Resumo

Este artigo consiste na análise sobre a profissão docente, para tanto, procurou-se investigar as contribuições que a Sociologia oferece para a educação e a profissão docente, para tanto, utilizamo-nos dos escritos deixados por Émile Durkheim para compreendermos qual o papel da educação na sociedade. Objetivou-se destacar o modo pelo qual sociedade e individuo são formados e qual a função da educação nesse processo, considerando nossa atual realidade educacional. A breve revisão bibliográfica permitiu destacar pontos primordiais sobre a teoria Durkheiminiana, levando-nos a conclusão de que nossas ações enquanto profissionais docentes estão carregadas de ideologias e condutas morais e, mesmo que não tenhamos consciência, contribuímos significativamente para a manutenção da organização social, moral, étnica da sociedade bem como para seu desenvolvimento.

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Introdução

Muitas são as pesquisas que se questionam sobre qual a função da Educação, afinal, para que desempenhamos a tarefa de educar? Facilmente podemos responder que a educação tem como principal papel inserir o aluno em sociedade, no entanto, ao realizarmos essa afirmação, acabamos por gerar outras dúvidas, afinal que sociedade é essa de que tanto se fala se vivemos inseridos em uma multiculturalidade? Há uma sociedade uniforme que torna possível propor a mesma educação a todos? Há de fato uma educação única em nosso país?

Tais questionamentos não são tão facilmente respondidos, no entanto é possível compreender o modo pelo qual a educação tem se desenvolvido e como a mesma está em função da sociedade em que vivemos. De fato, não há uma única educação brasileira, mas há finalidades que se assemelham, em outras palavras, há características comuns que qualificam o papel da educação.

Tais finalidades são impostas pelo conjunto moral que há designado em cada sociedade, embora em um mesmo país haja diversas classes sociais e culturais como ocorre no Brasil, há também normas e regras morais que são as mesmas em todo território nacional. Essas normas orientam a base educacional e direcionam o caminho pelo qual o país e a sociedade pretendem conduzir seu desenvolvimento.

Desse modo, a educação exerce um poder de influência sobre os indivíduos, procurando inserir em sua formação valores sociais coletivos, que contribuam para a regularização e predomínio do bem comum. Tal pressuposto é defendido pelo sociólogo Émile Durkheim que defende a premissa de que o individuo deve ser formado pela sociedade e atribui à educação papel primordial nesse processo.

Para estudarmos as contribuições de Émile Durkheim para a educação realizaremos um diálogo entre as ideias do autor e nossa educação atual, procurando destacar o papel do professor nesse contexto.

1 Émile Durkheim e os fatos sociais

Durkheim (1859 – 1917) foi um sociólogo francês que viveu em um momento de ascensão do capitalismo no qual o individualismo estava se sobrepondo ao bem comum, fator esse que pode ter influenciado o autor a escrever sua teoria valorizando o bem coletivo e a organização social acima da particularidade de cada pessoa. Para o referido a individualidade não é algo que inexista na sociedade, no entanto somos formados pela moral comum que organiza o meio em que estamos inseridos, assim dedicou – se a estudar os fatos sociais e como os mesmos influenciam a formação dos sujeitos que compõem a sociedade.

Nem toda ação que ocorre na sociedade pode ser considerado como um fato social há algumas que estão intimamente relacionados à natureza humana e não se caracterizam como uma regra de conduta, pois ocorrem indistintamente como comer, dormir etc. Por isso Durkheim esclarece que todo fato social deve ser compreendido a partir de três características que diferem os fatos sociais daqueles que estão ligados ao âmago da natureza humana que são a exterioridade, a coerção e a generalidade.

Para que um fato seja considerado como social primeiramente ele tem que ser exterior ao individuo, ou seja, o ato de comer, beber, dormir não é característico como fato social porque o ser humano precisa cometer essas ações para sobreviver, sendo assim não são impostas por regras ou normas morais.  A esse respeito, Silva (2005, p.3) esclarece que:

Há certos fatos que ocorrem na sociedade, como, por exemplo, comer, beber, dormir, que são intrínsecos à natureza humana, isto é, são maneiras de agir que não se encontram instituídas como regras de conduta, fora das consciências individuais. Quer dizer, nas diversas sociedades jamais existiram normas de comportamento que, implícita ou explicitamente, obrigassem as pessoas a comer, beber ou dormir. Se essas normas existem, é para obrigar as pessoas a comer, beber ou dormir de uma determinada maneira, mas não para executar o ato em si. As regras de conduta que existem no exterior das consciências particulares se referem aos atos religiosos, políticos, profissionais, conjugais, etc. São regras que, independentemente de estarem presentes nas consciências individuais, se encontram instituídas na consciência coletiva.

