Nos últimos meses, vemos um fluxo constante de informações sobre a COVID-19 (Corona Vírus Doença –2019) que parece não ter mais fim. Está se tornando comum termos como: pandemia, novo coronavírus, fique em casa, não saia, use máscara, álcool em gel, lave as mãos, uso ou não da cloroquina, mortes, leitos, respiradores etc. Essa linguagem está demasiada cansativa, porque é repetida inúmeras vezes diariamente pelos mais variados meios de comunicação. No entanto, em alguns lugares pelo mundo a fora essa enxurrada de termos e preocupações pode estar ocultando outras questões.

Um exemplo disso é o que mais recentemente aconteceu nos Estados Unidos. O surgimento de um “novo problema”, o racismo. É uma ferida amarga gravada nos corações e mentes daquele povo, bravo e guerreiro, que enfrentou todos os contratempos possíveis em sua história, mas que, ainda a duras penas, se suporta em suas diferenças étnicas. A morte de George Floyd, além de impulsionar movimentos e manifestações contra o racismo na terra dos yankees, também trouxe à tona uma questão delicada: nem um vírus imparcial nas suas fatalidades é capaz de apagar as veias escancaradas do racismo. No momento em que deveria estar acontecendo como parecia estar, uma união dos povos em prol do bem comum, essa triste “novidade” eclode.

O caso George Floyd e o movimento gerado por sua morte não são novidade para os norte-americanos. Nas cidades de Savannah, Georgia em 19 de junho de 1963 e Birmingham, Alabama em maio de 1963, houve manifestações de repúdio ao racismo. Porém, nada se comparou com 11 de agosto de 1965 quando um jovem negro chamado Marquette Frye foi preso injustamente e agredido em uma batida policial em Los Angeles. Este fato foi considerado o estopim de uma crise racial, gestada entre polícia e afro-americanos a muito tempo pelas ruas daquela cidade. Imóveis foram saqueados, destruídos, pessoas morreram em confrontos nas ruas, uma verdadeira guerra civil de seis dias estourou na cidade dos Anjos. Será que tudo isso valeu apena? Bom, parece que não!

Vinte e sete anos depois na mesma Los Angeles, essa triste realidade se repetiu por quatro dias. No dia 3 de março de 1991, o jovem negro Rodney Glen King foi detido injustamente e espancado brutalmente na rua. Um cinegrafista amador captou as imagens da ação brutal da polícia. Rodney teve diversos traumas físicos. Os policiais foram mais tarde julgados e, no dia 29 de abril de 1992, considerados inocentes, em um tribunal majoritariamente branco. Isso gerou uma revolta que deixou Los Angeles em chamas com mais de 7000 incêndios e uma multiplicidade tremenda de crimes e mortes em protesto ao julgamento injusto. Será que essa onda de violência resolveu o problema? Mais uma vez a resposta é um sonoro “Não”!

O ocorrido em 25 de maio de 2020 em Minneapolis, Minnesota com George Floyd Jr só reacende nas mentes e corações dos yankees essa sensação de um Déjà vu irracional que volta da tumba a exatos 28 anos. As coisas costumam se repetir quando não são bem resolvidas. E se não bastasse, costumam vir à tona em tempos tempestuosos e pandêmicos como agora para assombrar e recordar que ainda resta algo a ser feito mesmo a beira do abismo. Será possível que precisaremos de algo mais forte que uma pandemia para que nossas diferenças sejam postas de lado?

É verdade que na busca por direitos iguais e justiça são validas as manifestações que tendem a lutar contra a banalidade da violência em prol da vida humana e sua dignidade intrínseca, que transpõe barreiras culturais, étnicas, religiosas, sexuais e nacionais. Mas deve-se refletir sobre os métodos de reivindicar esses direitos: violência, depredação de patrimônios públicos e privados não parece ser o caminho adequado. Afinal, as pessoas têm a liberdade de se expressar da melhor forma que quiserem, mas desde que não venham a ferir a dignidade, a liberdade e os direitos dos demais que muitas vezes não tem nenhum tipo de ligação ou interesse no assunto.

 As pessoas não podem se deixar simplesmente levar por uma balburdia e gritaria, na qual elas próprias muitas vezes nem acreditam e nem compreendem direito. É preciso sim analisar e trabalhar com fatos objetivos e não se deixar conduzir por sentimentalismos ou crenças pessoais que são altamente inflamáveis em um mundo cada vez mais regido pela pós verdade e, por conseguinte, pelo relativismo.

Enfim, muita coisa está em jogo e é necessário discernimento criterioso sobre até que ponto a opinião individual acalentada pela emoção deve se sobressair, a liberdade, a dignidade humana, ao direito a propriedade e a tantas outras leis e direitos que as nações asseguram aos seus cidadãos. Que a luta pelos direitos e pela dignidade humana seja pautada por questões e fatos objetivos e concretos e não como válvula de escape emocional-irracional que só trazem medo e desordem. Está mais que comprovado que violência só gera violência, o diálogo sincero e aberto ainda é uma alternativa importante e que não caiu de moda mesmo na incerteza de um tempo pandêmico.