GEORGE LAURINDO DE ANDRADE

TRABALHO (TRECHOS) PARA O CONGRESSO NACIONAL DE HISTÓRIA DO DIREITO – IPATINGA – MG 2008.

ENSINO JURÍDICO NO BRASIL – BREVISSIMAS ANOTAÇÕES: DO LEGADO LIBERAL A ENCRUZILHADA PÓS - MODERNA

1. INTRODUÇÃO


Muito se tem escrito sobre o ensino de direito no Brasil. Nos últimos anos ante a proliferação de cursos jurídicos, seguindo os ditames ordenados pela "lógica global do mercado", o movimento crescente de faculdades de direito e até mesmo de cursos ditos superiores de curta duração, os chamados seqüenciais com um formato jurídico, atesta a realidade imposta pelas relações econômicas de mercado, fomentando-se um quadro de "mercantilização do ensino jurídico", atrelada na maioria das vezes à questionável qualidade dos padrões de ensino apresentados pelos referidos cursos, o que tem levado boa parte dos autores do tema a dizer da existência de um quadro de crise do ensino de direito em nosso país. Neste texto, serão comunicadas diversas referências bibliográficas, reputadas importantes para justificar relações ideológicas, e suas vinculações com o Direito e seu ensino no Brasil.

Neste trabalho serão levantadas algumas proposições, com o fito de conhecer um pouco da natureza e evolução das estruturas do ensino jurídico desde o Brasil Colônia, onde o fenômeno do "bacharelismo" plasmou suas raízes atreladas às atividades políticas e literárias, atravessando o período imperial e republicano visceralmente impregnado e relacionado ao liberalismo político e econômico, proporcionando obviamente, além das referidas interações, possíveis influências de natureza política e educacional em nossa sociedade. Por último de alguma forma serão esboçadas neste artigo, algumas questões relativas aos nossos dias, sobre o ensino jurídico ainda associado aos padrões positivistas, apresentando defasagens e descompassos, numa sociedade em flagrante momento de transição e crise estrutural típica da chamada pós-modernidade.






2. NOTA HISTÓRICA


No nosso entender representa grave equivoco iniciar os apontamentos históricos a cerca da formação jurídica brasileira no chamado período colonial, até mesmo pela inexistência de tal formação, ao menos, do ponto vista formal, vez que a formação era realizada na Universidade de Coimbra, em Portugal. Por tal razão, iniciaremos as notas históricas apresentando curtíssima digressão da evolução do ensino jurídico de forma geral, até adentrarmos no momento brasileiro em especial, intimamente conectado com o modelo europeu.

Tomamos como porto de partida, a argumentação levada adiante pelo professor João Ribeiro Jr. (RIBEIRO, 2001), da ênfase notoriamente concebida ao valor do conhecimento das leis e das da jurisprudência como elementos justificadores e legitimadores da tradição jurídica, ao revés de um maior conhecimento da realidade social que nos rodeia. É curioso notar, corroborando com a assertiva do citado mestre, a avidez pelo conhecimento por assim dizer, direto das "fontes legais", dos acadêmicos de direito, mormente aos iniciantes, em contraposição ao interesse com os chamados saberes dos propostos pelas ciências afins, como a sociologia, filosofia, economia, etc., inobstante, sua imensa contribuição interdisciplinar, e do próprio entendimento do direito.

Assim citando o referido mestre (RIBEIRO, 2001):

"Até hoje vemos que tem mais valor conhecer as leis sancionadas pelo poder público e pela jurisprudência dos tribunais – que servem para regulamentar e legitimar os interesses de toda uma tradição jurídica –, do que conhecer a realidade sócio-econômica em que se vive. E com isso não se conhece (ou não se quer conhecer) a emergência e a existência de um 'novo' Direito fora das normas positivas, que se assenta em pressupostos que se baseiam nas condições históricas e nas práticas cotidianas emergentes. O conhecimento reproduzido do Direito sempre foi desconectado da realidade social, na qual vai ser atualizado".

As palavras do professor Ribeiro, são de uma conotação lógico-dedutiva muito clara. Sendo o Direito, um aspecto da realidade sociopolítico-econômica, e sendo a mesma dialética por natureza, reflete em seu interior e exterior, crises periódicas, e de igual modo, o chamado mundo do direito, do qual, o ensino jurídico está imerso.

Dada a velocidade das transformações do mundo atual, o direito nas mais das vezes, parece não acompanhar e não apresentar soluções, mormente na sua componente do ensino, à dinâmica de tais mudanças. Daí os autores afirmarem encontrar-se o ensino do direito numa "encruzilhada" entre o passado justificador de institutos e realidades sociais, comprometidas até com interesses parciais atrelados a segmentos classistas, e o presente desafiador plasmado na construção e reconstrução da realidade social em constante mutação.

Neste descompasso, o artífice do direito, padece de uma formação quase que unicamente dogmática e normativa, pautada numa ênfase legalista, que o afasta cada vez mais da realidade existente. Tal afastamento, o conduz muitas vezes a situações apartadas de sua premissa teleológica ideal, que a é a construção da justiça, quando de suas decisões se mostram díspares dos interesses e valorações do conjunto da sociedade.

Em função das razões acima descritas, entre outras que fogem ao sentido deste texto, alguns doutrinadores justifica ser necessária uma nova construção de parâmetros para o conhecimento jurídico, num contexto diverso dos paradigmas positivistas ou neopositivistas tradicionais. Por entender que o Direito é essencialmente e exclusivamente um fator humano, portanto, seu ensino não deve ser "coisificado", mas aprofundamento humanisticamente.

Um dos defensores desta construção do conhecimento jurídico sob novos princípios de conexão com a realidade social, é o mestre paulista acima citado, servindo-se do eminente Roberto Lyra, aos quais nos utilizamos para apresentar sinteticamente a evolução do ensino jurídico em três momentos:

"Podemos sintetizar o ensino jurídico em três grandes épocas: a primeira vai dos primórdios dos grandes grupos humanos estáveis até as leis escritas". Aprendia-se o Direito pela imitação dos lideres, que 'ensinavam' o Direito ao fazê-lo obedecido. A segunda fase foi a dos textos jurídicos e a tentativa de racionalizá-los; de imaginar uma ciência do Direito; já com o lastro deixado pela filosofia do Direito. E a terceira, em que ainda vivemos, quando o ensino jurídico, com seu caráter pragmático apegado ao Direito positivo e à jurisprudência, constrói uma ciência do Direito, a ser resumida em um curso jurídico, no qual, 'os juristas, duma forma geral, estão atrasados de um século, na teoria e na prática da interpretação, e ainda pensam que um texto a interpretar é um documento unívoco, dentro de um sistema autônomo (o ordenamento jurídico dito pleno e hermético) e que só cabe determinar-lhe o sentido exato, seja pelo desentranhamento dos conceitos, seja pela busca da finalidade – isto é, acertando o que se diz ou para que diz a norma abordada. Isto é ignorar totalmente que o discurso da norma, tanto quanto o discurso do interprete, e do aplicador, estão inseridos num contexto que os condiciona que abrem feixes de função plurívoca e proporcionam culturas diversas (...). O precedente interpretativo é material criativo, não simplesmente verificativo e substancialmente vinculado a um só modelo supostamente ínsito na dicção da lei'(Lyra Filho.1984, pp.18-19).

Assim, na evolução do ensino do Direito, temos na antiguidade, o jurisconsulto Coruncânio, o primeiro a professar publicamente o Direito; os outros jurisconsultos tratavam de estudar o Direito sem publicidade e, antes, mais respondiam a consulentes do ensinavam (cf. Correia e Sciascia 1957, p. 411).

Esse Tibério Coruncânio deve ter vivido após a Lei das doze tábuas, criada por volta de 450 a.C., e antes das Guerras Púnicas (250 a 150 a.C. Platão e Aristóteles, que viveram, respectivamente, de 427 a 347 a.C., e de 384 a 322 a.C., devem ter sido seus contemporâneos. Assim, enquanto Atenas se indagava o que é justiça; em Roma já se ensinavam as leis.(RIBEIRO, 2001)"

Os eruditos apontam no legado romano do Direito, seu alto grau de pragmaticidade, e por ser efetivamente o primeiro povo na antiguidade a afetivamente separar o Direito do aspecto religioso. Então, com pragmatismo e objetividade os romanos discutiam leis e normas, de diversas fontes ao longo do tempo, já desde o período da república romana, enquanto os gregos por outro lado, procuravam entender o Direito e suas características, como algo intrínseco á dimensão filosófica.

Podemos então afirmar que antes de Coruncânio, o Direito em Roma, assumindo conteúdo prático, inerente à natureza dos romanos, era apreendido com o contato direto com os operadores do direito, como os pretores, tribunos, e jurisconsultos. Séculos mais tarde, por ordem do Imperador Justiniano, jurista em comissão liderada por Triboniano, realizaram uma obra monumental, a codificação das principais normas produzidas e compiladas no mundo romano, o Corpus Iuris Civilis; obra basilar que influenciou a elaboração de numerosas codificações contemporâneas em pleno século XX, dentre as quais, nosso anterior Código Civil de 1916, obra que deve muito ao gênio de Clóvis Beviláqua.

No medievo, o direito romano se junta às normas dos povos germânicos, e sofre enorme influência da Igreja Cristã, é o direito Canônico, bem como seu ensino, nas escolas monacais, que precederão as primeiras Universidades. A universidade de Bolonha, que foi fundada em 1158, em plena Idade Média, foi considerada a primeira faculdade de Direito, extremamente vinculada à Igreja Católica e regrada por suas diretrizes. Outras Universidades surgem em seguida, dentre as quais, Salermo, Paris, Pádua, Nápoles, Salamanca, e em Portugal, Coimbra, a qual influenciará e formará os futuros Bacharéis que ativamente participaram da vida política e jurídica do Brasil Colônia.

