parte fosse o todo. Existem muitos espertalhões enganando seus ouvintes usando argumentos parciais ou falseados, para afirmações que não se justificam, mas justificam seus interesses inconfessáveis. Usando essa argumentação, podemos até demonstrar pela, bíblia, que Deus não existe: Assim está escrito! Quando tiramos uma frase, uma afirmação, uma situação, ou qualquer realidade de seu contexto, ela perde seu sentido. Duvida disso? Então isole do contexto a frase “Deus não existe”, lá do salmo 10 versículo 4. Pronto, provei! Neri de Paula Carneiro Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador Rolim de Moura - RO