WERNER SCHRÖR LEBER 

A COMUNICAÇÃO MASSIFICADA E A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DE ANAMARIA FADUL[1]

1. CULTURA, INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO. 

A autora escreve seu texto em perspectiva pedagógica, quer dizer, em diálogo com a educação. Não parece estar alinhada ao pessimismo da massificação denunciada pelos frankfurtianos. A massificação não é só um fenômeno capitalista, mas um fenômeno mundial ligado com a tecnologia e a o aumento significativo da população mundial no último século. Sendo ela também educadora (pedagoga) pergunta-se sobre a relação entre educação e informação massificada, como se lê na seguinte passagem: 

Os meus primeiros esforços para entender o conflito existente entre Escola e Meios de Comunicação de Massa, Escola e Indústria Cultural vêm desde 1978. Assim, já nessa época, tentava, em um de meus textos sobre o tema, entender o desafio que os meios de comunicação têm representado para a Escola, assinalando que a compreensão da Indústria Cultural era importante não só para a Escola, mas para a sociedade em geral. Ela era importante para a cultura, para a Educação e para a comunicação porque estava trazendo uma problemática típica do mundo contemporâneo. Não se pode esquecer que todas as informações contemporâneas são mediatizadas pelos meios massivos e pela Indústria Cultural. Portanto, dessa perspectiva, gostaria de fazer uma rápida análise histórica a fim de que se possa entender a Indústria Cultural na atualidade (FADUL, 2020, p. 53-54). 

 

A relação entre educação, filosofia e cultura tem longa data. Mas em todas as diferentes épocas, essa relação foi sendo interpretada de diferentes modos também. De que modo a filosofia atual aborda as questões culturais? No dizer do comentador “a cultura é uma grande janela (juntamente com linguagem e o trabalho) que em nosso século se abriu para o problema do homem (MONDIN, 2018, p. 206) Porém, a tecnologia, a industrialização e as modernas redes de comunicação turbinaram a famosa frase de Bacon “saber é poder”. Para o comentador, “domesticar e direcionar os desejos revelou-se mais eficaz para a continuidade da dominação do que a sujeição física (SILVA, p. 63)”. 

A autora que investigamos, Fadul, deixa claro que não está a busca de um estereótipo para tratar a relação comunicação e massificação da informação. No dizer das palavras dela mesma,

 

 

[...] gostaria de deixar bem claro é que não pretendo fazer aqui nem a demonização da Indústria Cultural nem sua defesa, mas simplesmente possibilitar sua compreensão, porque é só através de seu conhecimento que se pode propor uma nova política educacional, cultural e comunicacional capaz de fornecer subsídios para a alteração da própria Indústria Cultural. É só por meio da informação de alunos críticos, de alunos que tenham conhecimento da Indústria Cultural que se pode ter a possibilidade de interferir para aperfeiçoá-la e melhorá-la. Não para piorá-la. (FADUL, 2020, p. 54).

 

Os aspectos da passagem acima citada deixam evidente que nossa autora não está analisando o problema educação e informação massificada sob o crivo de uma ótica filosófica específica ou de uma boa teoria acadêmica. Conforme ela se manifesta, a situação da educação no Brasil é tão grave e não cabem mais digressões acadêmicas. Isso, segundo ela, seria luxo ao qual não temos o direito de nos submeter. A velha e batida discussão entre os apocalípticos e integrados, vindas dos escritos de Humberto Eco, considerado um dos “integrados” e que condenaram o apocalipcismo dos frankfurtianos, definitivamente não é o ponto que ela quer enfocar. Está claro para ela que o mundo globalizado não tem como fugir da massificação e nem dos perigos que isso acarreta. Dentro dessa moldura ela esboça as suas ideias de como educação e comunicação se inter-relacionam.  E as divide então em dois grandes blocos: a) uma análise histórica da situação; b) propostas para intervenções práticas.

