Ella

 

Ella pertencia à abastada família Cinder que morava em Cleveland. Era a caçula de três irmãs.  Seu pai John era dono de um pool de bancos na cidade. Tinha uma notada preferência pela filha mais moça, em detrimento das outras. A mãe sentia ciúmes da relação dos dois e protegia as duas mais velhas.

A morte do pai quando Ella tinha quinze anos foi traumática para a garota. Sentia-se abandonada. Além do sofrimento pela perda, a mãe começou a tratá-la mal. Não permitia que usasse o computador e o tablet que eram seus. Embora tivessem vários empregados, cabia à garota serviços mais desagradáveis na mansão. Na folga da cozinheira até comida era obrigada a fazer. Só por birra, o prato era sempre camarões na abóbora.

Ella ficou cada vez mais solitária, pois também as irmãs a ignoravam. Quando falavam era dando ordens. Se não cumprisse, teria na certa um castigo. Para esconder sua tristeza conversava com o motorista da casa. Ele a ajudava no que podia. Era carinhoso, dava-lhe toda atenção possível. Ela retribuía, com confiança e amizade. Seu refúgio era ler. Tinha uma preferência especial pela história de Cinderela. Sonhava encontrar um rapaz bonito e rico, que casaria com ela e como no conto seria feliz para sempre. Não faltavam nem os sapatinhos de cristal em seus devaneios.

Certo dia, Ella notou um alvoroço na casa. Mãe e irmãs saindo e voltando com sacolas de roupas e sapatos. Perguntou ao motorista se ele sabia a razão de tanta agitação. Seu amigo que estava a par de tudo que acontecia, contou que a família havia recebido convites, através de e-mails para uma recepção no Consulado da Alemanha. A festa tinha como objetivo homenagear um adido cultural que pertencia à nobreza germânica. Era solteiro e diziam que viera à América, para casar com uma moça da alta sociedade. Ella não receberá o convite porque não tinha mais acesso ao seu Gmail e nem ao Yahoo. Não podia abri-los no colégio porque não era permitido. Tentou numa lan house, mas estava bloqueada. Onde colocasse o seu nome aparecia uma mensagem: é spam.

Com raiva, decidiu que iria à festa também. Combinou com o motorista que logo que a mãe e as irmãs saíssem, ele voltaria para buscá-la. Acertaram que antes da meia-noite deveria estar em casa, pois essa hora fora marcada pela mãe para buscá-las.

Chegou à embaixada vestida com suas melhores roupas e jóias, portando um convite falsificado, Ella procurou esconder-se para não ser vista pelos familiares. Avistou de imediato o nobre ao lado de uma de suas irmãs. Achou-o velho demais para ela. Sua satisfação foi beber e comer à vontade. Ao sair, faltando quinze minutos para a hora combinada, percebeu que o alemão estava sussurrando ao ouvido de Mafalda.

            Dirigiu-se para o carro onde o motorista já estava a sua espera. Ao entrar seu amigo olhou-a com carinho. Naquele momento percebeu que estava apaixonada por ele.  Ao saber que era correspondida, voltou a ser feliz. Alguém real a amava.

Para alegria da família Cinder, Mafalda casou-se com o nobre diplomata e Ella com o motorista.

           

Themis Groisman Lopes