Embargos Infringentes na remessa necessária.

 

Ana Beatriz Araújo Portela

 Roberto Almeida Mendes Junior

 

1 Introdução 2 Reexame Necessário 2.1 Natureza Jurídica  2.1.1 Princípios recursais 3 Outras Prerrogativas 4 Embargos Infringentes 4.1 Possibilidade de Embargos Infringentes 4.2 A impossibilidade de Embargos Infringentes 5 Conclusão.

 

RESUMO

Em um primeiro momento, define-se o reexame necessário, trazendo vários posicionamentos doutrinários e parâmetros legislativos. Posteriormente faz-se uma análise quanto a natureza jurídica do recurso, sendo mister para tal a posterior indicação dos princípios recursais. Elucidou-se a possibilidade de embargos infringentes de acordo com entendimento sumular. O caráter de prerrogativa ou privilégio da Fazenda Pública também é elucidado na pesquisa.

 

PALAVRAS CHAVE: REMESSA NECESSÁRIA. NATUREZA JURÍDICA. PRINCIPIOS. POSSIBILIDADE. EMBARGOS INFIRGENTES.

 

1. Introdução:

Em 2001, o Código de Processo Civil sofreu uma modificação em seu art. 475 através da lei 10.352, trazendo algumas prerrogativas à Fazenda Pública, e trazendo ressalvas as mesmas em seus §§ 2° e 3°. O direito brasileiro prevê, de forma taxativa, várias espécies de recursos, entretanto, a remessa necessária não é prevista nesse rol, fato que tem sido tema de relevantes discussões no meio jurídico, de tal forma que é trazido nessa pesquisa como embasador do tema principal. Para isso, é necessário percorrer por diversos entendimentos doutrinários acerca do assunto, sendo a pesquisa preponderantemente bibliográfica.

 

1. Reexame Necessário:

A remessa necessária se encontra no art. 475 do Código de Processo Civil, este enuncia as hipóteses em que, obrigatoriamente, de forma involuntária, se exercerá o duplo grau de jurisdição, este dispositivo trata da prerrogativa da Fazenda Pública de ter os autos do processo automaticamente remessados ao órgão ad quem, para que o mesmo possa fazer uma reanálise do pleito, ou da lide.

Está sujeito ao duplo grau de jurisdição , não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença; I proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). §1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. §2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor. § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

            Desta forma, é necessário frisar que o reexame necessário alcança apenas as sentenças, não atingindo as decisões interlocutórias proferidas contra as pessoas jurídicas de direito público, cabendo a exceção de quando a decisão puser fim a parte do mérito da causa podendo estar imune a coisa julgada material, devendo, portanto, caber o reexame necessário (DIDIER, 2013).

            Caso haja enquadramento em uma das hipóteses do Art. 475, já citado, o juiz deverá, ex officio, determinar a remessa dos autos ao tribunal que lhe seja hierarquicamente superior e que esteja vinculado funcionalmente, caso contrário, não haverá trânsito em julgado de acordo com Súmula do STF n° 423, a qual afirma que “não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso "ex officio", que se considera interposto "ex lege"”. O juiz poderá a qualquer momento corrigir a omissão, sem haver preclusão quanto a matéria, e poderá também o presidente do tribunal avocar os autos assim disposto no §1° do artigo supracitado.

1.1. Natureza Jurídica:

Primeiramente é necessário trazermos a definição de recurso, que segundo Barbosa Moreira se trata de “remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna (grifo nosso)”. Tal conceito é bem esclarecedor quanto a natureza jurídica do recurso no que tange a voluntariedade, desta forma, Didier (2013), traz que a remessa necessária não se trata de recurso, uma vez que no direito brasileiro, recurso é remédio voluntário.

O reexame necessário não é um recurso, exatamente por estar previsto como tal no Código de Processo Civil, não atendendo, portanto, à regra da taxatividade. O reexame necessário não integra o rol taxativo de recursos, previsto no art. 496 do CPC, nem é tratado como recurso em qualquer outro diploma legal (    DIDIER, p. 531, 2013).

            Desta forma, seguir-se-á o entendimento majoritário de que a remessa necessária não possui natureza jurídica recursal. O entendimento que a remessa necessária não se trata de um recurso é claro por não ser um meio voluntário e por não estar no rol do art. 496 do CPC, Didier (2013), conclui de forma concisa que “o reexame reveste-se de natureza de condição de eficácia da sentença, não ostentando feição de recurso”.