Na breve análise histórica que engendra, a autora percorre o itinerário do nazismo que culminou na ascensão de Hitler e a expulsão dos intelectuais judeus de Frankfurt, entre eles Theodor Wiesegrund Adorno e Max Horkheimer. Analisa como Göbels, ministro da propaganda de Hitler, soube fazer uso dos meios mediáticos para divulgar a ideologia do regime. O que fica dessa análise é não só o fato de Adorno e Horkheimer denunciarem como o rádio foi utilizado por Hitler, mas também a descoberta dos Estados Unidos, país então já com características culturais muito diferentes daquelas encontradas na Europa. Há uma decepção grande aqui para Horkheimer e Adorno: a denúncia do o uso do rádio por Hitler para entorpecer a massa com propaganda enganosa não combinava com cultura americana, muito diferente do “paraíso cultural” que foi a Europa do século XIX. Nos Estados Unidos não havia essa visão negativa sobre a comunicação massificada. Antes, havia até uma idolatria do potencial mediático. Para Adorno e Horkheimer, quando escrevem “A dialética do esclarecimento” em 1947, a cultura americana apresentava longe do ideal de cultura que traziam da Europa. Mas a autora observa também que o século XIX não fora um paraíso cultural. A visão dos pensadores de Frankfurt deixou de fora muita coisa. O século XIX foi um período de guerras, de lutas, de trabalho escravocrata nas fábricas que surgiam, e tudo isso Horkheimer e Adorno aparentemente desconsideraram. Veja essa passagem em que a autora é enfática sobre esse problema:

 

 

Em nenhum momento na análise desses autores sobre a cultura do século XX, encontra-se o reconhecimento de que o paraíso da cultura, esse eldorado do século XIX, foi também contemporâneo de um dos mais violentos períodos da história. Nas fábricas havia um trabalho quase-escravo, onde as crianças tinham jornadas absolutamente impensáveis hoje. Esse é um período em que a arte, a literatura e a pintura não estavam sendo assediadas pela cultura decadente que os meios de comunicação de massa então veiculavam (Op. cit. p. 55).

 

 

A autora lamenta que no Brasil ainda se pense Indústria Cultural daquela forma descrita pelos dois judeus alemães em 1947. A culpa disso está em nós e não nas críticas dos dois pensadores. Adorno, em 1968, nos lembra Fadul (p. 56), já havia dito que ele e Horkheimer cometeram muitos equívocos sobre a interpretação de comunicação de massa e a manipulação das consciências. A Indústria Cultural, se vista sempre sobre os olhos dos acadêmicos, pode ser também sempre contra a comunicação de massa ou produzir a demonização dela. Esse parece ser o problema da visão dos frankfurtianos. Vejamos a citação a seguir, que dá o tom da questão:

No Brasil, infelizmente, continua-se a definir essa indústria da mesma forma que em 1947. Por que digo infelizmente? Porque ADORNO, três meses antes de morrer, em 1968, fez uma conferência numa rádio alemã, que se chamou "Tempo Livre", dizendo que, quando ele e HORKHEIMER criaram este conceito de Indústria Cultural, cometeram alguns equívocos. Este conceito não servia mais para designar a nova realidade. Por que essa afirmação? Porque ele havia feito uma pesquisa sobre a televisão alemã, examinando como o público via o casamento da Princesa Beatriz da Holanda com o Sr. Klaus, um diplomata alemão. A conclusão a que ele chegara foi de que os alemães não deram a menor atenção ao casamento. Tratava-se de uma coisa banal que não despertara nenhum interesse, apesar da grande cobertura da televisão alemã. ADORNO encerrou a conferência, afirmando: "A televisão ainda não se apropriou da consciência dos alemães, existe ainda um espaço de liberdade, existe um espaço que nós podemos trabalhar". (ibid., p. 56).