Nota de destaque em relação às Universidades medievais, e seu ensino jurídico, muito atrelado à Igreja e sob forte influência da mesma, já na chamada Baixa Idade Média, como nos conta Ribeiro, não reagiram contra os processos e as sentenças exaradas pela Inquisição. Homens como Miguel Servet, Giordano Bruno, e Lucílio Vanini, foram condenados á fogueira, sendo este último, mutilado tendo a língua sido decepada. Fato ainda mais grave, a própria Universidade de Paris, em 1431, foi incumbida de organizar, processar, e condenar Joana D'Arc. Sendo estes alguns exemplos que demonstram a falta completa de autonomia das Universidades medievais.

Grandes transformações nos séculos posteriores prenunciam o retorno da universidade, como instituição promotora do saber. No limiar do século XVII, na Inglaterra, eminentes homens contribuíram para a evolução do pensamento humano, como Hobbes, Newton, Hume, Bentam, contribuem para a entrada e projeção do individualismo e o liberalismo; Adam Smith faz a ponte entre o liberalismo político e o liberalismo econômico. O capitalismo assume o controle como modo de produção a derrocar os resquícios da ordem feudal, e a universidade tenta acompanhar os ventos da chamada "onda da ilustração", contudo, muitos desses insignes pensadores estão fora dos círculos universitários, demonstrando a incapacidade de acompanhar as transformações estruturais que se delineiam à época. A nova ordem mundial política e econômica vai tomando corpo no mundo ocidental.

O sistema capitalista passa a incorporar no âmbito das relações de produção, o cabedal de conhecimentos embasadores de suas atividades econômicas do mundo real. A classe burguesa apropria-se dos ensinamentos propostos por Adam Smith, aquele que no dizer de Fábio Nusdeo (NUSDEO, 2000) "fezaponteentreoliberalismopolíticoeoliberalismoeconômico (grifo meu)".

A ausência do lócus universitário de tantos pensadores e homens que revolucionariam a ciência a partir do século XVII são verificados, já desde a renascença, dentre os quais só para citar (RIBEIRO. 2001):

"Da mesma forma que não estavam na universidade os grandes nomes da Renascença (Da Vinci, Michelangelo, Petrarca, Dante, Copérnico, Galileu, que teve muitas dificuldades com os professores universitários), também não a acompanharam os inventores do século XX(Ford, Edson, Bell, como Watt antes deles), que não tinham espaço em uma universidade que já era científica, mas que não conseguia ser inventiva. Nem Karl Marx nem Freud foram muito bem aceitos na universidade de seu tempo. Einstein foi um acadêmico somente depois de ter produzido suas grandes obras."

No século XIX, no mundo da política e do Direito, logicamente sob influência do viés econômico, Napoleão Bonaparte, inicia o que seria conhecido no ocidente como a codificação do direito privado, e, portanto uma das bases jurídicas do sistema de mercado, sanciona o Código Napoleônico, mais tarde conhecido como Código Civil, norma jurídica influenciadora dos códigos de Direito Privado liberais; livro texto de uso obrigatório nas Faculdades de Direito.

E novamente recorrendo ao professor Ribeiro, á guisa de conclusão para este tópico citamos:

"Em suma, sempre se estudou pragmaticamente o Direito, mesmo depois que se firmou uma ciência do Direito, com princípios e conceitos bem definíveis, produzidos pelas fontes formais estatais".

As nossas tradicionais Faculdades de Direito de São Paulo e de Recife filiam-se diretamente à Faculdade de Coimbra, que, por sua vez, modelou-se pela de Bolonha. E foi dessas duas faculdades que se originaram outras por todo o Brasil, sempre o paradigma positivista da ciência do Direito e de seu método lógico-formal, que serve apenas para aprender o dever-ser, produzindo, dessa forma, uma visão unidimensional do real e transformando o ensino do direito em mera descrição e exegese do Direito Positivo em vigor (...).

Ontem como hoje, o ensino do Direito nada mais fez do que acumular informações. É um simplificador da realidade. É caracterizado pela transmissão da cultura jurídica positiva, cujo tradicional processo didático-pedagógico é muito simples – dir-se-ia até inexistente -, e que consiste na arte da exposição: nada mais do que de uma forma de oratória, na qual a metodologia de ensino predominante é a aula expositiva e o código comentado (grifo meu)."

Chega a ser realmente incrível, que, ao adentrarmos no terceiro milênio, transcorridos tantos séculos, e na pior das hipóteses, pelo menos, há quase duzentos anos, essas práticas metodológicas, inobstante tantas críticas surgidas, principalmente ao longo do século XX, não tenham "ecoado" no meio acadêmico, ou ao menos, tomado corpo suficiente para promover uma ruptura mais radical com este modelo de ensino, arcaico e obsoleto, que se reproduz e retroalimenta-se nas atividades corriqueiras do dia a dia do mundo prático e formal do Direito.

Poderá parecer exagero e enfadonho, mas não é esta a intenção, e, portanto, coerentemente no século passado, Roberto Lyra Filho, já afirmava (1981a, p. 28):

"(...) enquanto a doutrina predominante se confinar no positivismo, enquanto os advogados virem a si mesmos como fiéis 'homens das leis', enquanto o ensino jurídico for mera navegação de cabotagem ao longo dos códigos, estaremos paralisando, amesquinhando, reduzindo o Direito e o jurista às funções subalternas de arquivo e moço de recados dos interesses classistas e do voluntarismo estatal".

No limiar do século XXI, ante os avanços da chamada terceira revolução; técnica e científica, a sociedade mundial, em específico, a sociedade brasileira, ainda mantém em seus centros de formação superior, a produção e reprodução de metodologias de ensino do Direito, e da formação dos artífices jurídicos, como as expostas acima. Numa era de transformações e incertezas, típicas do momento pós-moderno, no dizer de Marshal Berman, "tudo que é sólido se desmancha no ar", utilizemos ainda como paradigma primordial do ensino de Direito, o positivismo jurídico.

É tão complexa a questão do ensino e sua ruptura com os paradigmas modernos, seja em qualquer âmbito, ou setor do conhecimento, que nos valemos agora em definitivo para encerrar este breve tópico, nas palavras do grande filósofo e pensador dos nossos dias, Edgar Morin, o qual encerra sua obra: Educação e Complexidade: 'os sete saberes e outros ensaios', apropriada em razão de tudo que foi dito até agora, e de forma contundente citamos (MORIN. 2005):

"Se, em algum lugar, se tivesse a audácia de começar a fazer uma reforma do ensino, fundada nesses núcleos de conhecimentos, talvez algumas esperanças pudessem existir. Creio que esta reforma requer um pensamento que religue, um pensamento complexo, pois não se pode reformar o sistema de educação sem, previamente ter reformado os espíritos e vice-versa. 'Quem educará os educadores'?, a grande pergunta feita por Marx em A Ideologia Alemã, ainda se encontra sem resposta. Seria necessário que eles se educassem a si próprios, embora não tenham muita vontade de fazê-lo. Seria necessário, também, que identificassem as necessidades existentes na sociedade. Esperemos que as circunstâncias façam amadurecer estes problemas e que talvez, assistamos a uma possibilidade de regeneração."

Doravante serão abordadas de forma sucinta, as características de natureza ideológica, "os credos", que, promoveram uma maior aceitação do liberalismo político e econômico, e suas aproximações com o fenômeno jurídico, na sociedade do século XVIII na afirmação do Capitalismo.


3. A CONSAGRAÇÃO DO LIBERALISMO CLÁSSICO E SEUS CREDOS IDEOLÓGICOS.


O mundo nos séculos XVIII e XIX colocou na ordem do dia o fenômeno da industrialização, e com ela a visão individualista inscrita no liberalismo clássico, o qual se tornou a matriz ideológica dominante do capitalismo.


3.1 O CREDO PSICOLÓGICO.

A natureza humana passou a ser estuda de modo a vir compor o que no dizer de muitos historiadores do pensamento econômico passou a ser considerado um "credo psicológico" defendido pelos ideólogos do liberalismo clássico, e assentado em quatro pressupostos basilares, a saber, o egoísmo, a frieza, inércia e o atomismo (HUNT & SHERMAN, 1988):

"(...)todo homem é egoísta, frio e calculista, essencialmente inerte e atomista". A tese sobre o egoísmo defendida por Hobbes forneceu as bases desta concepção. Os filósofos posteriores, sobretudo Jeremy Bentham, matizaram-na com as cores do hedonismo psicológico, sustentando que todas as ações são motivadas pelo desejo de obter prazer e evitar a dor.

'A natureza, escreveu Bentham, submeteu o gênero humano ao domínio de duas autoridades soberanas: a dor e o prazer... Somos por elas governados em tudo o que fazemos, em tudo o que dizemos, em tudo o que pensamos'. Os prazeres diferem apenas quanto à intensidade, não há diferenças de qualidade: ' sendo idêntica a quantidade de prazer, tanto faz jogar boliche como fazer poesia'. A teoria de que as motivações humanas são essencialmente egoístas foi endossada por muitos pensadores eminentes desse período, entre os quais John Locke, Bernard Mandeville, David Hartley, Abraham Tucker e Adam Smith.

Os ideólogos defensores do liberalismo clássico acreditavam que o ser humano, utiliza-se do seu potencial intelectual de forma bastante significativa. Inobtante suas motivações para agir, fossem oriundas do sentimento de dor ou do prazer, sendo suas decisões são pautadas pela razão e avaliação fria e desprovida de paixão nas situações da vida. Seria para os mesmos, a razão o atributo intelectual por excelência, que ditaria as alternativas a serem tomadas pelos indivíduos, objetivando o máximo de prazer ante mínimo de dor.

