Em 1964 eu tinha 13 anos. Morava com meus pais e um irmão mais velho, em uma casa simples, na rua Veiga Cabral, quase esquina da Travessa Ângelo Custódio, bairro da Cidade Velha em Belém, Pará. Meu pai, capitão-dentista do Exército e minha mãe costureira. Tínhamos uma vida também simples, porém, digna.

De vez em quando, a rotina era quebrada com alguns fatos que presenciava no quarteirão e mais precisamente na casa ao lado, que fazia esquina com a travessa. Carrões apelidados “rabos de peixe”, zerados, estacionavam ao lado de casa. Eram tantos que enfileirados quase chegavam à esquina da av. 16 de novembro, um quarteirão adiante! No mês de junho, nas festividades juninas, me impressionavam os fogos de artifícios que iluminavam as noites, soltados pelo vizinho da esquina. Eram instalados no chão da rua, bem no cruzamento da Veiga Cabral com a Ângelo Custódio. Um chafariz de luzes coloridas, um vulcão, o que era aquilo? Também soltavam bombas que faziam tremer tudo... Enquanto assistia aquele verdadeiro show pirotécnico das crianças do vizinho, eu e meu irmão, contentava-nos em soltar algumas “estrelinhas” seguras nas pontas dos dedos...De vez em quando uns “estalinhos” ... Nada de bombas ou bombinhas. (Só umas “bobinhas” que escondido de meus pais, aprendi à fazer com uma chave de fechadura de porta, um prego, barbante e algumas cabeças de fósforos...Ou ainda, uma bombas mais poderosas feitas com pólvora tirada de outras bombinhas, misturadas com alguns grãos de seixo e embrulhadas em um pedaço de papel, bem amarrado com barbante. Para dispará-las, subia no muro da vizinha em frente e com um paralelepípedo de rua nas mãos, lançava-o sobre a pequena trocha colocada estrategicamente no chão, próximo do muro e vinha o estrondo...)

No fim do ano, no Natal, os filhos do vizinho ganhavam carrinhos movidos à pilha, que apitavam, movimentavam-se freneticamente guiados pelos pequenos. Eu e meu irmão ficávamos felizes com os pequenos carrinhos de plásticos que nossos pais nos presenteavam, ou outros brinquedos singelos que íamos pegar no Quartel General do Exército, em frente à Praça da Bandeira, na festa de Natal...

Quando veio a Revolução (ou Golpe) de Março, meu pai foi convocado para ficar aquartelado em prontidão. Lembro-me dele vestindo a farda e tirando um enorme revólver, que ficava guardado escondido no quadra roupa do quarto dele.

Lembro-me nesse instante, que o vizinho da esquina, aquele que dava brinquedos superavançados, que soltava superfogos, e que, digamos, parqueava os carros “rabos de peixe” supermodernos, chegou pro meu pai e pediu, agoniado, quase chorando, que “não dedurasse” ele... Fiquei sem entender muito bem o que significava aquilo.

Quando meu pai fazia pequenos consertos domésticos em casa, quem o acompanhava e o ajudava, quase sempre era eu. Numa dessas ocasiões, ao subir com ele no forro de casa para consertar algumas goteiras do telhado, vi que o telhado das duas casas, a do meu pai e a do vizinho da esquina eram um só. Não tinha parede separando os dois telhados. Sobre o forro, vi caixas de uísque, tapetes (persas?!) e muitos outros objetos, cuidadosamente guardados pelo nosso vizinho. Entendi então o motivo da súplica do vizinho, dos carros “rabos de peixe”, dos fogos juninos e dos brinquedos de Natal...Ele era um “contrabandista”!

Políticos de então, davam verdadeiros bacanais em uma casa localizada na beira da estrada Belém – Brasília, na altura da hoje Marituba. A casa ficou famosa pelo desenho que imitava um navio... Era a Casa-Navio!

Na capital, um outro grande contrabandista de então, inaugurava uma das primeiras lojas de magazines: A RM Magazine. Av. Presidente Vargas com a Travessa Riachuelo. Hoje, seus descendentes, são donos de uma grande organização de comunicação.

Com a Revolução (ou Golpe) o Pará, especialmente Belém, deu um salto enorme em desenvolvimento. Dominada que era por “contrabandistas” e políticos inescrupulosos a capital, enfim, todo o estado, era isolado do resto do país. Para se deslocar só via aérea e pelas águas.  A estrada Belém – Brasília aberta anos antes, quase todos os meses do ano intransitável, foi finalmente asfaltada. As comunicações deram um salto formidável com a criação da EMBRATEL. As principais ruas e avenidas do centro de Belém, antes de terra ou revestidas de paralelepípedos receberam asfalto. Obras inacabadas e abandonadas foram transformadas em colégios como o Augusto Meira que ocupou um prédio que deveria ter sido uma maternidade, na capital, Belém. A Universidade Federal do Pará, UFPa, finalmente foi integrada em um campus à beira do rio Guamá, em Belém, e a Escola de Agronomia da Amazônia, EAA, que tinha apenas um curso, o de Agronomia, foi transformada em Faculdade de Ciências Agrárias do Pará, FCAP, com a criação e funcionamento de novos cursos como o de Engenharia Florestal, Medicina Veterinária e Engenharia de Pesca. Repartições estatais foram transformadas em empresas como o Serviço de Navegação na Amazônia e Administração do Porto do Pará, SNAPP, em Empresa de Navegação da Amazônia, ENASA, o Serviço de Proteção ao Índio, SPI, em Fundação Nacional do Índio, FUNAI. Outras como a Estrada de Ferro Belém – Bragança foram simplesmente extintas... Foi criado o Projeto Rondon, um programa de extensão universitária que promoveu o intercâmbio entre os jovens universitários de todo o Brasil, ao mesmo tempo em que proporcionou que esses jovens tomassem conhecimento da realidade brasileira, extra muros das academias.

A Revolução (ou Golpe) tinha chegado ao norte e Jarbas Passarinho (governador) e Alacid Nunes (prefeito de Belém), foram os dois militares que encararam a missão de recolocar o estado do Pará e a cidade de Belém na linha do desenvolvimento e acabar com a corrupção impregnada nos governos e políticos de então. Se conseguiram, só a história dirá, mas certamente tentaram e mudaram muito para melhor...