Feito por Edilce Teresinha de Barros Miercalm

ENSAIO DO FILME LARANJA MECÂNICA – INDISCIPLINA E VIOLÊNCIA

Resumo

O filme se passa em uma época não especifica e Alex o protagonista, é o líder de uma gangue que tem como diversão a ultraviolência, estupros e musica clássica, especialmente Beethoven. Suas transgressões a ordem social o levam a prisão e de lá a um tratamento experimental de reabilitação, servindo como cobaia no processo. A partir deste momento o filme mostra as conseqüências do modelo de reabilitação utilizado. Faço alguns aportes sobre a violência e indisciplina nas escolas e a problemática envolvida como realidades que desafiam a organização do trabalho pedagógico por promoverem, em certa medida, uma forma de exclusão educacional e por extensão da própria aprendizagem.

Palavras-chave: Violência. Indisciplina. Escola.

Introdução

Este ensaio tem como objetivo principal analisar e contextualizar o filme Laranja Mecânica de Stanley Kubrick, filme britânico de 1971, que advém do romance A Clockwork Orange publicado por Anthony Burgess em 1962. O filme mostra um clima amedrontador e atormentador que nos leva a muitas perguntas sobre como é possível tanta violência em jovens que aparentemente conseguem discernir o certo e o errado e que praticam a violência por puro prazer. A história gira em torno de quatro jovens adolescentes membros de uma gangue onde suas atividades são roubar, espancar, estuprar, entre outras. A trajetória do líder da gangue é acompanhada desde a sua imaginação da pratica do mal até sua prisão onde será submetido a um tratamento que o limpa de todos os seus instintos agressivos em troca da redução de sua pena.

  Desenvolvimento

A sociedade esta a cada dia mais violenta, mas pensemos no dobro, triplo da violência que se tem hoje e em um futuro distante. Ela se torna um grande problema, mais pessoas entram do que saem dos presídios. O governo precisa arranjar uma solução para esse grande problema. A solução: fazer o mal se transformar no bem.

 O filme Laranja Mecânica deixa isto bem claro e à época de seu lançamento foi tido como uma fabula de ficção cientifica, porém o tema encontra-se bem presente em nossos dias.

 Alex é o chefe de um grupo de três delinqüentes juvenis que usam macacões brancos e chapéus pretos e uma bengala como arma. Ambos se comunicam através de um dialeto onde misturam termos russos e ingleses. O protagonista e narrador do filme é Alex, rapaz muito inteligente, porem imerso em sua contextualidade de sexo, drogas, violência e amor pela musica erudita de Ludwig Van Beethoven, que leva uma vida dupla: de dia é o filho adolescente de um casal de classe media e a noite se transforma em uma maquina de atrocidades capaz de espancar idosos bêbados, estuprar mulheres indefesas e agir com violência exagerada em qualquer situação banal. Alex e seus três “drugues” formam um grupo que adoram divertir-se sem limites, obtendo prazer através de atos violentos e criminosos. O enredo do filme é a violência desmedida onde o grupo de delinqüentes, logo no inicio do filme, bebem uma droga misturada ao leite que os faz liberar a ultra-violência.  Logo no início do filme, o grupo espanca um velho mendigo e massacra uma gangue rival. Tudo em nome da diversão. Em outra cena, simulam um pedido de socorro e pedem para usar o telefone de uma casa. Ao ser aberta a porta, espancam o escritor, dono da casa, deixando-o invalido e estupram sua esposa, que vem a falecer dois meses depois. Durante todo o ato de violência, Alex canta a musica Singin in the Rain, deixando a cena perturbadora porque a musica tem uma letra alegre, feliz, brincalhona:

 I'm singin' in the rain, Just singin' in the rain... What a glorious feeling, I'm happy again. I'm laughing at clouds, so dark up above. The sun's in my heart, and I'm ready for love. Let the stormy clouds chase, everyone from the place. Come on with the rain, I've a smile on my face. I'll walk down the lane, with a happy refrain. And I'm singin', just singin' in the rain. (Gene Kelly – Singin’ in the Rain)

O começo do fim de sua liberdade se da ao assaltar um SPA onde a proprietária se encontra sozinha e desconfia do pedido de socorro feito pelos jovens delinqüente e não abre aporta e neste ínterim liga para a polícia que se põe a caminho. Quando Alex entra por uma janela e acaba discutindo e matando a dona do SPA esmagando sua cabeça com uma escultura do local. Ao sair pela porta da frente é recebido com uma garrafada de leite na cabeça desferida por um de seus companheiros da gangue que chateados com seu comportamento o deixam caído na entrada da casa  onde é preso em flagrante.