O entendimento de que os seres humanos são essencialmente inertes, decorre da noção já descrita de que eles buscam o prazer e rejeitam a dor como suas únicas motivações. Uma das conseqüências práticas dessa doutrina, foi a crença estabelecida à época, de que os trabalhadores eram incuravelmente preguiçosos, mas os 'homens de posição superior' eram motivados pela ambição. Obviamente estavam caracterizadas aí as diferenciações em categorias diversas na sociedade, revelando a marca elitista intrínseca do individualismo nas doutrinas liberais.

Outra característica marcante deste modelo elitista liberal estava presente no atomismo, pressuposto que afirmava ser o indivíduo, uma realidade mais importante e, portanto, prioritária que o coletivo, ou o grupo social.

Ao afirmarmos anteriormente, que Adam Smith, após a publicação de A Riqueza das Nações, em 1776, promoveu uma verdadeira síntese entre o nível político e econômico das idéias de vanguarda em seu tempo; ou no dizer de Nusdeo: "a ponte entre o liberalismo político e o liberalismo econômico, tornando-se o pensador liberal clássico nos domínios da economia, e possibilitando a mesma, adquirir seu caráter autônomo enquanto ciência, livre das amarras filosofias e teológicas, obviamente, assim nos manifestam, em função da visão de Smith, ser a mesma, ou muito aproximada dos pensadores acima citados. Esta visão individualista era também compartilhada por David Hume, amigo de Smith, e grande incentivador para que publicasse seu opúsculo, A Riqueza das Nações. Foi igualmente autor de: A Teoria dos Sentimentos Morais.

Numa passagem de A Riqueza das Nações, com maestria Smith coloca as questões do individualismo, onde todo ser humano é levado a agir pelo desejo de uma recompensa. Para ele, assim como outros pensadores, este impulso é inato; está inscrito na natureza do homem. É uma justificação do que chama de a teoria da "mão invisível", uma consideração das leis do mercado, voltadas para justificação do liberalismo econômico:

"não é da bondade do açougueiro ou do padeiro que podemos esperar nosso jantar, mas do seu interesse. Nós nos dirigimos não a seu espírito humanitário mas ao seu interesse e nunca lhe falamos de nossas necessidades e sim de suas vantagens (HEILBRONER,1981)."

3.2 O CREDO ECONÔMICO


Um dos princípios basilares do liberalismo clássico assentava-se em que os homens, principalmente aqueles dedicados aos negócios, deveriam dispor de liberdade para executar seus desejos ou impulsos egoístas, o que significava suprimir os mecanismos de controle impostos principalmente pelo Estado, de forma coercitiva, em seus regramentos mercantilistas. Afirmavam então que a competição era benéfica tanto para os indivíduos, quanto para a sociedade. O próprio Smith assim enunciou:

"todo indivíduo... esforça-se continuamente para encontrar o emprego mais vantajoso para o capital, seja ele qual for, que estiver sob seu comando (HEILBRONER, 1981)."

Fica claro que, os produtores dos mais variados bens devem concorrer no mercado na disputa pela renda dos consumidores. Seu interesse próprio, o levará a busca da melhoria de qualidade de seus produtos. E desta forma oferecendo melhor qualidade, conquistará mais consumidores, podendo também aumentar seus lucros ao reduzir seus custos de produção. Estão apresentados de forma reduzida alguns parâmetros, do que mais tarde no mundo dos negócios, hodiernamente se traduz no objetivo das empresas e dos indivíduos; a maximização dos lucros e a minimização dos custos.

A crença econômica, segundo os clássicos, sobre a liberdade do mercado apontada por Hunt & Sherman expondo a teoria de Smith, deveria assentar-se na existência da atomização dos agentes econômicos do mercado controlados por leis naturais, tendo o Estado como um "mal necessário", o qual deveria abster-se de quaisquer intromissões desnecessárias nas leis, ditas "naturais" do mercado. Segundo os autores retro mencionados:

"... A milagrosa instituição social que tornaria possível o quadro concebido acima era um mercado livre de toda e qualquer restrição, o livre jogo das forças da oferta e da procura (Lei de Say). O mercado agiria segundo Adam Smith, como uma 'mão invisível', canalizando as motivações egoístas e interesseiras dos homens para atividades mutuamente complementares que promoveriam de forma harmoniosa o bem-estar de toda a sociedade. O funcionamento desses mecanismos implicava a supressão das regras, orientações e restrições de cunho paternalistas, e nisso residia o seu maior encanto (parênteses e grifo meu)."

A prática dessas ações no dizer de Smith, em regra geral, "conduziria ao melhor dos mundos". Destarte todo este otimismo apregoado por Smith e seguidores como Ricardo e Stuart Mill, não foram levadas em consideração, ou aprofundadas a discussão sobre o custo social e o quadro de miséria da classe trabalhadora gestada pela expansão econômica na Revolução Industrial. Embora Smith reconhecesse no fator de produção trabalho e sua divisão social, uma das razões da riqueza das nações, não se constituíram preocupação desses autores discernirem sobre o quadro socialconturbado de sua época.

3.3 O CREDO POLÍTICO.


Para os Clássicos o Estado ou o governo era considerado do ponto de vista econômico, um mal necessário. Não condenavam nenhum governo em particular, mas sim os governos em geral. Para tais autores, deveriam ser rejeitadas todas as políticas de cunho mercantilista, e paternalista que viessem a promover intervenção no domínio econômico. Smith relacionava três funções básicas para o Estado nos moldes absenteístas do que ele concebia como intromissão nas leis do mercado em A Riqueza das Nações:

1ª) Proteger o país contra invasões estrangeiras;

2ª) Proteger os cidadãos contra "injustiças" cometidas por outros cidadãos;

3ª) O dever de erigir e manter as instituições e obras públicas.

Os liberais clássicos passaram a interpretar a teoria de Smith para as funções do governo, endossando seus atos de cunho paternalista a favor dos interesses dos capitalistas. Era a chamada doutrina do laissez-faire, que foi proposta por intelectuais como Smith, passando para o domínio e a apropriação de interesses dos homens de negócios, industriais, agora na condição de legítimos porta-vozes.

Ante as colocações dos chamados credos citados, em essência que interesses e medidas passaram a ser tomadas em função destes pressupostos teóricos e funções atribuídas ao Estado? Uma resposta básica passou a representar o cerne dos interesses da classe burguesa, proteger a propriedade privada, sobretudo a propriedade de fábricas e equipamentos, é efetivamente garantir a defesa dos direitos daqueles que são os donos dos bens, meios e modos de produção, a saber, os capitalistas. Por serem os proprietários dos meios de produção, os capitalistas detinham o poder político e econômico. Delegar ao governo a atribuição de proteger as relações de produção representava atribuir-lhe a missão de defender a origem do poder dos capitalistas como classe política e econômica dominante.

Esta defesa dos direitos de propriedade, bem como, zelar pelo bom cumprimento dos contratos, era essencial para o futuro e bom desempenho do capitalismo. Todos estes direitos a cargo do Estado, deveriam ser elaborados, em defesa dos interesses de classe. Do ponto de vista prático e real, encontravam-se inscritos nos contratos, a divisão do trabalho, organização e coordenação da produção, bem como os investimentos vultuosíssimos de capital nos empreendimentos comerciais, requeria mecanismos de segurança para os capitalistas do bom cumprimento dos contratos, incompatíveis com a estrutura feudal e mercantilista anteriormente existente. Eis aí um ponto de ruptura do paradigma econômico contido nas políticas mercantilistas, colocando o Estado com atribuições a serviço do capital. Idêntico raciocínio passa a ser encargo do governo na preservação da ordem interna e da construção de empreendimentos públicos.

Como efetivar tão portentosas atribuições ao Estado numa nova ordem político-econômica? A resposta está na construção gradual de uma base jurídica justificadora do chamado estado liberal.

Os doutrinadores do Direito Econômico, dentre os quais Fábio Nusdeo(NUSDEO, 2000) denomina o conjunto, ou etapas de formação das estruturas jurídicas do sistema de mercado de "Fundamentos Jurídicos do Sistema de Autonomia ou de Mercado". Esses fundamentos, segundo o referido autor, estavam assentados no movimento constitucionalista, do qual integravam as chamadas Constituições clássicas ou liberais, destacando a Constituição Americana e a Francesa; A codificação do Direito Privado, representados pelos códigos Civil e Comercial Francês, de 1804 e 1807 respectivamente, e o chamado Poder de Polícia inerente ao Estado, no afã de garantir o status quo vigente e as instituições relevantes á preservação da ordem capitalista (grifo nosso).

Nusdeo buscando referências em Max Weber, apresenta comentário bastante interessante sobre a tentativa de aplicação das normas jurídicas elaboradas para dar sustentação ao modelo econômico liberal e seu descompasso diante do quadro real de crise sócio-econômica e política, do século XIX, em meio à aplicação do que ele chama de 'figurino liberal'(políticas econômicas liberais), desta forma o autor manifesta-se (NUSDEO, 2000):

"("...) As falhas e imperfeições do mercado foram se positivando ao longo de cerca de 150 anos em que se tentou ou se imaginou poder operacionalizá-lo (O Mercado) com base naquela estrutura institucional relativamente simples ou até simplória, assentada no tripé: Constituição, códigos de Direito privado e poder de polícia. Tripé sem dúvida portentoso pela dedutibilidade, lógica e racionalidade com que forneceu a forma e as garantias legais para captar e disciplinar todo emaranhado das relações econômicas internas e mesmo internacionais, mas incapaz de lidar com a vida econômica real em toda a sua complexidade. Foi a época em que no dizer de Max Weber, a lei apresentava uma racionalidade puramente formal, não lhe interessando as condições pessoais ou sociais dos por ela abrangidos, nem a maior ou menor desejabilidade dos resultados das relações estabelecidas sob sua égide.