 

A título de exemplo e que vai na direção do problema acima, Fadul lembra que no século XIX os intelectuais foram contra a fotografia por acharem que ela detratava a arte de representar. A televisão assim como qualquer representação artística nova corre o risco de ser vista sempre sob essa ótica também, ou seja, a ótica do negativo. E não é o senso comum, a visão massificada, no mais das vezes, que lança estereótipos e preconceitos. Ela surge, em grande medida, nos centros acadêmicos, nos círculos intelectuais onde a resistência e o conservadorismo impedem a crítica justa e honesta que deveriam cultivar. Conforme a autora dá a entender, não se pode viver fora de uma realidade onde a massificação e a cultura se imbricam visceralmente. Ou, como ela diz “a comunicação de massa é uma característica fundamental da sociedade de massa, à qual está ligada de forma indissolúvel”.

 

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O que Anamaria Fadul está apresentando, assim interpretamos, é que se faz necessário ter em vista a relação entre educação e cultura tomando como pano de fundo as críticas de Frankfurt. Mas ficar preso a elas pode nos levar a equívocos e erros imperdoáveis. Ela lembra que há alunos que chegam à Universidade e já estão contra a Rede Globo e contra esse ou aquele Jornal, aquela Revista. Mas se são perguntados “por quê?” não têm respostas claras. Percebe-se nesses alunos muito mais uma influência ideológica de professores que fizeram suas cabeças por estarem presos às velhas tábuas de 47 do que propriamente um entendimento do que ocorre.

A televisão, o cinema, a internet, por si só, são instrumentos. Claro que a comunicação é poderosa e tem ardilosidades imperscrutáveis, como aponta Silva (2011) em seu significativo artigo. Claro que as mídias novas se relacionam com o poder. Claro que o poder se serviu e se serve delas. Mas não há como fugir delas. Um mundo de mais de 7 bilhões de pessoas não tem como viver querendo um modelo cultural, pacato, conforme o mundo romântico idealista pintado pelos intelectuais do século XIX e assumido como proposta cultural pelos pensadores de Frankfurt. Somos literalmente uma Aldeia Global. Mas o detalhe mais interessante é o desfecho de nossa autora. Ela propõe que se pense não apenas a relação da Escola com a Comunicação de Massa. Não é aí que está a questão. Os meios de comunicação só repetem, reforçam as ideologias que ocorrem nas fábricas, nas escolas, nas universidades, afirma ela. Nessa perspectiva, seria um erro imaginar que um canal de televisão sozinho é culpado por divulgação e disseminação de ideologias canhestras. O problema é que a educação não está cumprindo seu papel de ser também crítica e formadora em sentido amplo. Conforme a autora indica, em várias universidades, os alunos são também vítimas das ideologias de professores, de profissionais mais preconceituosos que críticos. A informação massificada repete o currículo social já instalado na cultura de uma determinada população. Em linhas gerais, concluímos o seguinte: não há como ter meios de comunicação críticos se a sociedade não for crítica em todas as instâncias de poder que estão arraigados em seu interior. Culpar apenas a informação massificada é, no fundo, desconhecer de onde a informação vem antes de chegar como “mercadoria” e “ideologia” ao grande público.

 

3. REFERÊNCIAS

 

 

FADUL, Anamaria. Indústria cultura e comunicação de massa. Disponível em:  <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/c_ideias_17_053_a_059.pdf>. (páginas 53-59).  Acesso em 15/05/2020.

 

MONDIN, Battista. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. Tradução de J. Renard. 20ª edição. São Paulo: Paulus, 2018.

 

 

SILVA, Rafael Cordeiro. Indústria Cultural e manutenção do poder. CULT: Revista de Cultura. São Paulo: Editora Bregantini, ano 14, nº 154, fevereiro/2011, p. 63-65.

 

 

 

[1] Com base no texto da autora “INDÚSTRIA CULTURAL E COMUNICAÇÃO DE MASSA”, páginas 53-59, que se encontra no seguinte endereço eletrônico: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/c_ideias_17_053_a_059.pdf>. Acesso em 15/05/2020. Citar-se-á essa referência como (FADUL, 2020).