Condenado a uma pesada pena, sua hipocrisia atrai as atenções de um capelão que acredita que o detento esteja encaminhando-se para uma conversão através da palavra de Deus que ele lia e recitava partes ao próprio capelão e outros funcionários que por perto se encontrassem. Porem em sua mente ele apenas sonhava com violência e cenas de sexo. Sabendo do tratamento experimental que por ali seria iniciado, Alex se candidata. O tratamento denominava-se do Método Ludovico e baseava-se em uma terapia de choque que foi aperfeiçoada pelos médicos para libertar os pais dos delinqüentes. É um método de lavagem cerebral que anula todo o livre-arbítrio na vitima. Porem ocorre um erro na programação para o jovem Alex que torna igualmente insuportável a musica de Beethoven.

Passado o tempo de tratamento Alex é liberto e volta para sua casa onde encontra seus pais juntamente com um jovem inquilino de seu antigo quarto e praticamente este jovem substituiu o lugar de filho no coração de seus pais. Rejeitado e perdido, sem ter para onde ir, perambula pelas ruas da cidade e acaba por encontrar o mendigo que outrora agrediu. Sendo reconhecido acaba sofrendo agressão de todos os mendigos que ali se encontravam. Não menos triste é que a policia chega para acabar com a violência e para espanto de Alex os policiais são dois de seus antigos companheiros da gangue que também o agridem, quase o matando. Sendo deixado na zona rural, busca refúgio em uma casa por perto sem se dar conta de que é a mesma casa onde praticara o estupro e agressão aos donos do lugar.

Sendo reconhecido pela vitima que sobreviveu, porém esta em uma cadeira de rodas, este trama uma vingança contra Alex para se vingar e ao mesmo tempo tramar contra o governo empurrando-o para o suicídio.

O plano de vingança é fazer com que Alex escute sem parar a Nona Sinfonia de Bethoven que foi usada no seu tratamento, fazendo com que ele se jogue pela janela.

Sobrevive e por sua vez o governo conservador conta com o jovem para ganhar da oposição. No hospital tratam-no com muitos cuidados e reverencia prometendo ao mesmo um futuro promissor. Hipocritamente ele concorda e esta decidido a utilizar a sua nova posição para satisfazer o seu gosto por violência e sexo.

Transportando esse assunto para dentro dos muros das escolas podemos ver que a indisciplina e a violência têm se tornado cada vez mais objeto de preocupação de professores e dos demais membros ligados à instituição escolar, a ponto de muitos manifestarem descrença no tocante à possibilidade de mudança desse quadro sombrio.

Podemos dizer que valores morais como justiça, honestidade, respeito mutuo estão banalizados porque quando em uma escola a violência se faz presente é sempre na forma de ameaça e assassinato de colegas e professores, depredação dos bens materiais, trafico e uso de drogas ilegais.

Segundo Silva (2004, p.80) a problemática da indisciplina e da violência na escola está, sem duvida, relacionada também com a impunidade, com o aumento exorbitante da ocorrência de situações de violência real e virtual, e com a maneira como tais tipos são apresentados pelos meios de comunicação de massa.

Outra causa que sem duvida contribuiu para o aumento da indisciplina e da violência nas escolas foi à falência das formas tradicionais de se combater tais fenômenos e, em contrapartida, de se impor disciplina.                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

De acordo com Aquino (1996, p.77) a instituição escolar não pode ser vista como reprodutora das experiências de opressão, de violência, de conflitos, advindas do plano macroestrutural. Para ele a escola também produz sua própria violência e sua própria indisciplina.

Refletindo sobre o enredo

O filme é bizarro em algumas cenas, mas acima de tudo é um filme inteligente que mostra o desvio de comportamento, apresenta um elemento psicossocial, o Behaviorismo, método usado para condicionar o protagonista.

Laranja Mecânica é um filme que deve ser visto, sobretudo, por sua capacidade de nos levar à reflexão sobre temas que, muitas vezes, passam-nos despercebidos:

  • A agressividade gratuita de pessoas que não possuem nenhum compromisso com a vida, ou quase sentem enfaradas com o que fazem, foi sempre uma constante na história da humanidade.

Infelizmente, nos dias de hoje, essa hostilidade é cada vez maior e, portanto, muito mais destrutiva.