No entanto, 150 anos de aplicação ou tentativa de aplicação do chamado figurino liberal produziu um quadro política e socialmente conturbado, muito embora o progresso e o desenvolvimento da tecnologia e da atividade econômica em si tivessem sido notáveis (parênteses e grifo meu).".

Nas palavras de Nusdeo; um mestre experiente e conhecedor que transita com fluência e profundidade pelo Direito e Economia, captamos questões "pungentes e viscerais", de âmbito interdisciplinar. As relações entre Direito, Estado e Economia, passam a ser também apreciadas e valoradas em perspectiva objetiva, portanto, utilíssimas ao estudo e objetivos deste trabalho, tendo em vista terem proporcionado a erupção; o desvelamento das sub-reptícias e "delicadas interações" entre as ocupações dos operadores do Direito e de seu ensino, no contexto liberal(funções dos Bacharéis). Se tomarmos por base, o lapso temporal compreendido entre os séculos XVIII, XIX e XX, numa conjuntura sócio-econômica de base capitalista, encontraremos a atuação de grandes juristas na leitura, exegese, interpretação e aplicação do Direito, como instrumento justificador das relações de produção, e sua interface jurídico-econômica na qualidade de aparelho ideológico indispensável aos interesses do grande capital.


4. BREVE ESBOÇO HISTÓRICO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL. A INFLUÊNCIA DO BACHARELISMO.


Esboçar considerações históricas sobre o ensino jurídico no Brasil, requer antecipadamente enquadrá-lo na própria história da educação brasileira, desde o período colonial até nossos dias. Como tal mister foge aos objetivos deste ensaio, por razões diretamente focadas no fenômeno do bacharelismo, omitiremos maiores comentários sobre a educação no período colonial, enaltecendo obviamente jesuítica, na colônia, embora alguns historiadores usem a expressão, "abandono intelectual" para a situação do ensino no contexto do período da expansão colonial absolutista. Neste período a formação das elites locais está voltada para além mar, na Universidade de Coimbra, em função dos interesses lusitanos, atrelados ao pacto colonial.

Os primeiros cursos jurídicos no Brasil surgem apenas no século XIX. Até então, desde o período colonial, os operadores do Direito a exercerem suas atribuições e funções no Brasil, não foram aqui formados, mas sim em grande parte em Portugal, mais precisamente na Universidade de Coimbra na metrópole, aquela em que já mencionamos, trazia em sua formação, grande influência da Universidade de Bolonha, a mais antiga de todas.

Alberto Venâncio Filho, citado por André Luís Lopes dos Santos (SANTOS, 2002) enfatiza o desinteresse da metrópole portuguesa em não implantar na colônia brasileira cursos superiores nas seguintes palavras:

"[...] o propósito de impedir a criação de cursos superiores no Brasil era uma manifestação consciente da Metrópole, temendo por aí que atingisse a Colônia, um processo mais rápido de emancipação. Quando as Câmaras Municipais de Minas Gerais se propuseram a criar um centro de formação de médicos, opinou contrariamente o Conselho Ultramarino, em documento que é básico para a compreensão da política cultural portuguesa: 'que poderia ser questão política se convinham essas aulas de artes e ciências em colônias [...] que podia relaxar a dependência que as colônias deveriam ter do Reino; que os mais fortes vínculos que sustentavam a dependência de nossas colônias eram a necessidade de vir estudar a Portugal: que esse vínculo não se deveria relaxar [...] que (o precedente) poderia, talvez, com alguma conjuntura para o futuro, facilitar o estabelecimento de alguma aula de jurisprudência até chegar ao ponto de cortarem esse vínculo de dependência'. Verifica-se assim que para a Metrópole o curso jurídico era um sinal de autonomia intelectual, e assim como foi proibida no Distrito Diamantino a presença de advogados, desejava-se também, pela ausência de aulas de Direito, evitar a formação dos filhos da Colônia, como instrumento de emancipação nacional".

É a própria história brasileira que nos oferta a compreensão da importância política do ensino superior no processo de emancipação do Brasil. O movimento separatista intitulado de Inconfidência mineira é exemplo inconteste dessa assertiva. Grande parcela dos integrantes do referido movimento, tivera sua formação superior em Portugal, e lá travaram contato com as idéias básicas do movimento iluminista, embasando seus ideais republicanos de emancipação política da Colônia brasileira.

Essa preocupação das autoridades da metrópole em não permitir a instalação de cursos superiores no Brasil, perdura como estratégia ideológica durante todo o período colonial, sendo apenas parcialmente revista em função do episódio histórico da vinda da família real para o Brasil em 1808. A preocupação das autoridades lusitanas em instalar toda a sua burocracia, dá início a um avanço na questão do ensino superior, com a instalação das faculdades de Medicina, na Bahia, e a formação dos Militares, com a inauguração da cadeira de Artes Militares no Rio de Janeiro.

A viagem da corte portuguesa para o Brasil, realizada em condições extremas, em função da invasão francesa a Portugal, no período napoleônico, não despertou de início a necessidade de formação dos quadros para ocupação dos cargos e funções do Estado Lusitano, desempenhada pelos bacharéis, pois era parte da estratégia portuguesa não fornecer a estrutura de ensino na colônia, deixando a cargo da formação na Universidade de Coimbra, principalmente dos já formados, como uma opção de controle e policiamento ideológico sobre a colônia. Citamos trecho de proposital artigo elaborado pelo Professor José Wanderley Kozima, e intitulado: Instituições, retórica e o bacharelismo no Brasil. O texto enaltece o fato registrado pela historiografia brasileira, demonstrando ser uma atitude deliberada do Estado português em omitir na colônia a instalação de cursos jurídicos, na consideração de Jacobine Lacombe, referenciado por Sérgio Buarque de Holanda; um dos maiores nomes da historiografia pátria (WOLKMER, 2004):

"A formação de juristas não era urgente. A Universidade de Coimbra forneceu-nos bacharéis em Direito em número suficiente (...). A relação de nossos estadistas, magistrados e professores é toda de bacharéis de Coimbra. Todo o Brasil político e intelectual foi formado em Coimbra, único centro de formação do mundo português. Era um ponto básico da orientação da Metrópole essa formação centralizada."

Arremata, o citado mestre catarinense Kozima sobre o período e sua relevância:

"Assim, a preocupação com o ensino superior resumiu-se à formação militar e às outras áreas consideradas técnicas, a exemplo da engenharia, economia e medicina. Embora se possa dizer que, lato sensu e por extensão, estas últimas áreas tenham produzido bacharéis, no sentido de formação superior, reserva-se o vocábulo para aqueles com formação humanística e, destacadamente, é certo, aos saídos das academias de direito, este o bacharel genuíno, o elemento nuclear do fenômeno conhecido por bacharelismo."

Controvérsias à parte, Kozima estabelece o termo bacharel para o acadêmico formado em Direito, com base nos escritos de Gilberto Freyre, renomado sociólogo pernambucano, o qual se referia a bacharéis e doutores, considerando, de modo geral, os formandos em direito, medicina, filosofia e matemática. Vencida esta etapa, cumpre-nos imergir no momento formal de implantação dos primeiros cursos jurídicos no Brasil, qual seja, o ano de 1827, em Olinda e São Paulo respectivamente, em meio ao recente processo de independência política do país, mais precisamente no primeiro império.

Para não tornar abstrato e desconexo o momento em que surgiram os primeiros cursos jurídicos no Brasil e sua realidade, e tendo por relevo o fenômeno do bacharelismo, convém entabular breves comentários a cerca do contexto político e educacional do ensino de Direito no século XIX.

Recorrendo aos historiadores da educação brasileira, que estão voltando seus olhares novamente para o século XIX, viabilizando um melhor conhecimento sobre o fenômeno educacional em tela, contextualizados ás formas sociais, política e culturais da época. Nesse condão, o ensino jurídico também se insere na referida contextualização e hodiernamente, os historiadores voltaram a acrescer sua ênfase ao conservadorismo em conjunto com a abordagem liberal.

Nas leituras apresentadas pela professora Maria Lúcia Spedo Hilsdorf, em sua obra História da Educação Brasileira, discorrendo sobre A Escola Brasileira no Império, alerta para a necessidade de se entender a organização escolar do Império Brasileiro, se faz necessário refletir sobre quem fez a Independência e ocupou o poder político e econômico, nas décadas de 1820 e 1830.

Sobre o processo de Independência a mestra assim se expressa (HILSDORF, 2003):

"A Independência é moderada porque" foi feita pelo 'partido brasileiro', de linha moderada, cujos integrantes são oriundos da classe senhorial, a 'aristocracia' rural, e exibem a mentalidade pragmática característica da Universidade de Coimbra reformada, freqüentada por muitos deles. A figura exemplar aqui é José Bonifácio: formado em direito e filosofia natural, com especialização em mineralogia, tinha trabalhado para a Coroa portuguesa como pesquisador científico e comissário de minas antes de envolver-se com os movimentos de Independência. Por influência de seu pragmatismo, essa classe senhorial vai aplicar os princípios liberais na defesa de dos seus direitos de posse de terras e escravos. Essa mentalidade ilustrada dos liberais brasileiros e sua origem social rural de agro exportadores esclarecem as diferenças em relação ao liberalismo europeu burguês, comercial e industrial, e os limites da monarquia brasileira: um liberalismo não democrático e uma monarquia unificada e centralizada.

"Dizer que a Independência foi moderada significa dizer, para o historiador J. Honório Rodrigues, que ela foi um movimento contra-revolucionário, que altera a superestrutura político-jurídica do novo país, mas não a infraestrutura econômico-social".