A doutrina, de modo reiterado, admite que o reexame necessário não tem natureza recursal, porque não se encontra topologicamente previsto no art. 496 do CPC ( LGL 1973\5 ) ou em leis especiais, mas no tópico relativo à coisa julgada. Inexiste inconformismo recursal ou a sucumbência do julgador, a quem incumbe a iniciativa do recurso ex officio e, ainda, não há prazo previsto para a remessa, nem preclusão a respeito (CIANCI, p. 01, 2002).

           

            Entende-se que o legislador preocupou-se em impedir uma possível execução provisória contra a fazenda pública, tendo também se preocupado em garantir o interesse público, devendo a decisão ser afirmada e reafirmada pelo judiciário. Assim, Mirna Cianci conclui que a remessa necessária nada tem a ver com a possibilidade de omissão recursal, mas sim, associa-se com a “necessidade de evitar dano irreparável ou de incerta reparação que decorre de decisões a respeito das quais não se estabeleceu o indispensável debate jurídico” (CIANCI, 2002).

            Além dos fundamentos já apresentados de não haver consonância com a regra da taxatividade, ressaltamos que a remessa necessária não está sujeita a prazo, não se segui o requisito de regularidade formal, desta forma não se exige do recorrente que formule pedido a fim de obter nova decisão bem como as razões de fato e de direito que a fundamentaria. Destacamos novamente que o recurso é ato voluntario, devendo as partes interessadas e legitimadas provocarem o judiciário a fim de que se possa ser reapreciada a decisão, ou parte dela a depender do caso concreto, a inobservância de tal elemento, fere profundamente o princípio dispositivo, a ser estudado no próximo capítulo.

1.2. Princípios Recursais:

           

            É necessário fazer uma explanação da importância dos princípios no estudo do direito, para isso traz-se as palavras de Nelson Luiz Pinto que em seu Manual dos Recursos Cíveis explana que os princípios, em suma, são regras não escritas que decorrem de outras regras escritas ou de um conjunto de regras ou do sistema jurídico como um todo, orientando o direito positivo e a elaboração de regras.

            O princípio do duplo grau de jurisdição é encontrado em nossa carta magna em seu art. 5°, LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Desta forma, a remessa necessária toma fundamento de validade em uma norma constitucional, ao garantir à Fazenda Pública a reapreciação obrigatória dos autos em processos que tenha sido vencido, salvo exceções dos §§1° e 2° do art. 475 CPC. Entretanto, alguns doutrinadores discordam que o principio do duplo grau de jurisdição tenha base constitucional pois o recurso deve ser entendido em sentido estrito e somente devendo ser criado a partir de uma lei infraconstitucional. Daí a necessária análise desse recurso quando se fala da natureza jurídica da remessa necessária. Nelson Luiz Pinto dispõe que:

[...] a maioria da doutrina sustenta não ter base constitucional o principio do duplo grau de jurisdição, senão decorrer do sistema processual infraconstitucional (cf, dentre outras, Grinover, Magalhães e Scarance; Barbosa Moreita e Nelson Nery Jr). É que a maioria da doutrina refere-se a “recurso” apenas no sentido do estrito, de meio recursal processual. Se restringirmos a análise deste princípio apenas aos recursos em sentido estrito, efetivamente, não haveria que se falar nessa garantia constitucional, pois compete à lei criar recursos processuais para as hipóteses em quer entenda sejam eles necessários (PINTO, p. 87, 2002).

           

            Após o relato de Nelson Pinto, faz-se necessário também explanar o princípio da taxatividade, disposto na Constituição Federal, art. 22, I: compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico e do trabalho. Desta forma extrai-se que somente a União tem competência para legislar sobre processo civil.