  • Os pais, nem sempre, têm clareza daquilo que os filhos menores fazem, deixando-os à sua própria sorte, quando, muitas vezes, eles, precisam urgentemente de ajuda.
  •  O individuo está sempre à mercê do Estado, fragilizado nos seus direitos individuais, pois esses devem estar sempre em conformidade com o “desejo” do Estado vigente, seja qual for a ideologia de seu comandantes.
  •  A hipocrisia dos políticos que dizem proteger o cidadão ou a coletividade e quase sempre é com interesses escusos como se fossem direcionados ao bem comum mas, na realidade, é em interesse próprio ou de meta a ser atingida.
  •  Quando Alex perde a sua tendência para o mal, também perde a sua humanidade. Porque o homem precisa do mal e do bem para se tornar humano. Que sem o livre-arbítrio perde-se a natureza humana.
  •  A brutalidade institucionalizada é, muitas vezes, mais amendrotadora, pois parte dos responsáveis por assegurar os direitos individuais.

Há um contrate fascinante que é a ação de beber leite, que representa saúde, pureza e a musica clássica, que alude a clareza, equilíbrio.

Possuem um padrão nas vestimentas: macacões compridos e brancos, suspensórios brancos paralelos, botas de combate pretas e corridas. Usam uma espécie de coquilha externa e bem à mostra, mas igualmente branca, protegendo as genitálias.

Este filme pode ser encarado como importante critica ao Behaviorismo na abordagem psicológica no que compete ao condicionamento e ao desejo de uma sociedade previsível, controlada e padronizada.

Os métodos utilizados pela ciência para condicionar o Alex através do uso dos filmes, da musica, soro experimental, fizeram com que a violência fosse sendo substituída pela ânsia de vomito, tratando assim o mais puro behaviorismo, que consiste em “condicionar” o paciente a rejeitar todo comportamento anormal, neutralizando sua agressividade natural e transformando-o num “cidadão modelo”.

Conforme Maffesoli(1981, p.125) apud Áurea M. Guimarães, com o desaparecimento da coesão social, esvaziando a socialidade de sua força, de sua potencia, rompe-se a ressonância entre o micro e o macrocosmo e o que assistimos é o surgimento de uma modalidade de violência chamada de violência dos poderes instituídos, ou seja, dos órgãos burocrático, dos Estados, dos Serviço Publico.

 

Analise do comportamento

Alex era um jovem que aparentava não ser muito obediente a seus pais. Não se importava com seus compromissos escolares, sociais e domésticos, evidenciando um comportamento meio largado, com total falta de respeito pelas leis de sua sociedade, da família e a religião, demonstrado pelo seu complexo de superioridade. Como líder de uma gangue, ditava normas fazendo com que este grupo se tornasse a sua segunda família ou uma estrutura que era por eles usada para fugir da realidade por eles já negada há muito. Seguidamente Alex colocava sua autoridade a prova fazendo com que todos seus amigos o seguissem inclusive no vocabulário peculiar por ele utilizado.

Quando Alex nota que sua autoridade pode ser abalada, pois um assecla decide ditar regras ele impõe-se física e intelectualmente, reassumindo o comando.

Após cometer seu primeiro homicídio, é traído por seus companheiros, que já não agüentavam seu jeito de comando e egocentrismo. Alex demonstra após esse episodio que pouco se importava como o ser humano, mesmo sabendo que sofreria as conseqüências por seu ato e podendo controlar seus impulsos ele não o faz. Vai para a prisão e lá sofre as conseqüências da lei rígida. Apesar disso, sua personalidade mantém intacta até o momento em que é escolhido para ser submetido ao tratamento em que se candidatou como voluntario apesar da opinião contrária do diretor do presídio e do capelão. O tratamento visava ressocializar o indivíduo. Mas será que seria mesmo para este fim ou simplesmente para sair da prisão, para continuar com sua vida desregrada?

Com o tratamento o temperamento de Alex é profundamente afetado, passa de violentador a vítima, sendo alvo de vingança maquinada por parte da sociedade ferida que culmina com sua tentativa de suicídio e depois deste episodio sua personalidade violenta volta a manifestar-se.

Conforme afirmou Stanley Kubrick “Alex é daqueles personagens que pela lógica seria incapaz de atrair qualquer tipo de simpatia entre o publico que assiste ao filme, no entanto ao longo do filme, ele consegue-nos atrair para “o seu lado” e toda a desconfiança e antipatia que pudéssemos sentir por ele desaparece” e quase nos força a aceitar e a compreender o seu modo de vida.

Voltando o olhar para a escola, como qualquer outra instituição, esta planificada para que as pessoas sejam todas iguais. Há quem afirme; “quanto mais igual, mais fácil de dirigir”. Assim como a escola tem esse poder de dominação que não tolera as diferenças, ela também é recortada por formas de resistência que não se submetem às imposições das normas do dever-ser.