E sobre o turbilhão dos acontecimentos políticos em efervescência pouco tempo depôs da Independência, os quais em meio à agitação das facções políticas, num episódio conhecido como a "noite da agonia", é dissolvida a Assembléia encarregada de elaborar a constituição imperial, enquanto o Imperador, nomeia comissão de juristas para elaborar novo texto mais adequado aos interesses das elites agrárias. E assim nas palavras da mestra (HILSDORF, 2003):

"Dissolvida a Assembléia, foi promulgada a Constituição do Império (25/03/1824)". De orientação liberal, mas não democrática esse documento assegurava direitos civis (de cidadania) aos brasileiros brancos, mas não aos índios e escravos, e direitos políticos (de voto) aos brasileiros brancos que tinham, no mínimo, a renda de 100 mil réis anuais: quem é 'coisa' não tem direitos, quem é 'povo' ou 'plebe' tem direitos civis e políticos diferenciados, proporcionais à renda. (...) Assim, é uma lei liberal moderada que constitui como povo brasileiro a classe senhorial, resguardando os seus direitos segundo a ótica da preservação da ordem estabelecida. Que ordem? A ordem social escravagista e a ordem política liberal-constitucionalista.

"Essa constituição promete ensino primário gratuito para todos e ensino das ciências e das artes em colégios e universidades (art. 179, parágrafos 32 e 33), porém, sem outras garantias de sua efetivação, que deveria ser regulada pela legislação ordinária".

Sobre esta legislatura, pós outorga do texto constitucional de 1824, tipicamente burguês, mas nitidamente conservador, poucos anos mais tarde, com o fito de formar integrantes das elites preparados para o exercício de cargos da burocracia estatal, e do poder político a serviço dos interesses das elites brasileiras, foram enfim criados os primeiros cursos jurídicos do Brasil, para dar vazão e formação aos bacharéis, tão úteis às estruturas político-jurídicas de seu tempo.

Assim narra a professora com maestria (HILSDORF, 2003.p.45):

"Essa primeira legislatura instala também, em 1827, as Academias de Direito de Olinda e de São Paulo, instituindo-as como formadoras da classe senhorial, daquele povo que irá manter a ordem do e no Império. Segundo a análise de Leonardo Trevisan, essas escolas jurídicas servem para manter a monarquia centralizada, diante das pressões centrífugas por uma organização mais descentralizada que atendesse aos interesses das populações locais. Para ocupar a primeira cadeira da Academia de São Paulo, a de Direito Natural, na qual se ensina a visão da lei que seria sustentada ao longo do curso, o governo contrata Avelar Brotero, um liberal que escreve textos dizendo que a função da lei é estabelecer as regras mínimas de convivência social, é manter a ordem definida como tal na Constituição de 1824. Ao ensinar essa concepção no seu curso, Brotero estava ensinando o que o era o liberalismo do Império Brasileiro. Formada nas Academias de Direito, a elite imperial pôde 'construir a ordem', expressão de J. Murilo de Carvalho, ou seja, o Império unificado e centralizado, pois os acadêmicos tornavam-se também escritores, jornalistas, professores, magistrados e políticos que ascendiam aos cargos políticos e administrativos, educando, assim, toda a sociedade para a ordem hierárquica e conservadora. Isso significa dizer que o liberalismo moderado funcionava para os socialmente iguais, tais como eram definidos pela Constituição. A classe senhorial e proprietária aplica-se à defesa dos seus próprios direitos, constituindo-se como 'povo' brasileiro pelas estratégias da educação e da cultura, ainda que pelos seus traços mentais pragmáticos e filantrópicos fosse ativa e reivindicadora em assistir e educar também a 'plebe'".

Mas o que veio a ser o fenômeno do bacharelismo? Segundo Kozima, anteriormente citado (WOLKMER, 2004. p.364):

"Entende-se por bacharelismo a situação caracterizada pela predominância de bacharéis na vida política e cultural do país. (...) Historicamente, é uma espécie de fenômeno político-social que entre nós deita raízes em Portugal, tendo sido significativa a participação de juristas nos Conselhos da Coroa desde os primeiros passos da estruturação do Estado português. Obra de juristas foi a justificação da posse do trono ao mestre de Avis, cabendo também a eles delimitar as fronteiras entre os bens do príncipe e a coisa pública com fonte no direito romano".

O insigne Gilberto Freyre eminente sociólogo, é também referenciado pelo mestre acima citado, ao pronunciar-se sobre o bacharelismo, e sua influência na política imperiais brasileira, fortemente atraídos pelos ideais revolucionários franceses (WOLKMER, 2004. P. 364 e 365):

"A Inconfidência Mineira foi uma revolução de bacharéis, como revoluções de bacharéis – pelo menos de clérigos que eram antes bacharéis de batina do que mesmo padres, alguns educados em Olinda, no seminário liberal de Azeredo Coutinho, 'em todos os principais ramos da literatura própria não só de um eclesiástico, mas também de um cidadão que se propõe a servir ao estado' – foram as duas revoluções pernambucanas, preparadas ainda por homens do século XVIII: a de 1817 e a de 1824."

Acertadamente o sociólogo pernambucano, denomina o Segundo Reinado, o reinado dos bacharéis, em função da consolidação das práticas acima mencionadas, sendo mais uma vez feliz em afirmar a cerca do período, que "ninguém foi mais bacharel nem mais doutor nesse País que Dom Pedro II". Se pensarmos que a figura e o personagem do Imperador era assinalado como um homem amante e cultivador das artes, das letras, da música, da capacidade inventiva, cercado quando ainda menino, de bacharéis moços, os quais, ocupando cargos nos gabinetes do governo, na condução dos negócios do Estado. Assim refletindo, talvez possamos atribuir ao bacharelismo influência notória neste período da Monarquia brasileira, onde sem dúvida, ocorreu uma profusa produção legislativa de grande envergadura, como o Código Criminal, o Código de Processo Criminal, o Código Comercial e o Regulamento 737(Código de Processo Civil e Comercial). Estes diplomas de direito privado circunscritos na esteira do fenômeno da Codificação do Direito Privado, representavam uma das bases jurídicas do liberalismo clássico. Destarte, cumprindo sua função como elaboradores das normas que davam sustentação às relações de produção. Atuavam, portanto, assemelhados aos artífices, ou como operadores das tarefas ideológicas, como protagonistas do aparelho e instrumento coercitivo a serviço do sistema de mercado.

Faz-se, contudo, importante ressaltar que a ascensão do bacharel tipicamente brasileiro, acumulando os lemas e ideais do Iluminismo, a capacidade argumentativa, formação retórica, dentre outras características, não se verificou a conformação, ou melhor, dizendo, o atrelamento real do Estado brasileiro às idéias liberais, como ocorreu na Europa e nos EUA. No caso brasileiro, instituiu-se uma Constituição e normas de cunho liberal, sob o comando de uma casta aristocrática rural senhorial e ainda por cima, de matiz ou natureza conservadora. É, portanto, o caso brasileiro, a verificação da contradição entre o discurso e a prática, não se concretizando pragmaticamente, o modelo abordado por Max Weber, já citado por Nusdeo, da racionalidade puramente formal das normas emanadas do Estado e sua devida conformação. Nas terras "Tupiniquins" implantou-se um liberalismo às avessas; liberal nas normas (superestrutura); conservador nas bases estruturais (infraestrutura). Exemplos na esfera política foi o Poder Moderador presente na Constituição de 1824, e o Parlamentarismo "a moda brasileira" do Segundo Reinado.

Com o fito de atrelar ainda mais os vínculos de classe, a formação, e a área de atuação dos formandos em Direito no Império, aos interesses das elites dominantes, de forma concisa, porém enfática, André Luiz Lopes dos Santos (Santos, 2002. p. 36); sobre as peculiaridades do público discente do Direito à época assim aduz:

"Mais uma peculiaridade a ressaltar: o público alvo das faculdades de Direito, por anos a fio, foi quase que exclusivamente composto pelos filhos das classes mais abastadas do país".

"Até o final do Império, os formandos desses cursos passariam a ocupar não apenas os cargos típicos da magistratura ou da advocacia, mas, principalmente, os cargos políticos e da administração pública, em geral."

"Ordem e Progresso" eis o lábaro que ostentas estendido, como está esculpido num dos principais símbolos da República Federativa do Brasil; qualquer semelhança com a abordagem metodológica positivista, não terá sido mera semelhança. O "trocadilho" de palavras acima descritas faz parte não só da simbologia patriótica, na realidade o período republicano como fase de nossa evolução política inaugura nova etapa liberal, trazendo os ventos do positivismo; instrumental teórico metodológico marcante na história da educação brasileira, e em específico do ensino jurídico.

Na lição de Alberto Venâncio Filho, a República, instalada no Brasil no último quartel do século XIX, em atraso cronológico, em relação às demais nações latino americanas, sofreu forte influência da filosofia positivista, trazendo modificações na concepção do ensino jurídico pátrio. Na linguagem educacional a incorporação dos princípios do positivismo marcou ema etapa de transição deste ensino, a qual, para os historiadores, ficou conhecida como "o federalismo educacional", em razão da expansão dos cursos de direito para todo o país. Os primeiros cursos desta expansão ocorreram em 1891(proclamação republicana) na Bahia e no Rio de Janeiro.

Lembrando Alberto Venâncio (SANTOS, 2002. p. 36 e 37):

"O estabelecimento de novas escolas levou a tendência a um sentimento generalizado de considerar que o aparecimento dessas escolas seria responsável pelo declínio do ensino jurídico [...] esquecendo-se sempre que só é possível estar em decadência aquilo que alguma vez já foi melhor".

O que se depreende da citação acima, é que no Brasil, a discussão sobre a existência de uma de crise do ensino do Direito, não é tão recente quanto se pensava. Observando as entrelinhas do que Alberto Venâncio argumenta, há muito se discute neste país as condições reais e estruturais dos variados modelos de ensino do Direito, e principalmente suas relações com as atividades práticas em sociedade. A preocupação com a realidade e a qualidade da formação jurídica no país, é, pois tema relevante e atual. Neste trabalho, em tópico posterior serão abordadas algumas dessas prementes questões.

