Ela chegou, querendo ir embora.

Ela chegou ao salão de cabeleireira que sempre frequentou,  trazida pela filha e apoiada por duas pessoas. Andava com muita dificuldade. Caiu na hora do banho. Reclamava baixinho, que não queria ficar, pois não estava bem. Mas ficou, e acompanhada pelo seu fiel escudeiro. O Alzheimer. Falava bem baixinho. Tinha um ar de tristeza, um olhar inexpressivo, ausente de significado, perdido no tempo, perdido na vida. A filha foi embora, pedindo que a avisassem quando tudo estivesse pronto. Sua acompanhante também saiu, indo sabe-se lá em que lugar. Eu não quero ficar aqui, dizia ela. Não quero arrumar meu cabelo, fazer minhas unhas... Chama minha filha, eu não estou bem, quero ir para minha casa. E quem a estava atendendo dizia que ela estava ali para ficar bonita e que era só tudo terminar, que filha viria busca-la. O mais tardar uns quarenta minutos. Como se ela soubesse precisar que tempo era esse.

Pobre mulher, que a muito tinha perdido a vaidade, e em nome dos bons tempos, queriam deixa-la bonita, mais apresentável.

O julgar o outro se tornou o assunto do momento. Cada um teve um posicionamento frente à situação que se apresentava. As opiniões a seu respeito foram muitas. Emitidas e omitidas.

Uma mulher, a meu lado, dizia que não gostaria de se ver assim, sendo obrigada a fazer o que não mais queria. Que diria para sua família não submetê-la a essa situação, caso ela ficasse doente. Penso que o melhor é deixar por escrito, disse ela. Vou fazer isso. A vida dá tantas voltas... De repente...

Outra disse que pelo menos, alguém se importava com a aparência dela e que não a deixava ficar como nunca ficaria se estivesse bem. Afinal, mulher vaidosa que foi, estava sempre bem arrumada... Pensava também ser melhor deixar suas vontades por escrito. Sabe-se lá o que a vida tinha preparado para ela.

Eu a conheço há tanto tempo, disse  uma senhorinha que até então, apenas observava. Coitada. Não gostaria vê-la assim, e nem de me saber assim como ela. Que situação  mais triste. Parece sofrer e não encontrar uma solução para dar um basta. Para retroceder no tempo. Às vezes me pergunto, se ela em algum tempo, já tomou uma decisão por alguém nessa condição, tendo que pensar na vida do outro e decidir qual o melhor caminho seguir. Dividida entre desejo e necessidade. Será?

Enquanto isso,  ela que era o assunto do momento, continuava a reclamar baixinho, pedindo para ir embora, pois não estava bem.

 Paralelamente o assunto continuava, sem que se ativessem à sua presença, ausente presença que era.