Porem como há uma pluralidade de ações não tem como praticar o principio da homogeneização por que a disciplina imposta, ao desconsiderar, por exemplo, o modo como são partilhados os espaços, o tempo, as relações afetuais entre os alunos, gera uma reação que explode na indisciplina incontrolável ou violência banal como afirma Aquino(1996, p78).

Quando o professor só se concentra na sua posição normalizadora achando que com isso ele conseguira eliminar os conflitos, Colombier afirma que:

 A sala de aula é o local onde se tece uma rede de relações. Mas na medida em que o professor não consegue perceber essa teia ele concentra os conflitos ou na sua pessoa, ou em alguns alunos, não o deslocando, portanto para o coletivo. Como não há reversibilidade de posições, forma-se uma rígida divisão entre aquele que sabe e impões e aquele que obedece e se revolta (Colombier, 1989, p.65).

 

Considerações finais

O filme é bastante violento, fisicamente e psicologicamente, com linguajar próprio, roupas da época o que o torna bastante interessante. As cenas de violência gratuita, assaltos e estupros chocam por serem feitos com muita “normalidade” e prendem atenção, ainda mais por ser muito real em nossa sociedade. Retrata a ação do governo na prisão, com um tratamento experimental mostrando ser tão violento quanto às delinqüências praticadas pelo protagonista e sua gangue, por ter lhe tirado o livre-arbítrio com o propósito de mudar e controlar e também a sociedade que o prendeu por motivo de violência e o recebe de volta com a mesma violência.

Essa violência que é mostrada no filme é atual e existe em nosso meio. Falo da violência de jovens que nunca alguém esperaria que fossem violentos, mas que, no entanto, matam os próprios pais, entram em um cinema e metralham toda a platéia, e outras mais. O cineasta nos mostra quando do consumo do leite que os jovens ao precisam se vestir necessariamente de preto, consumir álcool e drogas e nem escutar musicas violentas para cometer atos marginais.

Escutavam Beethoven, se vestiam de branco e bebiam leite. A máscara plástica que usavam era como se assumissem outra personalidade que não a familiar que os pais e pessoas mais próximas estão acostumados a ver. Tudo isso é uma metáfora.

Sendo Alex o narrador, expos durante todo o dialogo a sua visão, imaginação, simbologia, dos fatos e objetos, em uma linguagem visual, tátil e verbal diferente de um contexto social generalizado, que serviu para dizer que mesmo ele alucinado em suas concepções era cercado por violência disfarçada da qual todos faziam parte, inclusive um Ministro que lhe serviu comida na boca em troca de seu silencio.

Para Baudry (1988, p.5-17) na escola o conflito esta sempre presente, o que obriga a trabalhar, a cada momento, com todas as turbulências do dia-a-dia, localizando as formas através das quais elas se compõem em relação aos limites e às coerções da instituição.

Quando a escola não tem significado para os alunos, a mesma energia que os leva ao envolvimento, ao interesse, pode transformar-se em apatia ou explodir em indisciplina e violência.

Segundo Piaget (1932/1994: 169) o valor de uma punição não é mais medido pela sua severidade. O essencial é fazer ao culpado alguma coisa análoga à que ele mesmo fez, de maneira que compreenda o alcance de seus atos; ou, ainda, puni-lo pela conseqüência mateiral direta de sua falta, onde isto é possível.

A disciplina e violência consideradas como o grande mal que abala os pilares da escola , parece que advêm do descaso que a sociedade,  a família e do próprio governo na cooparticipação na educação de nossos alunos, ensinando-os os valores que são tão necessários como:  a democracia, as regras para a sã convivência, o respeito pelo outro, a solidariedade, a tolerância, o esforço pessoa e muitos outros.

Devemos educar nossos alunos jamais esquecendo que essas crianças e adolescentes também necessitam de carinho, afeto e atenção, que são seres humanos passíveis de erros e também de acertos.

 

Referências

AQUINO, Julio Groppa (org.). Indisciplina na escola: Alternativas teórica e práticas. São Paulo: Summus, 1996.

BAUDRY, P. Approche Sociologique de La violence. Cahiers Iternationaux de Sociologie. Paris: Presses Universitaires de France, v.LXXXIV, 5-17.

COLOMBIER, C. e outros. A violência na escola. São Paulo: Summus Editorial, 1989, p.65.

KUBRICK, Stanley. Laranja Mecânica (A Clockwork Orange). Reino Unido, 1971.

MAFFESOLI, M. A violência totalitária: ensaio de antropologia política. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p.125.

PIAGET, J. O juízo moral da criança. São Paulo: Summus,1932/1994, p.164.                               

SILVA, Nelson Pedro. Ética, indisciplina & violência nas escolas. Petropolis, RJ: Vozes, 2004.