No século XX, a sociedade brasileira transforma-se profundamente. Ecoando através do Atlântico, a industrialização reforma e reorganiza a economia, alterando a disposição das classes sociais, introduzindo o que a linguagem burguesa chamou de "A Questão Social", ao que o materialismo histórico-dialético conhece por "Luta de Classes". A concentração de capital e as crises cíclicas do capitalismo proporcionam, guerras, desemprego, miséria e fome. no panorama jurídico, as bases jurídicas do mercado, como legislação atrelada ao Estado liberal, não fornece uma resposta condizente para tais problemas sócio-econômicos. A inexistência de normas disciplinadoras para amparar a questão social, bem como disciplinar regramentos econômicos advindos das estruturas de mercado, agravam a crise política e social.

Estas mudanças alteram também a estrutura política das oligarquias rurais no país. Explode a revolução de 1930. Apartar da Constituição de 1934, a educação é alçada como política pública de importância. Em 1931, a reforma introduzida por Francisco Campos, constitui nova orientação ao ensino pátrio. Nasce uma reforma de cunho universitário, e respectivamente no mesmo ano, por Decreto é criada a Universidade do Rio de Janeiro.

A reforma traz para o ensino jurídico transformações importantes. A formação dos bacharéis é alterada substancialmente, com exclusão das disciplinas que arregimentavam sua base cultural, sendo dada nova orientação para formação dos acadêmicos em Direito num sentido profissionalizante, com maior ênfase nos conhecimentos práticos centrados no instrumental do positivismo (Direito positivo).

A despeito da experiência intentada com a criação da Universidade do Distrito Federal, com uma concepção pautada numa maior abertura para novos ramos do conhecimento humano, contudo, como bem afirma Wander Bastos (SANTOS, 2002.p.38 e 39):

"[...] foi uma experiência frustrada que envolveu pensadores e educadores progressistas, [...], que não conseguiram vencer os padrões clássicos da tradicional formação universitária", pois a universidade "estava sujeita a todas as influências políticas e pressões ideológicas, num dos períodos mais conturbados da história brasileira moderna".

Para o ensino jurídico nesta época recorremos novamente à lição do autor acima mencionado, para enfatizar, que mesmo diante dessas reformas universitárias, o quadro do ensino do Direito tido como conservador, em quase nada foi alterado até a década de 60(SANTOS, 2002. p.39 e 40):

"A questão da" reforma das faculdades de Direito está exatamente na vocação do ensino jurídico, tradicionalmente avesso às formulações críticas, que, pela sua essência, questionam a própria ordem jurídica, objeto tradicional de ensino do professor de Direito e de aprendizado do advogado. Advogar não é criticar a ordem, mas viabilizar a sua aplicação, especialmente nos países de tradição positivista. Esta máxima que tem o seu espaço de verdade, mas também o seu limite epistemológico, faz do ensino jurídico um ensino destinado a reproduzir a ordem estabelecida e das faculdades de Direito meros centros de retransmissão do conhecimento codificado e dos seus instrumentos

"Compreensivos".

A Universidade de Brasília apresentava para a época uma proposta muito interessante e renovadora para o funcionamento do curso de Direito, influenciada pelo pensamento reflexivo de San Tiago Dantas em 1955, que em linhas gerais, desejava programar e fomentar o ensino no início do curso, das disciplinas de Economia Política, Ciência Política, Ciências Sociais, Filosofia Geral, Lógica, e História, utilizando-se ainda, nos arranjos disciplinares das referidas matérias acima citadas dos temas interdisciplinares, promovia ruptura com a formação tradicional de base romanística (ênfase no direito privado – orientação tradicional liberal). Defende Wander Bastos, que tais propostas eram revolucionárias, como estudo de casos (case method) ao invés das aulas expositivas, dando sustentação às polêmicas sociais e a idéia de currículo flexível. As conseqüências para o conhecimento jurídico dessa ruptura proposta pela UNB com a estrutura clássica poderiam ser assim resumidas (SANTOS, 2002. P.41):

"Essa mudança representará para o conhecimento jurídico uma verdadeira revolução epistemológica, especialmente para o Brasil, que absorveu, através da colonização, os institutos jurídicos historicamente consolidados, com efeitos profundos na história do Direito e na organização social e política".

San Tiago Dantas concebia os cursos jurídicos como cursos obsoletos, que não preparavam o discente para o contato com os embates sociais. Diante da metodologia Positivista e sua ênfase centrada meramente na exposição, e na retransmissão do direito posto, apartava o aluno da realidade concreta, e em função da rigidez curricular, ao contrário da proposta de currículo flexível, a formação do acadêmico não acompanhava a dinâmica das transformações econômicas e sociais perdendo espaço no mercado.

Com o golpe militar de 1964, as propostas anteriormente assinaladas, na UNB, foram reprimidas, e seus intelectuais foram taxados de comunistas. Voltou a predominar o paradigma positivista (perspectiva tecnicista), e sua respectiva metodologia de ensino para o Direito. As disciplinas de Direito Romano, Filosofia do Direito retornam com força desde 1971, e mais tarde a Prática Forense, bem como após 1972, com a reforma do ensino (Resolução 3/72 CFE), esta disciplina é elevada a condição de Estágio Supervisionado. Posteriormente ao longo dos anos 80 e 90, as deficiências no ensino vão se positivando, juntamente com as novas exigências do mercado, num quadro de proliferação dos cursos jurídicos e de mercantilização do ensino (questões abordadas adiante), o que leva o MEC a Portaria 1886/94, numa tentativa de readequação curricular dos cursos jurídicos, ante as severas críticas esboçadas na imprensa, pelas comissões anteriormente citadas, e os resultados dos provões (avaliações periódicas) e os terríveis índices de reprovação nos exames de ordem (OAB), com cifras que atualmente beiram em alguns estados da federação aproximadamente 92 % de reprovação.

A atualidade das questões e propostas levantadas por San Tiago Dantas, sobre o ensino do Direito, apesar de terem sido propostas em 1955, continuam pendentes. Desde a década de 1990, o MEC, passa a editar resoluções e portarias disciplinando aspectos do ensino jurídico; a portaria 1886/94. No ano de 1997, quando da comemoração dos 170 anos de ensino do Direito no Brasil; as autoridades da área educacional, Universidades Federais e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, realizaram estudos sobre o tema; uma associação de docentes, a ABEDI, tem realizado periodicamente encontros nacionais para discutir a abordar problemáticas relacionadas ao tema, e numerosas obras doutrinárias já foram escritas; a obra intitulada: Ensino Jurídico - Uma Abordagem Político-Educacional, de André Luís Lopes dos Santos, aqui referenciada, constitui-se, por exemplo, num dos melhores e atualizados textos de discussão, do assunto.

Referenciamos neste breve trabalho alguns títulos pertinentes ao caso, contudo, dada à natureza do tema e as características do artigo, estas foram às notas históricas consideradas mais apropriadas, abordando o fenômeno do bacharelismo e a implantação do instrumental positivista no período republicano como pontos-chave objetivos deste artigo. Doravante serão expostas outras reflexões uteis ao ensino do Direito.

5. A CRITICIDADE, SEU EXERCÍCIO E SUA IMPORTÂNCIA.

NA SALA DE AULA


Os seres humanos estabelecem determinadas relações entre si e com o meio que os cerca, através das quais transformam a natureza, por meio do trabalho, para a obtenção de seu sustento. O trabalho humano é obviamente, a maior "invenção" de todos os tempos, não só por que é dele que o homem tira o sustento de sua existência, mas porque, nele e com ele estão reservadas determinadas considerações às quais jamais poderíamos deixar de mencionar, sendo extremamente úteis à compreensão de nossa vida em sociedade.

Ao longo do tempo, alguns métodos de conhecimento e compreensão da realidade social, procuraram explicar a evolução do conhecimento e da forma como este conhecimento tem sido repassado para as gerações seguintes. Contudo, "belas mentiras" têm se firmado neste sentido.

Quando nos referimos à expressão "belas mentiras", o fazemos porque tomamos por base a discussão da convivência humana numa sociedade de classes, portanto sociedade de dominantes e dominados. Sociedade esta, que tem nas classes dominantes meios, instrumentos para determinar e implantar a dominação sobre os demais. Entendemos que um dos meios mais poderosos a serviço de tais estamentos é a Ideologia.

MARX e ENGELS citados por MORAIS (2000), no século XIX contribuíram de forma basilar para estabelecer um conceito de ideologia, proveniente da filosofia moderna, numa sólida pesquisa das relações existentes entre a falsa consciência e a reflexão objetiva da realidade. O que os eminentes pensadores queriam, era estabelecer as diferenças entre o que parecia às pessoas a consciência da realidade, quando na verdade aquela compreensão era 'mascarada' ou 'falseada' pelas relações contidas nos processos histórico-sociais, ou melhor, a que ponto a consciência geral estaria sendo manipulada por segmentos de classes dominantes na sociedade.

Para não alongar tal discussão, buscamos a compreensão da ideologia em um de seus elementos essenciais de atuação, uma vez que, trata-se de meio sutil de dominação e que é estabelecida para que não seja percebida como tal pelos dominados.

Consoante a professora MARILENA CHAUÍ (1997), pela análise materialista de MARX, a ideologia possui aspectos peculiares que a tornam quase impossível de ser removida, entre os quais doravante citamos: a ideologia é possível quando supomos que:

"as idéias existem em si e por si mesmas desde toda a eternidade, é a separação entre o trabalho material e o trabalho intelectual, ou seja, a separação entre trabalhadores e pensadores. Portanto, enquanto esses dois trabalhos estiverem separados, enquanto o trabalhador for 'aquele que não pensa', ou que 'não sabe pensar', e o pensador for aquele que não trabalha a ideologia não perderá sua existência e sua função".

