Durante toda a nossa vida, escutamos que temos que ser bons em alguma coisa.

Eu sempre achei que eu era bom em dormir. Poderia ser um personal sleeper. Ensinar todas as técnicas de virar para o lado, quebrar o despertador, esquecer compromissos, dormir em dias chuvosos, como evitar morder a fronha (muito importante), etc. Essa sempre foi a minha vocação. Mas a profissão já estava saturada pela concorrência dos fiscais da Amazônia.

A gente tem que se especializar.

Especialização, é a palavra de ordem. Não seria a palavra de ordem a multi-funcionalidade ou as multi-especializações?

É difícil se saber, pois estas tendências, mudam a cada edição da Revista Veja.

Eu acho que a última coisa que eu li a respeito, me parece, referia o surgimento no mercado do super-multi-hiper-eu é que sei-sênior.

Este profissional contempla todos os conhecimentos necessários para ser demitido sumariamente, sem o menor rancor, obedecer cegamente todas as ordens, sem contestar, além de possuir um dispositivo de auto-destruição, programável, para o caso de falência da empresa, estando esta segurada contra incêndios e explosões.

O negócio é ser bom em alguma coisa.

Em que você é bom?

Os meus irmãos sabiam desenhar como ninguém.

Eu, não tinha o menor talento para o desenho e eles não tinham o menor talento para auxiliar um aprendiz de artista.

Eu só sabia desenhar a lua. Era só um círculo, sem nada dentro. Não era o sol, porque eu tinha preguiça de fazer os riscos dos raios.

A lua era mais rápida de fazer.

Por causa disso, levei muito tapa nos olhos, deles, o que só reforçava a minha predileção por esse desenho, pois, acabava só vendo círculos na minha frente.

Era o meu orgulho, a lua que eu desenhava.

Aqui para nós, eu nunca consegui desenhar um círculo perfeito, inclusive, muitas vezes parecia um triângulo, mas resolvia esses contratempos, desenhando uma nuvem na parte torta do desenho.

De tanto desenhar nuvens encobrindo a lua, acabei num consultório psiquiátrico infantil, explicando o porquê de eu ser tão "deprimido", pois fazia referência a nuvens negras em tudo o que eu desenhava.

O tratamento foi muito positivo, pois passei a desenhar coisas bem mais interessantes, do que luas com nuvens na frente, tais como: mendigos, cadáveres, tanques de guerra e partindo para o abstracionismo, passei a desenhar políticos honestos.

Acabei desistindo do desenho e o resultado é que não saio mais em noites de lua cheia e tempo nublado, isso porque, basta eu ver nuvens tapando a lua, que eu já me deprimo.

Sérgio Lisboa.