É preciso também que haja a coerção, é preciso que o fato exerça poder sobre o individuo, é o que acontece quando sabemos que temos que trabalhar, estudar, adquirir bens, casa própria, carro etc. São condutas impostas socialmente e que, mesmo que não estejamos conscientes dessas imposições, acabamos por obedecer a moral estabelecida.  À esse respeito, destacamos:

O fato, para ser social, além de ser exterior ao indivíduo, deve exercer um poder imperativo e coercitivo sobre os indivíduos. É o caso das crenças religiosas, políticas, dos deveres dos pais, dos deveres dos cônjuges, das modas, dos preceitos profissionais, etc. O poder de coerção dessas maneiras de agir, de pensar e de sentir, se manifesta na obrigatoriedade com que os indivíduos devem seguir as regras socialmente instituídas fora das consciências individuais. A consciência coletiva estabelece que, por exemplo, os pais devem cuidar dos filhos até a maioridade e que os filhos devem respeitar os pais. Se pais e filhos não cumprem estas determinações da consciência coletiva, explicitamente, por meio das leis ou da opinião pública, eles são punidos pela moral social. (Silva, 2005, p.3)

E por último, o fato social deve ser generalizado, ou seja, deve existir na consciência da maioria das pessoas que fazem parte daquela sociedade. Desse modo, o fato se torna social quando há um entendimento de que é preciso cumprir alguma regra moral externa as ações naturais do ser humano e a maior parte da população aceita essa imposição. Ainda citando Silva (2005, p.4), assinalamos que:

Quanto mais geral é o fato social, maior é o poder de coerção que ele exerce sobre o indivíduo. Isto significa dizer que, quanto menos extensos são os valores ou as regras de conduta, menor é a sanção da sociedade sobre os indivíduos que os desrespeitam e, ao contrário, quanto mais extensos são estes valores ou regras de conduta, mais severa é a sanção da sociedade sobre os infratores.

Desse modo, a organização social compreende normas e regras morais que são impostas pela sociedade ao individuo, e por sua vez, este último acata a coerção exercida socialmente haja vista que se agir contrariamente ao que é posto, sofre sanções e penalidades sociais. Podemos citar como exemplo àquele individuo que comete um roubo, ele é punido de acordo com as normas e regras da sociedade em que está inserido, no Brasil pode ser privado de sua liberdade, em alguns países do oriente pode ter suas mãos amputadas.

 Cada sociedade organiza-se diferenciadamente de acordo com seus valores, crenças, religião entre outros fatores, essas normas estabelecidas não foram criadas individualmente, mas são o “produto da vida em comum e exprimem as suas necessidades.  São até, na maior parte, obra das gerações anteriores”. (DURKHEIM, 2007, p.45)

Para Durkheim, as sociedades evoluem de uma forma inferior para uma superior, nessa mudança, os indivíduos deixam se agir coletivamente apenas porque possuem semelhanças entre si e passar a agir coletivamente porque precisam, porque passa a ocorrer uma dependência entre os indivíduos. Para essa forma inferior de sociedade, o autor nomeia como Solidariedade Mecânica, para a forma superior Solidariedade Orgânica. Lucena (2010, p.297) assevera que:

Na solidariedade mecânica os homens estão unidos a partir da semelhança de valores expressos na religião, tradição ou sentimento comum. Este é um tipo de solidariedade à qual a sociedade tem coerência porque os indivíduos ainda não se diferenciam. A solidariedade orgânica, por sua vez, é diferente da solidariedade mecânica. Solidariedade orgânica é aquela em que o consenso resulta de uma diferenciação, ou se exprime por seu intermédio. Dentro desta concepção, os homens não se assemelham, sendo diferentes entre si. A união desses homens só é possível a partir da dependência que um tem do outro para realizar alguma atividade social.

Isto posto, se as sociedades evoluem ao longo do tempo, existem concomitantemente sociedades primitivas e as mais evoluídas com organizações mais complexas, no entanto em ambas é sempre a sociedade que predomina sobre o individuo, pois este deve moldar-se as normas pré-estabelecidas. Nas sociedades primitivas a coerção existe porque os indivíduos se assemelham, em contrapartida, nas sociedades mais evoluídas há mais autonomia, pois a divisão social do trabalho exige uma maior individualidade, no entanto aumenta a interdependência, mantendo a coesão social porque precisam uns dos outros.

Nessa perspectiva, os sujeitos devem ser inseridos nas regras morais existentes na sociedade desde a mais tenra idade, para que possam dar prosseguimento a ordem e ao desenvolvimento social, é preciso que ocorra a internalização dos costumes para que não haja o que Durkheim chama de anomia social, quando os indivíduos perdem a identidade social, momento pelo qual a organização social e interrompida e ocorrem quase que sempre de maneira brusca as mudanças sociais.

Nesse emaranhado, a educação torna-se fundamental para que a coesão social seja estabelecida, haja vista que a criança passa a ser educada desde o seu nascimento pela família, a igreja e posteriormente a escola. Estas instituições configuram-se como reguladoras, as quais ensinam aos mais jovens as regras morais que precisam ser assimiladas para que a vida em sociedade torne-se possível.

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