Com esses dois últimos princípios explanados, conclui-se que a remessa necessária não possui natureza jurídica recursal. Por fim, embasando mais ainda a fundamentação anteriormente afirmada, faz-se mister expor o princípio da voluntariedade, decorrente do principio dispositivo, em que aquele exige da parte a iniciativa de interpor o recurso. Entretanto Araken de Assis (2012), traz uma interpretação bastante benéfica ao entendimento de que a remessa necessária é sim um recurso no processo civil, pois convictamente afirma que “nenhum princípio é absoluto. Exceção à voluntariedade avulta no reexame necessário ou remessa oficial (art. 475)”. No tocante a remessa necessária, Nelson Luiz Pinto conclui:

O duplo grau obrigatório de jurisdição, que resulta na remessa oficial dos autos à superior instância para a manutenção ou reforma da decisão, não pode ser considerado recurso; a ele não aplicam, pois, os princípios aqui examinados. Trata-se de condição legal de eficácia de determinadas decisões estabelecida no interesse público, que só guarda semelhança com o recurso no que respeita à devolutividade, não podendo, entretanto, ser considerada recurso. São pois, incorretas, as denominações que lhe dão alguns autores, de recurso oficial, recurso obrigatório ou apelação ex officio (PINTO, p. 92, 2001)

Ante aos princípios expostos e as fundamentações dos doutrinadores supracitados, entendemos que a remessa necessária não é um recurso por faltar os requisitos necessários para lhe caracterizar como tal.

 

3. Outras prerrogativas processuais da Fazenda Pública:

           

Neste momento tratar-se-á das discursões acerca das prerrogativas, ou mesmo, privilégios, os quais a Fazenda Pública goza. Concordamos com José Roberto Moraes [1] quando o mesmo dispõe da dificuldade de se examinar o tema proposto sem se despir dos nossos juízos de valor concernentes por nossa atividade profissional, seja de advogados particulares ou mesmo de bacharelandos de direito. Do ponto de vista constitucional é possível prever alguns princípios que vão de encontro às prerrogativas da Fazenda pública. São estes o princípio da igualdade e o da isonomia, Moraes, em A Fazenda Pública em Juízo, importantíssima obra acerca do tema proposto, doutrina da seguinte forma:

A questão é fundamentalmente constitucional porque se indaga sempre se estas prerrogativas dadas à Fazenda Pública não estariam ofendendo a regra da igualdade, o princípio da isonomia. A primeira observação a fazer, e todos os autores a tem feito, é que se o princípio da isonomia era na Constituição passada apenas um direito fundamental – constituía ele o inciso I do antigo art. 153 -, na Constituição atual ele, podemos dizer, “subiu de posto”. Em vez de ser apenas um direito fundamental passou a ser um princípio norteador [...] (José Roberto Moraes[1]).

            Ainda na obra do supracitado autor, o mesmo traz o exemplo de que em um escritório de advogados particular, quando há grande demanda, a ponto de acarretar a ineficiência dos resultados dos outros processos, o escritório pode deixar de absorver algumas causas, entretanto, o mesmo não acontece, por exemplo, com advogados públicos, desta forma defendendo o fundamento de que a fazenda pública não goza de um privilégio, mas de uma prerrogativa.

            O art. 99 do CPC traz mais uma prerrogativa da Fazenda Pública: Art. 99. O foro da Capital do Estado ou do Território é competente: I - para as causas em que a União for autora, ré ou interveniente; II - para as causas em que o Território for autor, réu ou interveniente. Desta forma, a Fazenda Pública tem foro privilegiado. O art. 19 diz que “cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final”, entretanto, no caso da Fazenda Pública, “ela só arcará com algum tipo de despesas ao final, se sair derrotada na lide, mas apenas pagará o que a parte vencedora tiver gasto”[2]. Por fim, ainda há também a dispensa do preparo, como dispõe o §1° do art. 511 do CPC: “são dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal”

4. Embargos Infringentes:

Os embargos infringentes são uma das espécies de recursos previstas no código de processo civil, mas a sua manutenção no mesmo é bastante controvertida, haja vista que o próprio direito, português, criador de tal recurso, já o extinguiu do seu ordenamento, conforme Barbosa Moreira (2003. p. 01 e 02) averiguou em seus estudos: “Vale a pena registrar que, no mesmo ano de 1939, a reforma do processo civil português aboliu o recurso. A partir daí, ele se tornou uma peculiaridade exclusiva do direito brasileiro...”.  Por isso o prolongamento do estado de litispendência por meio do embargo infringente tem sido severamente criticado, por que não só retarda a prestação jurisdicional, tal recurso é excessivo no ordenamento jurídico brasileiro, considerando que a apelação atua na revisão do julgamento a quo, e se retarda o andamento do processo com a possibilidade de ser embargado por causa de apenas um voto contrário.