É curioso observar tal característica da ideologia e compará-la com o ambiente da educação, que é o nosso viés deste ensaio, vez que, FREITAS (1995), em sua CRÍTICA DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO E DA DIDÁTICA, ao estabelecer uma crítica ao trabalho de LIBÂNEO (pedagogia histórico-crítica dos conteúdos), alerta FREITAS, para a questão da separação da categoria do trabalho material e imaterial no modo de produção capitalista, e em especial para o recurso didático da 'aula', tão destacado por LIBÂNEO. FREITAS assevera que:

"[...] nos parece que a argumentação está presa ao fato de se dever lidar com a escola tal qual ela está constituída hoje – separada do trabalho. A categoria do trabalho não-material está correta, em geral, o que se constitui num equívoco é tentar salvar a "aula" como ponto de referência da didática, ancorando-a no trabalho não-material em uma sociedade capitalista.".


Mais adiante FREITAS, continua em relação à temática levantada por LIBÂNEO.


"Parece-nos, pois, vão o esforço do autor para redimir a aula como elemento básico da atividade pedagógica da escola. Ao proceder dessa forma, legitima a atual estrutura da escola capitalista que separa teoria e prática – adicionando apenas que o conteúdo da escola deve ser crítico. [...] Ora, a aula é um produto da escola capitalista. É o elemento básico e visível da organização capitalista da escola. Por que conservá-la?"


A princípio parece ser um comentário duro, que se aproxima da temática levantada por BRANDÃO, anteriormente descrita. Ao discutir tal problematização, nos remetemos à questão de estar à escola exatamente cumprindo o papel ideológico que lhe foi atribuído por grupos dominantes na sociedade de classes. Novamente, ao enfatizar a separação entre o material e o imaterial, e colocar a aula como 'única' e decisiva ferramenta pedagógica a serviço do educador, mais ênfase na separação do trabalho material e imaterial se torna eficaz e abrangente. Daí então para a falta de valorização do professor, se comparado a outras profissões, é só um "pulo". Da escola pública no contexto de escola capitalista, formadora de mão de obra para um dado mercado, e da Universidade Pública mais especificamente aqui, os cursos jurídicos, formadores de "técnicos", cada vez mais preocupados com um mercado e suas rotineiras atividades quase nunca pensadas em suas bases estruturais de sociedade. Então, torna-se mais que um simples fato atual; a realidade, perplexa, mas trata-se da verdadeira realidade, a qual precisa ser questionada, refletida e urgentemente transformada.

Diante do exposto, retomamos o caminho da necessidade do educador assumir uma postura crítica, principalmente em sua práxis de ensino, como nos diz o eminente PAULO FREIRE, em sua PEDAGOGIA DA AUTONOMIA, quando diz que: "Ensinar exige criticidade.".

E é do mesmo mestre acima referido, a lição da superação da consciência dita 'ingênua' para a 'criticidade' conduzida no ato de ensinar, nas seguintes palavras:


"Não há para mim, na diferença e na "distância" entre a ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura experiência feito e o que resulta de procedimentos metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se então, permito-me repetir, curiosidade epistemológica, metodicamente "rigorizando-se" na sua aproximação do objeto, conota seus achados de maior exatidão.".


Na realidade o processo de criticidade não se resume à prática de ensino, embora, para com esta atividade guarde uma intima relação, vez que, trata-se de uma construção mental inerente aos seres humanos e na escola quando se faz possível (uso da criticidade), novos horizontes são descortinados do senso comum ao conhecimento metodologicamente estruturado.

Por não ser uma prática efetivada exclusivamente na escola, está disseminada na essência dos seres humanos, como fundamento de suas existências. Para tanto, MORAIS (2000) relembra a raiz grega atribuída à palavra crítica, "[...] Se atentarmos também para o vocábulo grego kriterion, vamos ver que a criticidade não é outra coisa que a faculdade de discernir e julgar mediante o uso de critérios". O autor se refere aí a crítica de várias maneiras, nos textos, nos pronunciamentos, em sala de aula, enfim, o uso de determinados critérios a serem utilizados de maneira sensata, humilde, e necessária, levando-se em conta, o que deve ser realmente criticado, como e de que modo deve ser estabelecida a crítica. E tomando por base os tais critérios, o que não deve ser objeto de crítica, que seria grosso modo a crítica aleatória. Quando entendida desta forma, conseguimos abstrair os excessos da chamada febre da criticidade, tão comum em nosso meio, e por vezes tão prejudicial.

Muitas vezes nos comportamos de forma até ingênua e insensata ao presenciar determinados pronunciamentos, ou diante de corriqueiras situações em sala, quando no afã da imposição queremos deixar nossas opiniões por cima de todos os questionamentos debatidos, ou seja, acreditamos que nossos pensamentos, conceitos e conhecimento são superiores aos dos outros em face do que os discentes expõem. Assim sendo, certamente não estamos procedendo no uso de critérios em nossos pontos de vista estabelecidos. É oportuno dizer que nestes momentos, nos faltaram como educadores a humildade e a grandeza de entender o que já foi dito anteriormente por GUIMARÃES ROSA: [...] "Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.".

Para enfatizar melhor o uso de tal procedimento (a criticidade) nos lembra ainda MORAIS:


"Façamos, assim, da criticidade, uma forma de crescimento individual, político e social. Esforcemo-nos para que o exercício crítico não seja degenerado em puras agressividades e conflitos. Quanto a ouvirmos pronunciamentos ou a lermos artigos e livros, sejamos necessariamente críticos, mas o sejamos em sentido grego: o que é capaz de ajuizar e avaliar mediante critérios".


O autor lembra enfim que devemos nos pautar com humildade para criticar.

Prosseguindo na questão da criticidade, o enfoque dado doravante está centrado no exercício crítico na sala de aula. Ora, já foi discutido anteriormente que não se deve apartar da sala de aula os questionamentos da sociedade, ou seja, que não se pode a rigor, dissociar as questões sociais da vida, dos momentos vivenciados por educadores e educandos na prática de ensino realizada em sala.

Em sala de aula, são externadas situações orais, textos e debates, os quais necessitam de avaliação, tomando por referencial a ação crítica como ferramenta usual a serviço de uma aprendizagem que passará a fazer parte da pessoa do educando, e à formação de personalidades no crescimento de conhecimentos, que tornarão pessoas cada vez mais adultas.

Se o comportamento de uma determinada turma pauta-se pela passividade dos discentes, com o passar do tempo, cresce a indefinição do caráter, e certa pusilanimidade intelectual, que no dizer de MORAIS, evidencia-se em sala à medida que são tratados os discentes com rigor e autoritarismo em casa e na escola. Ora está mais que provado hodiernamente, que, se o aluno quer crescer em sua vida acadêmica, a participação do mesmo tem de ser elemento decisivo na relação ensino-aprendizagem, obviamente, para educadores conscientes e particípes do processo educativo em questão, buscando a construção do conhecimento.

Partindo da premissa da participação do discente e do compromisso educacional do docente, como poderia efetivar-se o exercício da criticidade em sala de aula, na busca da relação ensino-aprendizagem? Uma das fórmulas possíveis estaria no interesse dos alunos pelos conteúdos programáticos, desde que os mesmos, fossem também elaborados pelos mestres para os alunos, e não para o aluno imaginário, conteúdos palpáveis, atuais, que despertem no educando o interesse pela participação e o diálogo. Posteriormente os alunos integrados neste processo estabelecerão a crítica dos conteúdos expostos, os quais não devem ser vistos como mera exposição que leve no dizer de FREIRE, ao aprofundamento da chamada "educação bancária", onde o mestre é o centro das atenções, o único "poste de luz", a iluminar com seu pretenso saber os alunos, que não deverão ser vistos como meros receptores.

Com o que acima foi descrito, nos perguntamos, quantas vezes temos buscado em nossa prática de ensino corrigir erros como os acima descritos, e proceder ao exercício destes parâmetros críticos em sala de aula na Universidade?

As reflexões de tais questões nos chamam a atenção, pois somos responsáveis de certa forma pelo processo de construção de conhecimento; nosso conhecimento e conhecimento partilhado com os educandos, na busca de transformações substanciais no quadro atual da Educação Superior no Brasil. A prática da criticidade em sala pode ser um dos meios corretos a serem implantados na busca da excelência educacional. Hoje, longe de ser conseguida.

Antes de aprofundarmos tais proposições na temática do Ensino jurídico, gostaríamos de finalizar este tópico mencionando o filosofo Michel de Montaigne ("Da loucura de opinar acerca do verdadeiro e do falso unicamente de acordo com a razão", Ensaios, v. I), citado por MORAIS, a respeito da fragilidade das nossas certezas e a relatividade de nossas avaliações, em pleno século XVI, que bem se pode hoje ainda considerar:


"Quem nunca viu um riacho, ao deparar com o primeiro, pensou que fosse o oceano; as coisas maiores entre as que conhecemos, nós as estimamos as maiores em seu gênero: "um rio que não é muito extenso parece imenso a quem não viu maior; do mesmo modo uma árvore e um homem, e qualquer objeto quando nada se viu maior na espécie".


Em seguida, após criticar a presunção de algumas pessoas de estar sempre pontificando, Montaigne arremata seu ensaio com as seguintes palavras:


"Lembremos em quantas contradições tem caído o nosso julgamento! Quantas coisas que ontem considerávamos artigos de fé, hoje julgamos fábulas! A glória e a curiosidade são dois flagelos de nossa alma; esta nos impele a meter o nariz em tudo; aquela nos proíbe deixar seja o que for sem decisão ou solução".


