EMILIA FERREIRO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO                             

Iara Vieira Mitre

Juliana Bolivar Martins Vieira

Resumo

Este artigo trata das contribuições do trabalho da pesquisadora Emília Ferreiro para a educação no Brasil ao longo das três últimas décadas, considerando especialmente o impacto de seu trabalho no que se refere à alfabetização e letramento. Em uma breve retomada de seu percurso acadêmico, que é atravessado pela obra de Piaget, é clara a sua importância para a difusão do construtivismo no país. Ao mesmo tempo, a partir de análises sobre suas principais obras, pode-se perceber claramente que suas ideias foram inovadoras e marcantes no contexto em que surgiram. Cabe ressaltar, ainda, que o objetivo desse estudo não se restringe ao histórico, mas busca avaliar o impacto das ideias de Ferreiro na realidade escolar brasileira da atualidade.

Palavras-chave: Construtivismo; Emilia Ferreiro; Alfabetização; Psicogênese da língua escrita

Introdução

Este artigo tem por objetivo discorrer a respeito das contribuições do trabalho de Emília Ferreiro para a educação no que se refere às teorias e práticas de ensino no Brasil ao longo das últimas três décadas, bem como analisar a influência que a autora teve para pesquisadores que se apoiaram em seu trabalho. Para tanto, se faz importante apresentar brevemente Emilia Ferreiro, para então comentar suas principais obras, buscando investigar o impacto que seu trabalho exerceu ou mesmo ainda exerce nas escolas, especialmente quanto às abordagens para alfabetização e letramento.

            Entre as décadas de 1970 e 1980, o construtivismo na educação ganhou força como alternativa inovadora frente à tendência formalista moderna, como era definida a linha da escola tradicional que até hoje se faz presente no sistema de educação. Tal linha caracterizava-se pela imagem do aluno passivo e do processo de educação centrado no professor, consistindo num processo autoritário, em que o aluno era visto como recebedor e memorizador de conteúdo.

Segundo Mello (2007) As ideias difundidas por essa importante obra vieram a contestar essa visão retrógrada, especialmente no que se refere à alfabetização, ao apontar que as crianças constroem seu próprio conhecimento a partir de hipóteses por ela formuladas, ou seja, ao invés de recebedores passivos, são as crianças os verdadeiros agentes nesse processo. A introdução e popularização dessa nova e reflexiva abordagem, ainda mais que se refere à alfabetização, marco fundamental do ensino, se mostra indiscutivelmente relevante.

Por essa razão, esse artigo propõe analisar os principais trabalhos da teórica Emilia Ferreiro, verificando seu impacto para a alfabetização e o letramento. Assim, tem por objetivo perguntar a respeito de sua contribuição não somente à época em que surgiu, mas também de observar a repercussão na atualidade, em contexto tecnológico e social radicalmente diferente daquele em que essas ideias surgiram e se impuseram.

Metodologia

A metodologia utilizada para a concretização deste estudo foi a pesquisa bibliográfica, voltada à análise dos principais trabalhos da teórica Emilia Ferreiro, verificando seu impacto para a alfabetização e o letramento. Esta pesquisa fornece ao investigador uma abordagem ampla e satisfatória sobre as contribuições desta renomada autora, bem como repercussões das mesmas na atualidade. Para a pesquisa e coleta de dados foram utilizados livros, artigos científicos de bases de dados reconhecidas e periódicos abordando o assunto, bem como biografias.

Pesquisadores como Azenha, Moreira, Mello e Souza foram utilizados para a construção do embasamento deste artigo, proporcionando o conhecimento aprofundado necessário à conclusão deste estudo. Assim, a partir do percurso construído por tais autores, torna-se possível ampliar reflexões e explorar o tema proposto, para se inferir a respeito da contribuição de Emília Ferreiro ao ensino e à alfabetização, considerando o caráter inovador de seu trabalho no contexto em que foi construído, bem como avaliando o peso que tem, a longo prazo, na prática educacional brasileira.

Sendo Emilia Ferreiro e seu trabalho amplamente difundidos, discutidos e explorados no campo da pedagogia, vale considerar que a pesquisa sustentada por artigos, estudos de campo previamente realizados, relatos e livros publicados, já são numerosos e oferecem material de discussão suficiente às análises e questionamentos pretendidos.