Nos estudos que antecederam a edição do Código de Processo Civil ( LGL 1973\5 ) de 1973, cogitou-se do fim dos embargos infringentes nos tribunais. Da exposição de motivos do Anteprojeto Buzaid constava que "a existência de um voto vencido não basta por si só para justificar a criação do recurso; porque pela mesma razão se deve admitir um segundo recurso de embargos sempre que no novo julgamento subsistir um voto vencido; por esse modo poderia arrastar-se a verificação do acerto da sentença por largo tempo, vindo o ideal de justiça a ser sacrificado pelo desejo de aperfeiçoar a decisão". 4 De fato, quando se pensa na eliminação de recursos e na retirada de obstáculos para a tempestividade da tutela jurisdicional, os embargos infringentes sempre são colocados na berlinda. Questiona-se a capacidade do instituto para efetivamente contribuir para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional e a uniformização do entendimento dos tribunais em torno de um dado assunto. Afinal, um novo exame da causa não significaria necessariamente um melhor exame da causa nem garantiria consenso em torno de determinado assunto. Também se questiona se as possíveis vantagens trazidas pelos embargos infringentes compensariam o tempo consumido para o seu processamento e julgamento. (BONDIOLI. Luis Guilherme Aidar. 2009. p.02).

Todavia mesmo com todas as críticas, o recurso em epigrafe não fora abolido, o que ainda não agradou, porque a hipótese de haver um voto em desacordo é grande, o que de certa forma impediria a concretização da justiça em busca sempre de uma decisão mais aperfeiçoada. Aperfeiçoar é o que vem acontecendo com o recurso, que por várias vezes já fora modificado, optando sempre pela segurança jurídica à celeridade processual, aquela muito mais provável de acontecer com a manutenção do recurso.

Uma das mudanças sofridas pelos embargos infringentes veio com o advento da lei 10.352/2001 que reformou o CPC, e, por conseguinte, alterou a redação do art. 530, conforme os estudos de Didier Jr (2013. p. 239), que originariamente se limitava a dizer que cabiam os embargos infringentes quando não for unânime o julgamento proferido em apelação. A grande diferença dessa redação é que como a apelação cabe contra qualquer sentença, sendo ela com resolução de mérito ou não, o embargo infringente caberia também contra apelação interposta contra sentença sem resolução de mérito. Além desta diferença, para a antiga redação, não importava, para fins de embargos infringentes, o resultado dessa apelação, ou seja, era irrelevante que tivesse mantido a sentença, reformada-a ou anulada-a.

Destarte, haja vista sua manutenção no CPC, impende tanger sobre a atual redação que o prevê no CPC e entender o que é recurso, a primeira parte do art. 530, CPC, in verbis: “Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória” (Grifos Nosso) trata da sua primeira hipótese de cabimento. Por óbvio, ao falarmos de acórdãos não unanimes, estamos falando que o embargo infringente só cabe contra decisões colegiadas, e nesta é imprescindível a presença de, ao menos, um voto em desacordo com o restante dos votos, independentemente de quantos membros tenham naquele colegiado, haja vista que não requer um quórum qualificado se opondo aos demais. Luis Guilherme Aidar Bondioli (2009. p.4) traz ainda outro aspecto importante para o entendimento desse desacordo no acórdão:

Para a caracterização da falta de unanimidade que abre as portas para os embargos infringentes, é preciso, ainda, que a divergência se faça presente na conclusão dos julgadores e não na motivação. Discrepância nos argumentos que conduzem a um mesmo resultado é absolutamente irrelevante em matéria de embargos infringentes. Aliás, embargos fundados na discordância de motivos seriam absolutamente inúteis e, portanto, inadmissíveis, em razão da falta de interesse. Afinal, se o propósito do recurso é fazer prevalecer o voto vencido, tudo o que o embargante poderia conseguir nessas circunstâncias é ficar vencido com base em argumentos diversos.