O filosofo além de nos advertir nos nossos juízos críticos relativos, nos mostra uma outra questão de suma importância, e que será retomado nas considerações sobre o ensino jurídico adiante exposto, o problema do dogmatismo, tão presente em nosso meio jurídico, mormente na academia.

MORAL nos lembra sobre a criticidade, que:


[...] "Participar é fazer parte de algo e, no caso humano, não como um traste mudo, mas pronunciando a nossa fala na prosa do mundo. Assim, conscientes de que o espaço propriamente humano é o espaço da conversação (Maturana 1992, citado por MORAIS) e vivendo as bênçãos de uma autocrítica que nos leva à humildade, estaremos prontos para participar da graça da criticidade, tanto quanto prontos para eximir-nos do ingênuo furor crítico".


6. CONCLUSÃO

A propósito dos grandes temas que permeiam a Educação e a Universidade, no conjunto dos desafios postos na ordem do dia pelas transformações ocorridas nas últimas décadas, à chamada "crise da modernidade", como a crise do paradigma mecanicista e a ascese da visão holística, capturam a atenção dos pensadores para a diversidade humana e por que não dizer cósmica. O tema é complexo e ao mesmo tempo tão fascinante quanto difícil é e será conceber, por exemplo, o Direito e seu ensino, que por si só, são fatos sociais, e assim sendo não poderiam escapar das ilações, e reflexões do avanço, e multiplicidade dos problemas atuais. Vejamos por exemplo temas altamente polêmicos, como: questões Bioéticas; quando começa a vida? Quando cessa a existência física? O que dizer dos velhos embates sócio-econômicos como a distribuição da riqueza, a desigualdade social, a prestação da justiça? Como se colocar diante do multifacetário problema da violência e seu crescimento, a impunidade, enfim, questões para as quais o Direito parece não apresentar, ao menos nos nossos dias, as soluções (sentenças, decisões, normas) sequer próximas da satisfação do conjunto social. Em vista disso, torna-se oportuno á guisa de conclusão deste simplório texto acrescentar algumas linhas do grande pensador da atualidade Edgar Morin, em Educação e Complexidade, nas quais, guardadas as devidas proporções, podem se adequar à ao Direito e seu ensino (MORIN, 2005):

"A Universidade conserva , memoriza, integra e ritualiza uma herança cultural de saberes, idéias e valores, porque ela se incumbe de reexaminá-la, atualiza-la e transmiti-la, o que acaba por ter um efeito regenerador". A universidade gera saberes, idéias e valores que, posteriormente, farão parte dessa mesma herança. Por isso, ela é simultaneamente conservadora, regeneradora e geradora.

A Universidade tem uma missão transecular que vão do passado ao futuro por intermédio do presente; tem uma missão transnacional que conserva, porque dispõe de uma autonomia que a permite efetuar essa missão apesar do fechamento nacionalista das nações modernas.

[...] No século dezessete, a Sorbone, por exemplo, condenava todos os avanços científicos do seu tempo e, até o século seguinte, a Ciência moderna se formou em grande parte fora das Universidades.

A Universidade soube responder ao desafio do desenvolvimento das ciências, operando uma grande mutação no século XIX, a partir da reforma de 1809, efetuada por Humboldt em Berlim. Ao instituir sua liberdade interior frente à religião e ao poder, tornou-se laica e abriu-se à grande problematização oriunda do Renascimento, que questionou o mundo, a natureza, a vida, o homem e a Deus. Transformou-se no lugar da problematização própria à cultura européia moderna; ao se abrir as culturas extra-européias, inscreveu-se mais profundamente em sua missão transecular e transnacional.

A reforma introduziu as ciências modernas nos departamentos que havia criado. Desde então, a Universidade faz coexistir, e desafortunadamente só coexistir e não comunicar, a cultura das humanidades e a cultura científica.

[...] Daí decorre a dupla função paradoxal da Universidade: adaptar-se à modernidade e integrá-la, responder às necessidades fundamentais de formação, proporcionar ensino para as nossas profissões técnicas e outras, oferecer um ensino metaprofissional e meta técnico.

Deve a Universidade adaptar-se à sociedade ou a sociedade a ela? Há complementaridade e antagonismo entre as duas missões, ou seja, adaptar-se à sociedade, ou adaptar-se a si própria. Não se trata apenas de modernizar a cultura, mas culturalizar a modernidade.

[...] Mais radicalmente, os próprios desenvolvimentos do século XX e da nossa era planetária fizeram com que nos defrontássemos cada vez mais amiúde e, de modo inelutável, com os desafios da complexidade. Nossa formação estável, e, mais ainda, a universitária, nos ensina a separa os objetos de seu contexto, as disciplinas umas das outras para não ter que relacioná-las (Teoria Pura do Direito?) Essa separação e fragmentação das disciplinas é incapaz de captar 'o que está tecido em conjunto', isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo.

A inteligência que só sabe separar reduz o caráter complexo do mundo a fragmentos desunidos, fraciona os problemas e unidimensionaliza o multidimensional. É uma inteligência cada vez mais míope, daltônica e vesga; termina a maior parte das vezes por ser cega, porque destrói todas as possibilidades de compreensão e reflexão, eliminando na raiz as possibilidades de um juízo crítico e também as oportunidades de um juízo corretivo ou de uma visão a longo prazo.

A maneira de pensar que utilizamos para encontrar soluções para os nossos problemas mais graves de nossa era planetária constitui um dos mais graves problemas que devemos enfrentar. Quanto mais multidimensionais se tornam os problemas, maior a incapacidade para pensá-lo em sua multidimensionalidade; quanto mais progride a crise, mais progride a incapacidade para pensá-la; quanto mais globais se tornam os problemas, mais impensáveis se tornam. A inteligência cega se torna, assim, inconsciente e irresponsável, incapaz de encarar o contexto e complexo planetário.

A reforma da Universidade tem um objetivo vital: uma reforma do pensamento que viabilize e permita o emprego total da inteligência. "Trata-se de uma reforma não pragmática, mas paradigmática, concernente à nossa opinião para organizar o conhecimento (grifo meu)".

O pensamento jurídico tradicional, inerente ao positivismo, ou mesmo ao normativismo, poderia ser encarado sob a perspectiva alinhada acima por Morin, dito unidimensional, a qual tenta entender o direito de forma unidimensional, como na Teoria Pura do Direito; é compreender o Direito abstraindo-se de seus aspectos, metajurídicos. Trata-se, portanto, de uma teoria reducionista; reduz e equipara Direito ao Estado, fragmentária, e ademais, não admite ser ideologizada, mas acaba sendo.

O pensamento denominado crítico do Direito, se opõe ao normativismo e, portanto a produção do saber jurídico tradicional. Por esta razão para finalizar as citações neste artigo, nos valemos do mestre Antônio Carlos Wolkmer, em sua obra – Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico – sobre as teorias críticas, assim ensina (WOLKMER, 2001. p.172,173 e 175):

"As" 'teorias críticas' demonstram com eficiência como se processa a produção do saber jurídico tradicional, como se concretiza o comprometimento com o poder dominante e como ocorrem as disfuncionalidades de sua estrutura normativa em face da experiência social presente. Todas as correntes jurídicas insurgentes não só analisam as condições do dogmatismo técnico-formal e a pretensão de cientificidade do Direito oficial vigente como, sobretudo, propõem novos métodos de ensino e pesquisa, que conduzem à desmitificação e tomada de consciência dos atores jurídicos. Igualmente, propiciam a articulação de estratégias de elaboração extra legem, ou seja, o pluralismo de fontes normativas que não passam necessariamente pelo Estado e o estímulo modificador de atitudes que resultem na maior eficácia e efetividade de aplicação da justiça – uma justiça identificada com os interesses das maiorias.

[...] Ora, o apelo por um Direito justo nada mais é do que a reafirmação de um 'novo' Direito, um Direito insurgente, que, sem perder sua dimensão de universalidade, torna-se compatível com a satisfação das necessidades fundamentais de estruturas socioeconômicas dependentes e periféricas (como no caso da especificidade latinoamericana), apto a transformar a reflexão crítico-dialética em vivência humanizadora incorporada pela práxis política 'conscientização/emancipação'. Logo, proclamar a emergência de outro Direito no contexto da América Latina e nos marcos do pluralismo comunitário, participativo e democrático torna prioritário o reconhecimento por um projeto ético-político emancipador, viabilizador do florescimento de uma nova cultura jurídica".

Sabedores somos todos nós, quão árduo se prognostica tal embate pensamento positivista ou neopositivista x pensamento jurídico crítico, inscrito na realidade metodológica do ensino do Direito. Mas algo precisa ser efetivamente realizado em prol da mudança das mentalidades, e dos instrumentos da aprendizagem acadêmica do Direito. A história demonstra não ser recente a constatação duma crise conjuntural deste tipo de conhecimento. Razões para a mudança, são antigas, urgentes e prementes, pois o Direito é um fato social; seu ensino, além de fato social, carece ser trabalhado e concebido sob o prisma humanista, mesmo que seja em demasiada defesa da dignidade humana. Visto desta forma, a questão levantada, jamais será concebida como "coisa", vez que, seres humanos não são "coisas". Como foi dito no passado, o homem, esse sim é que "deve ser a medida de todas as coisas".


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Autora: Neydja Maria Dias de Morais (pags. 275 a 284).


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Tema: A aprendizagem pelo diálogo entre teoria e prática. Roberto Santos.


Revista Consulex, ano III, nº. 26, 28.02.1999.

Matéria: A difícil escalada do ensino jurídico (p. 12 a 15)

A indústria dos cursos de direito (p. 18 e 19)

Curso de direito não é brincadeira (p.20)

O ensino jurídico está de recuperação (p.21)