As análises propostas nesse artigo serão fundamentadas pelos próprios textos da autora, a partir dos quais se pretende apreender teorias e conceitos por ela formulados, para observar de que maneira se fazem presentes na alfabetização desde a década de 1970-80. Ainda, a partir de textos de pesquisadores que são referência no assunto, torna-se possível avaliar o impacto do trabalho de Emilia Ferreiro para a alfabetização e o letramento na educação brasileira, análise essa que será beneficiada por artigos e relatos que venham a tratar das repercussões e particularidades da obra de Emilia Ferreiro no Brasil.

 

 Resultados e Discussão

Para analisar as contribuições e o impacto do trabalho de Emilia Ferreiro nas práticas de ensino e alfabetização no Brasil, é importante, inicialmente, mencionar alguns detalhes de sua biografia e percurso acadêmico, bem como comentar brevemente a respeito de suas principais obras, feitos e publicações.

De acordo com Azenha (1993), a pesquisadora em questão se define como um dos principais nomes relacionados ao construtivismo e sua evolução. Nascida em 1936, na Argentina, Emilia Ferreiro concluiu seus estudos de pós-graduação em Genebra nos anos 1970, sob orientação de Jean Piaget, pensador suíço renomado e mundialmente reconhecido como um dos principais responsáveis pela aplicação dos princípios construtivistas na educação. Cerca de uma década após, é lançado no Brasil o livro “Psicogênese da Língua Escrita”, que tem Ana Teberosky como co-autora e constitui-se como importante obra para o estabelecimento do construtivismo no Brasil. A pedagoga passou a desenvolver pesquisas que a levariam a desenvolver seu pensamento acerca da psicogênese da língua escrita. Emilia Ferreiro ainda é viva e leciona na Cidade do México.

A partir desse breve apresentação e análise a respeito do trabalho da autora, vale trazer algumas definições sobre o construtivismo enquanto linha teórica, comentando a respeito das particularidades e contribuições que o trabalho de Emilia Ferreiro trouxe ao pensamento construtivista. Para entender o caráter inovador do pensamento construtivista, se faz importante discutir o contexto no qual seria inserido na década de 1970-80, vez que visava apresentar-se como melhor alternativa frente a um sistema mais hierárquico, tradicionalista, fechado e autoritário de ensinar, ao qual podemos nos referir como Tendência Educacional Formalista Clássica ou, mais popularmente, Escola Tradicional, sobre a qual se pode considerar o seguinte:

˜O papel desta escola formal era meramente o de transmitir os conteúdos. O professor era tido como o centro do processo ensino-aprendizagem e deveria expor seus conteúdos diretamente no quadro (Moreira, 2015, p.7)

Segundo Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1985), as falhas no processo de alfabetização se deviam aos métodos e testes aplicados, visto que, de acordo com o construtivismo, é o indivíduo que constrói seu conhecimento a partir das hipóteses que formulam, com intuito de compreender fenômenos. Outro ponto importante refere-se a concepção acerca do processo de alfabetização. Para a autora, a língua escrita consiste em representação da linguagem e não como processo de codificação e decodificação simplesmente.

Todavia, a partir de Mello (2005) cabe ressaltar que o construtivismo se define como uma concepção a respeito das formas de aprendizagem, que não estabelece métodos rígidos ou técnicas padronizadas para a transmissão de saberes. Justo por sua natureza centrada na aquisição do conhecimento pelo indivíduo, a partir daquilo que ele vivencia.

Para Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1985), a criança em processo de alfabetização passa pelas seguintes etapas: fase pré-silábica, quando não associa letras aos sons falados; fase silábica, na qual passa a atribuir sentido de sílaba às letras; fase silábico-alfabética, em que evolui para identificar corretamente algumas sílabas e, por fim, fase alfabética, na qual interpreta corretamente letras e sílabas e passa a ler, efetivamente.

De acordo com Mello (2007) possível considerar que certamente Emília Ferreiro lançou o olhar construtivista para a alfabetização, visto que essa linha é caracterizada por defender que o conhecimento se constrói pelo indivíduo, a partir de suas experiências. Dessa maneira, a criança se apropria da língua escrita a partir de seus próprios recursos. Ou seja, o conhecimento não é trazido pelo professor de maneira linear e autoritária, mas sim elaborado em um processo que situa o indivíduo como protagonista de seus saberes. Todo esse referencial foi bastante inovador, ao surgir em contraste com a tendência formalista, em que o ensino se caracterizava-se por seu aspecto rígido, centrado na figura do professor.