Corroborando com entendimento acima, Barbosa Moreira (2011. p. 527)                                    diz que apura-se as divergências dos votos na conclusão, e não nas razões dele, tendo em vista que a fundamental diversa não é suficiente para que um acórdão seja embargado, pois em nada mudaria a situação jurídica do embargante questionar apenas a fundamentação que ensejou tal voto. Barbosa Moreira (2011. p.528) faz ainda uma ressalva importante, pois em nada tem haver com a aclaração acima, o fato do próprio pedido ter mais de uma fundamentação, o que corresponde à cumulação de ações conexas, desta forma computa-se separadamente o voto dos julgadores sobre cada causa pretendi, e se houver dissenso em alguma delas, abre-se a possibilidade de ser impugnado por Embargos Infringentes.

Bondioli (2009. p. 05) complementa a discussão acerca da não-unanimidade do acórdão trabalhada neste momento, ao acrescentar que o dissídio pode ser de duas formas, tanto quantitativa, quando “todos os votos apontam para uma mesma direção [...], mas com intensidades diferentes [...]. Trata-se de uma discrepância de valores, que aparece nos casos em que o objeto do processo seja decomponível.”; já quanto de forma qualitativa é diferente “pois os votos apontam para direções diversas; os votos divergem quanto à própria tutela concedida às partes.” Assim sendo, o recorrente só pode pleitear aquilo que foi alvo do desacordo, assim se este descorda da tutela concedida, mas o dissenso refere-se ao quantitativo desta, seu recurso terá que ser voltado a esta ultimo, do contrário o próprio colegiado limitara o pedido, não conhecendo a parte que não fora controvertida.

Dando seguimento ao estudo dos Embargos Infringentes, além da desarmonia dos votos, é vital que o acórdão reforme a sentença de mérito, conforme o art. 530, CPC dispõe. Essa modificação veio com a lei n. 10.352/2011 com o intuito de restringir o campo de atuação do recurso aludido. Didier Jr (2013. p.240) elenca quatro situações que deixaram de ser cabível a impugnação por embargo infringente com a nova redação dada pela lei citada, a saber: quando o acórdão não conhecer a apelação; quando anular a sentença; quando mantiver a mesma; e por fim, quando mesmo que para manter ou reformar, apreciar sentença terminativa.

O mesmo se dá quando é outro o resultado do julgamento da apelação. Quando a sentença de mérito é “confirmada” por maioria das vezes, têm-se três manifestações em um sentido (a do juiz de primeiro grau e a dos prolatores de votos vencedores) em um sentido contrário (o prolator do voto vencido). Quando a sentença de mérito é anulada, outra será proferida em seu lugar, contra a qual cabe´ra nova apelação, não havendo qualquer razão para que se use este recurso desempatador. O mesmo se diga em relação às sentenças terminativas. Quando o tribunal, em julgamento de apelação, “confirmar” por maioria uma sentença terminativa, sempre será possível ajuizar-se novamente a demanda, o que torna desnecessária a utilização dos embargos infrigentes. De outro lado, reformada ou anulada a sentença terminativa, outra sentença será proferida em primeiro grau de jurisdição, contra a qual caberá nova apelação, sendo aí possível a interposição – se estiverem presentes os requisitos – de embargos infringentes. (CÂMARA, Alexandre Freitas. 2009. p. 102)

Uma vez reconhecido algum error in procedendo, por maioria duas votos, a anulação da sentença será feita, pois, Didier Jr (2013. p.240), quando reconhecido um vício no procedimento, no juízo a quo, que ensejou aquela sentença consequentemente fará com que os autos sejam devolvidos à primeira instância para que seja proferida nova sentença, assim não há de se falar em embargos infringentes ainda. O não cabimento do recurso em baila quando a apelação mantiver ou reformar as sentenças terminativas, se dá pelos mesmos motivos que a hipótese anterior, haja vista que será proferida nova sentença no juízo a quo. Cassio Scarpinella Bueno (2011.p.241) acrescenta os embargos infringentes tanto só importam quando reformam sentenças definitivas, em grau de apelação, que é indiferente para a interposição deste que a divergência reformadora de sentença de mérito tenha acontecido no julgamento da apelação, preliminar a esta, no agravo retido ou no reexame necessário.

Dispensam explicações o porquê não caber embargos infringentes em grau de apelação, quando esta nem sequer for reconhecida. Voltando-nos à Bondioli (2009) que deixa claro que quando o acórdão reformar, não exige-se que o voto contrário esteja em consonância com a sentença reformada, basta que a sentença e o acórdão não estão em sintonia, para que os embargos infringentes sejam cabíveis.

