Ensinar é aprender (*)

 

            Muitas vezes, velhos e renomados professores aprendem grandes lições a partir de atitudes e respostas advindas do universo daqueles que, presumem-se “aprendizes”. Se como tais, o mundo de conhecimentos prévios for respeitado, esses “aprendizes” desvendam mistérios e trazem explicações tão lógicas que o pensador há de refletir e reconhecer: como não havia pensando nisso

raciocínio, a Escola se distancia da Educação, quando insiste em trazer o antes?

            Nesse verbo ensinar como vetor do processo ensino-aprendizado. Para que se entenda o universo que envolve dois agentes que se digladiam em busca de explicações para o desempenho dos seus respectivos papeis na sociedade.

            De um lado o professor, preposto do Estado e de um poderoso sistema implantado há séculos, que vem contabilizando a cada  ano fracassos e desencontros e do outro, um ser em formação que é levado a cumprir metas e objetivos em nome de uma educação que destorce tudo o que ele aprendeu, desde os primeiros instantes de vida. Ora, ir de encontro ao que a família diz e a criança pratica, é o mesmo que declarar a escola como opositora do que a vida lhe trouxe, gratuitamente, sem currículos, sem provas, sem deveres, muitas vezes apensas gestos, sinais e atos mecânicos. A escola sistematiza o que a educação trouxe para o seu interior.

            A criança que vem à escola não deixa na porta de entrada, os seus saberes, medos, inquietações e valores. Ela traz sim, em si, a necessidade premente de obter respostas que possibilitem melhores condições de vida, lá fora, no seu mundo, na sua realidade, no seu “modus vivendi”. Mas o que ocorre numa prática secular é que a escola isola o que a criança vive e quer lhe impor um rol de atitudes e atividades que faz da criança “massa de manobra” capaz de atender-lhe anseios e projetar expectativas, encobrindo, muitas vezes, frustrações e fobias que a vida lhe impôs.

            Mas não é por falta de orientações metodológicas, há seminários, encontros, planejamentos e tantos outros chamamentos que a escola, está sempre promovendo. O professor é que muitas vezes que desafiar a lógica que explica que: fazer tudo igual e querer resultados diferentes é o mesmo que ingerir veneno e esperar que o outro morra. Mesmo assim, ele insiste na mesma prática dissociada da realidade do aluno, obtém os pífios resultados, mas contundia repetindo as mesmas fórmulas, as mesmas fichas amareladas, os mesmos cadernos, os mesmos planejamentos, as mesmas tarefas, os mesmos exercícios... para outras crianças, com outros valores, outros saberes e expectativas. Não pode haver escolas atraentes, nem aulas motivadoras quando não se leva em conta que o mundo gira, e com ele vão todos os meios de comunicação e interação que envolve o homem e suas linguagens em busca da interação e melhor qualidade de vida.

            “Ensinar não é transmitir conhecimentos. O educador não tem o vírus da sabedoria. Ele orienta a aprendizagem, ajuda a formular conceitos, a despertar as potencialidades inatas dos indivíduos para que se forme um consenso em torno de verdades e eles próprios encontrem as suas opções. O professor, como agente de comunicação, transformou-se num dos mais pobres recursos e dos mais ricos. Quando se imagina dono da verdade, rei do currículo, imperador do pedaço, mendiga e se frustra. Quando se apresenta cheio de humildade, de compreensão e vontade de aprender, resplandece e brilha”. (Ivone Boechat)

            Mergulhando em um raciocínio analógico, retoma-se o episódio registrado por volta de 1900, quando o ilustre Albert Einstein desafiava um professor seu a respeito da existência ou não da escuridão, ele frisava com todas as letras que por mais pesada que seja a escuridão ela jamais resiste a um poderoso feixe de luz. Assim, seguia ele: quem existe é a luz. A escuridão é apenas a sua ausência. Entre o ensinar e aprender, é discutível se o ensinar não engessa, inibe, frustra o aprender. A experiência com crianças tidas como nativas digitais documenta perfeitamente esse raciocínio: ninguém precisa “ensinar” pra que a criança manuseie um novo smartfone, um game ou uma outra qualquer forma tecnológica. Ela talvez não saiba montar ou desmontar, como o professor, nem sempre sabe desmontar uma fórmula matemática para explicar de outra forma o que o aluno não entendeu com sua primeira tentativa, mas a criança saberá como funciona, para que ela o equipamento existe, qual o seu benefício para a sua vida prática.