No período considerado, essas ideias se popularizaram rapidamente, vez que os métodos tradicionais na década de 1980 vinham sendo associados a indíces bastante desfavoráveis no que se refere à alfabetização, tendo refletido em um alto número de reprovações no primeiro ano escolar. Nesse contexto, Moreira (2014) aponta que a abordagem e os estudos de Emilia Ferreiro se mostraram impactantes no período, inclusive acarretando modificações aos parâmetros curriculares nacionais, com a adoção do Ciclo Básico de Alfabetização.

 Em termos práticos, os conceitos propostos em “Psicogênese da Língua Escrita” sugerem que a intermediação do educador no processo de alfabetização pelo aluno deve estar focada no oferecimento de um ambiente rico e propício ao letramento, em que haja um contato favorável com a leitura e a escrita.

Tendo resumido brevemente o trabalho e percurso da autora, bem como revisto os conceitos principais que caracterizam seu trabalho, é possível melhor analisar o impacto de suas ideias na prática do ensino e alfabetização no Brasil, não somente à época em que Ferreiro estava em plena atividade. Após mais de três décadas da publicação da obra "Psicogênese da Língua Escrita", é inegável seu peso até os dias atuais. Conforme destaca Moreira (2014), além da referida obra, Emilia Ferreiro publicou uma gama generosa de artigos, livros e capítulos de livros que a consolidam como nome de peso na história da alfabetização no Brasil. 

Conclusão

A revisão e análise da obra de Emilia Ferreiro no Brasil, bem como a leitura de textos acadêmicos que buscaram estudar suas contribuições, certamente permitem inferir que sua contribuição foi vultuosa no que se refere às práticas de alfabetização e letramento no Brasil. O peso de suas teorias e caráter inovador de suas teorias e estudos, permite inclusive situá-la como marco na introdução do pensamento construtivista na alfabetização.

Conforme aponta a literatura sobre a qual se apoiou esse artigo, no contexto em que as ideias de Emilia Ferreiro se fizeram notáveis, os índices de alfabetização se apresentavam notadamente desfavoráveis e Emilia Ferreira atribuía tal insucesso às práticas de ensino rígidas e lineares vigentes na época. Contudo, apesar de problematizar os métodos em questão, Emilia Ferreiro não propunha técnicas fechadas de alfabetização, mas defendia que o papel essencial do educador não era o de transmitir saberes prontos aos indivíduos em processo de alfabetização, mas o de propiciar condições para que os alunos fizessem suas descobertas e avançassem no processo de letramento em todas as suas fases.

É possível notar que essa abordagem, além de modificadora em termos de qualidade de ensino vem a se apresentar como mais atrativa e interessante aos alunos, sabidamente protagonistas das conquistas no letramento. Além desse avanço qualitativo, os princípios defendidos por Ferreiro se mostraram eficazes a ponto de justificarem modificações curriculares expressivas.

Por fim, considerando os efeitos práticos de seu pensamento na época em que seus principais trabalhos foram lançados, bem como a expressividade que ainda tem para a alfabetização contemporânea, Emilia Ferreiro seguramente mantém-se como um dos nomes mais expressivos no que diz respeito à alfabetização, enquanto estabelece-se como precursora do pensamento construtivista aplicado às práticas de ensino para o letramento no Brasil.

Referências

AZENHA, Maria da Graça. Construtivismo: de Piaget a Emilia Ferreiro. São Paulo: Ática, 1993

FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. Tradução Horácio Gonzales. São Paulo: Cortez, 2000.

FERREIRO, Emilia & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua escrita. Tradução de Diana M. Linchestein e outros. Porte Alegre: Artes Médicas, 1985.

MOREIRA, Geraldo Eustáquio. As Contribuições de Emília Ferreiro ao Processo De Alfabetização. Itinerarius Reflectionis, [S.l.], v. 10, n. 2, mar. 2015.

MELLO, Márcia Cristina de Oliveira. A contribuição do pensamento de Emilia Ferreiro para a História da alfabetização no Brasil

MELLO, Márcia Cristina de Oliveira. O pensamento de Emilia Ferreiro sobre alfabetização. Revista Moçambras: acolhendo a alfabetização nos países de língua portuguesa, São Paulo, ano 1, n. 2, 2007. Disponível em: . Publicado em: março 2007.