Para finalizar o estudo do caput do art. 530, CPC há de se tecer um breve comentário sobre o equivoco deste na expressão “sentença de mérito”, também conforme estudos de Bondioli (2009), pois além de não ser uma garantia que o julgamento da apelação girará em torno do meritum causae da sentença, o cabimento do embargo infringente é a existência de divergência no julgamento do meritum causae no âmbito do tribunal, a sentença não precisa ser necessariamente de meritis para que haja discrepância embargável.

O efeito devolutivo do embargo infringente requer a provocação do interessado para que se transfira para o órgão colegiado competente para o julgamento do recurso, conforme preceitua Cassio Scarpinella Bueno (2011. p. 246). André Luís Monteiro (2011) também trata sobre esse tema, e traz um aspecto interessante desse recurso, o qual tem sua extensão, plano horizontal, limita à matéria controvertida, visto que a matéria que fora decidida de forma unânime não pode ser reapreciada pelo embargo infringente, já tange ao plano vertical (profundidade) o efeito devolutivo é amplo, permitindo o exame tanto da matéria de direito quanto da matéria de fato, inclusive com a possibilidade de adoção de novos fundamentos, além daqueles utilizados na sentença, no voto vencido e no voto vencedor do acórdão embargado. Quanto ao efeito suspensivo é majoritária a doutrina que defende que os embargos terão efeito suspensivo se a apelação o tiver, do contrário também não terão.

4.1. Possibilidade de Embargos Infringentes

O embate quanto à natureza jurídica do reexame necessário enseja a discussão quanto ao meio de impugnação da decisão judicial que reformar a sentença de primeiro grau, em grau de reexame necessário. Pois como já trabalhado no paper em baila, em algumas situações este tem tratamento tal qual de apelação, a qual permite a impugnação de sua decisão por meio dos embargos infringentes, e por algum tempo o TRF admitiu essa possibilidade, a qual para a maioria da doutrina aparenta ser a mais correta, já que o reexame necessário não foi feito para proteger ilimitadamente a Fazenda Pública, assim o entendimento consagrado no enunciado n. 77 da sumula da jurisprudência do TFR, a qual constava: “Cabem embargos infringentes do acórdão não unânime proferido em remessa ex officio”.

 Cassio Scarpinella Bueno (2011) “Ademais, os embargos infringentes, em casos que tais, acabam por permitir um melhor equilíbrio entre as partes que são comprometidas pelo reexame necessário.” Deixa claro que possibilidade do duplo grau de jurisdição, ou seja, a possibilidade de revisão de uma decisão judicial em prol da justiça deve ser disposta mesmo que contra a Fazenda, para que não haja uma paradoxal proteção destes ao demais.

Todavia,a jurisprudência do STJ passou a proferir decisões em sentido contrário, de modo que os embates levaram a 3.ª Seção do STJ a pacificar o entendimento que o reexame necessáro em nada se relaciona com a apelação, o fato daquele ser obrigatório não obsta a interposição da apelação que é voluntária, e assim, para efeitos de embargos infringentes, esta deveria ter sido interposta em seu prazo, a ementa do julgado que embasa essa opniao consta que:

Sucumbente o Poder Público, não lhe suprime o reexame obrigatório a apelação voluntária, apta a ensejar-lhe os embargos infringentes, como foi sempre comum da defesa dos interesses dos entes públicos em geral, aplicando-se, à espécie, o adágio latino dormientibus non succurrit ius. As normas do reexame necessário, pela sua afinidade com o autoritarismo, são de direito estrito e devem ser interpretadas restritivamente, em obséquio dos direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados, até porque, ao menor desaviso, submeter-se-á o processo a tempos sociais prescritivos ou a aprofundamentos intoleráveis de privilégios, denegatórios do direito à tutela jurisdicional. (STJ, EREsp 168.837/RJ, 3.ª Seção, j. 08.11.2000, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 05.03.2001.)