            E o professor, ele deixa sempre claro o porquê de o aluno aprender o valor de PI? Qual a importância de se ter conhecimento de quantas vezes ocorrem as formas rizotônicas de um verbo? Ele deixa sempre para o aluno um motivo para que ele queira aprender, justificando que “o sacrifício” do entender hoje, será recompensado com o conhecimento que fará a diferença na vida prática desta criança? Não seria mais do que oportuno o professor rever: o que ensina e para que ensina, se ele acredita ser  o tempo para ensinar àquela criança, aquele conteúdo?

            Na prática, o ensinar é questionável. Aprende-se fazendo. Pois que se aprenda aprendendo a aprender, certamente o resultado é o que se pretende com o ensinar. Se a escola é o fórum onde serão discutidos os interesses da educação, ela precisa ser o centro de pesquisas e análises da proposta que vem do extra-muros Entende-se que em uma sociedade que vive na velocidade da luz, com o volume de informações que como vêm, se vão, a escola é o eixo de um processo que vai muito além de registrar que dizem  “os pensadores contemporâneos”: são os que poluem com o barulho fazem música moderna; são os que usam a sensualidade como arte que fazem a liberdade de expressão; são os que consideram a família como utopia que propõem a formação cidadã exclusivamente dentro da escola.

            Escola descolada da realidade em que vivem as pessoas? O professor é gente que sofre as mesmas pressões sociais do aluno, ele não pode agir de forma diferente, assim, ele não pode também ter um discurso diferente daquele do aluno, do pai, do quitandeiro, do gari, do desempregado. O avanço da era espacial em que vive tornou o homem angustiado pela consciência de sua fragilidade para absorver e superar os desafios à sua volta. É mister que se reestruture o conceito de Escola ou se reconheça a sua impotência. Educar não é ensinar, é aprender.

            Viajar no universo da mitologia e das “histórias” fantásticas pode ser uma forma de refletir sobre a vida e os seus desafios. O bigode do tigre é uma dessas versões que o mundo chinês nos empresta para o nosso poderoso mundo novo: Uma jovem senhora recebeu de volta o seu esposo, após uma longa guerra que o deixou intolerante e pouco sociável. Sentindo falta daquele que, antes da guerra era cordial e companheiro, a jovem esposa lutou com todas as suas forças, mas parece que o coração do ex-combatente estava fechado, petrificado, insensível aos carinhos da fiel esposa. Depois de muita luta ela procura um velho ermitão que vivia nas florestas e lhe pede uma solução, um chá, uma porção que pudesse “amolecer” coração do seu esposo. Ele lhe receitou um chá, mas para obter os resultados esperados ela deveria lhe trazer um fio do bigode de um tigre vivo.  Ela não desanimou, subiu a serra à procura de um tigre, percebeu algumas pegadas e, mesmo com muito medo, espetou pacientemente pelo tigre. Este apareceu ao longe, mas não se aproximou. Ela também não teve coragem de nenhum gesto mais “ousado”. E ficaram ali, por um bom tempo. Um olhando para o outro, cada um com a sua desconfiança.

            O tigre se cansou, foi embora, ela foi para casa. Na tarde seguinte, voltou ao mesmo local, levou um lanche pois sabia que a tarde seria longa. Quando o tigre reapareceu, no mesmo lugar, ela agiu da mesma forma, em silêncio, apenas observava os movimentos do tigre, que fazia o mesmo ao seu respeito. Bateu a fome, ela lanchou um saboroso pedaço de bolo de arroz. O tigre continuou a ignorá-la. Depois de olhá-la lanchando, sem oferecer nenhum perigo para ele, foi embora, ela terminou de lanchar, deve ter deixado cair algumas migalhas do bolo e foi embora desolada, amanhã voltaria. O tigre que fingia ter ido embora, tão logo ela desapareceu na mata, veio catar as migalhas do bolo e gostou bastante. Virou rotina: todos os dias ela voltava e trazia um lanche, ele depois que ela saia, também gostava do que comia... O tempo passou. Seis meses depois desses encontros, eles já ficavam bem próximos, um dia ela, antes de comer o pedaço de bolo, ofereceu um pouco ao tigre que comeu, lambeu os beiços e demonstrou muita tranquilidade. Ela chegou perto e lhe explicou calmamente o que queria durante todos aqueles encontros.            Perguntou ao tigre se ele a deixaria tirar um fio do seu bigode. Parecendo entender a importância daquele pedido o tigre aproximou-se mais ainda dela que carinhosamente lhe tirou um fio do bigode. Era sua vitória. Mas ela teria usado uma confiança. Criado uma amizade apenas por interesse? Não, o tigre, seu amigo precisaria entender que não foi bem assim, ninguém usou ninguém, todos lucraram naquela relação de amizade e confiança...