A quem concorda com esta posição cabe à fundamentação de que a remessa necessária que leva a duplo grau de jurisdição as sentenças desfavoráveis a Fazenda Pública não é recurso, tem um sistema processual próprio de modo que mesmo para quem entenda que tem natureza jurídica recursal, não se pode negar sua obrigatoriedade, o que impede igualar à apelação. Defende-se que na verdade a remessa necessária é condição de eficácia da sentença supracitada. Assim não se iguala a outras aspectos da apelação e tão pouco quanto a possibilidade de interposição de recurso para almejar o voto vencido, a decisão supramencionadafrisa que: “ao menor desaviso, submeter-se-á o processo a tempos sociais prescritivos ou a aprofundamentos intoleráveis de privilégios, denegatórios do direito à tutela jurisdicional.” Como já trabalhado no caso para a maioria da doutrina, remessa necessária em nada se confunde com recurso, o que embasa a doutrina que não aceita o cabimento de embargos infringentes em remessa necessária.

No entanto, mas recente, a discussão continua, e as decisões tendem a aceitar a interposição do embargo como forma de desempatar decisões reformadoras em grau de reexame necessário, como a 1.ª T., em acórdão relatado pelo Min. Teori Albino Zavascki:

“Embora se questione a natureza da remessa de ofício – se de recurso típico se trata ou não –o certo é que o tratamento que a ela se tem dado é semelhante ao do recurso de apelação. Por isso mesmo, em sede doutrinária, prevalece o posicionamento favorável ao cabimento dos embargos infringentes em reexame necessário. (...). Nesta Corte, verifica-se que o principal ponto de discórdia em relação à orientação predominante na doutrina consiste em ser ou não a remessa necessária um recurso. (...). Tal entendimento, entretanto, é contrariado nesta mesma Corte quando se admite que o Relator da remessa ex officio a decida monocraticamente, com base no art. 557 do CPC ( LGL 1973\5 ) . Ora, este dispositivo legal só se aplica a recursos, e, não obstante, este Tribunal houve por bem até sumular a matéria, dispondo que ‘o art. 557 do CPC ( LGL 1973\5 ) , que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário’ (Súmula 253). (...). Nesse contexto, não há como negar o cabimento dos embargos infringentes contra acórdão não unânime em remessa de ofício, o que não implica qualquer violação ao art. 530 do CPC ( LGL 1973\5 ) ”.

Conforme a decisão exposta, a doutrina pacificamente se posiciona, que é cabível uma interpretação extensiva do termo “em grau de apelação” para abranger também as decisões em remessa necessária. Nesse sentido Barbosa Moreira que entende que por razões de ordem sistemáticas admitisse; Araken de Assis, que diverge da maioria ao considerar recurso o reexame obrigatório, compactua com a analogia do art 530, CPC, tal como Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier; Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery; Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha e também Cassio Scarpinella Bueno.

Conclusão

           

Ante o exposto, extraímos que o reexame necessário nãp possui natureza recursal, desta forma não pode ser entendido como recurso. Portanto, a remessa necessária é desprovida do requisito de regularidade formal, desta forma, não possui o principal requisito do recurso, que é a voluntariedade. Cabe ainda ressaltar que não atende a regra da taxatividade.

            Depreendemos que a fazenda pública não goza de privilégios, mas de prerrogativas, uma vez que o que se pretende é a proteção da coletividade em relação ao particular, assim, as garantias da Fazenda Pública tem o fito de defender a coletividade, assim representada pela União, pelo Estado, pelo Distrito Federal e por suas respectivas autarquias e fundações de direito público (art. 475, I).

            Após uma longa análise dos princípios recursais, foi possível entender que a remessa necessária vai de encontro com eles, de forma que o principio do duplo grau de jurisdição, quando entendido o termo “recurso” exposto na carta magna em seu sentido estrito, faz-se necessário uma lei infraconstitucional para cria-lo. No mesmo entendimento, foi possível analisar o principio da taxatividade, que entende que todo recurso precisa estar positivado. Por fim, em relação aos princípios, o fundamento mais incisivo quanto a não natureza recursal da remessa necessária foi o do principio da voluntariedade, que diz que o recurso precisa ser feito pelo recorrente de forma voluntária.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

[1] MORAES, José Roberto de. Fazenda Pública em Juízo: prerrogativas ou privilégios. Disponível em: <https:// www.uniaraxa.edu.br/ojs/index.php/juridica/article/download/128/119%20>. Acesso em: 18/10/2013.

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