            De posse do foi de cabelo a senhora correu para o ermitão e eufórica lhe presentou o que ele pedira como sendo a peça mais importante do chá que lhe prepararia para reconquistar o esposo. Sem tirar o olhar da uma fumegante fogueira, o ermitão pegou o fio e, displicentemente o soltou ao fogo... Desolada ela questionou como ela teria sido capaz de destruir tão importante conquista.        O ermitão apenas disse: se você conquistou o coração e a confiança de um tigre selvagem, com paciência e dedicação você conquistará o coração do seu esposo que é humano...”

            Se o aluno existe, está à frente do professor, aberto para protagonizar a sua história, ele não sabe por onde começar, mas o professor sim, ele estudou para encontrar o coração do seu aluno. Esse é o seu papel. Aprenda com ele e produzam todos os passos de uma conquista: assim se processa a educação, seja respaldada na perspectiva da escola ou na do aluno. Aprende-se, aprende-se, aprende-se.

            É possível que no processo tenha ocorrido a ensinagem. O professor não atua só pelo que diz e faz, mas pelo que ele é como um todo. O ato pedagógico não pode ser simplesmente o ato de uma incitação intelectual ao conhecimento é também uma forte relação afetiva entre o professor e o aluno, relação que deve ser vivida com todas as dificuldades que pressupõe. A criança vive uma ansiedade, uma angústia muito profunda, na busca do seu desenvolvimento, do seu desabrochamento, e se a escola não lhe proporciona uma segurança, um encorajamento, uma confiança, se torna para ela, um lugar de projeção das dificuldades familiares, em vez de ser o lugar de elucidação, pelo menos parcial, ou de compensação, a comunicação não se estabelece, o que traduzirá em malogro para a cultura do saber. (PERRETI )

            Quando se analisa que teoricamente a educação está no Século XIX, o professor tenta chegar ao Século XX e o aluno está Século XXI, isso porque enquanto nativos digitais eles têm, em tempo real, todo um universo de informações que, cristalizadas tornam-se conhecimentos e colocam-se à frente de tudo e de todos. Nesse descompasso estrutural a educação se perde pela sua própria natureza. Ela chega a se confundir com instrução ou ensino. Reside nesse equívoco a educação que é um processo de desenvolvimento unilateral da personalidade, envolvendo a formação de qualidades humanas, com profundas diferenças de instrução que se limita à formação intelectual por meio de ações que correspondem ao ensino. São dadas as instruções para o uso de um determinado equipamento, ensina-se como obter os melhores resultados, mas é preciso educar o que foi instruído (passado), analisar o que foi ensinado (mostrado), para daí esperar que a educação se processe. Assim, a educação se dá quando o aprendizado flui e modifica o seu entorno. Segundo Perrenoud  

“O professor deve administrar a progressão das aprendizagens – Conhecer o nível e as possibilidades de desenvolvimento dos alunos, além de acompanhar sua evolução e estabelecer objetivos claros de aprendizagem. Além de organizar e dirigir situações de aprendizagem – Planejar projetos didáticos, envolver os alunos nessas atividades e saber lidar com erros e obstáculos, envolve os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho, instigando o desejo da aprendizagem nos alunos, integrando-os nas decisões sobre as aulas por meio de atividades opcionais.”

            Na escola moderna circula com muita propriedade a ideia de que é preciso inovar como sendo a saída Para que a Educação cumpra o seu papel de propiciar aprendizado aos seus alunos, mas é preciso ação. É preciso políticas educacionais capazes de fazer o professor sentir-se agente do seu tempo, como mediador e sistematizador de conhecimentos universalizados na velocidade da luz. Se não há aprendizado, não há porque se discutir o ensino pelo ensino, tampouco não será prioridade sonhar com melhores condições  de vida.

(*) Sebastião Maciel Cos