Moro no endereço atual há mais de trinta anos, exatamente desde o dia 17/12/1989, um domingo. Por castigo da instituição em que eu trabalhava, participei com presidente pela primeira vez, de uma sessão eleitoral. Era o segundo turno da eleição presidencial, onde Fernando Collor foi eleito presidente do Brasil. Enquanto eu trabalhava na eleição a mudança era feita a bordo de uma velha caminhonete Bandeirantes, apelidada de Clorofila.

Hoje, dezembro de 2020, trinta e um anos depois, em pleno isolamento social imposto pela pandemia do COVID-19, constato uma real situação social: Só me relaciono com 10,29 % dos moradores do prédio. Em números absolutos, apenas sete vizinhos, dos 68 apartamentos existentes e ocupados. Quando digo me relaciono, é que sei os seus nomes e apartamentos. Trocamos mensagens pelo Whatsapp, nos telefonamos, interfonamos e eventualmente papeamos, ou durante a viagem do elevador ou lá embaixo, no playground. Visitas físicas são raras. Os outros 89,71% (61 moradores), eventualmente respondem aos cumprimentos nos ambientes comuns do prédio como portaria, salas de estar, playground, garagem e elevador.

Ai, me veio mais uma vez, as sábias palavras do Papa Chico: “… Fica anos sem conversar com um vivo e se desculpa, faz homenagens, quando este morre…” A carapuça mais uma vez cai sobre a minha cabeça. Realmente é estranho. Poderia justificar que seria o estilo de vida do mundo atual, a correria do trabalho, as atrações das televisões, comodismo, etc. Mas…

De novo lembro das palavras do Papa Chico: “… Não tem tempo para visitar o vivo, mas tem o dia todo para ir ao velório do morto”… E penso: – São tão próximas as portas de entrada. Ás vezes no mesmo andar, outras vezes alguns andares acima ou abaixo… Não tem a dificuldade de estacionar o automóvel, de pegar chuva ou até de ser abordado por um assaltante…

Esta constatação me veio à tona, pelo simples fato quando decidi – como tenho constantemente feito – de contrariar as palavras do Sumo Pontífice, ao compartilhar com alguns vizinhos, as plantas que cultivo em Meu Nano Viveiro, aqui na mínima sacada do apê, presenteando-lhes neste Natal e Final de Ano.

É inevitável lembrar de minha infância e juventude passadas morando em uma casa térrea, simples, no bairro da Cidade Velha, Belém, Pará, quando os vizinhos preocupavam-se uns com os outros:

– Fulano! Tu deixastes a luz ligada! Ou: – Sicrano! Esquecestes o portão aberto e o cachorro fugiu pra rua! Ou ainda: – Beltrano! O Zé dos Correios passou e como não estavas em casa, eu recebi uma carta endereçada a ti. Frequentemente trocavam-se alimentos. A vizinha mandava um quitute que acabara de fazer para a gente experimentar. E a gente retribuía. Nas festas juninas, o quarteirão todo se reunia e fazíamos juntos os arraiais, com comidas, decorações e quadrilhas comunitárias.

Ah, devo lembrar que passei cerca de sete anos morando com a família em Soure, Pará. De 2010 até 2017, lá morei. E esse comportamento social que na capital parece extinto, lá ainda vigora! Os vizinhos se preocupam com os seus vizinhos. Claro, sempre pode acontecer alguma discussão, quando o cachorro invade a casa e vai catar comida na cozinha. Ou quando o gato, descobre o peixe em cima do jirau no quintal… Mas sempre são solidários na alegria e na tristeza; na safra ou na escassez. Como comi manga rosa da vizinha…

Quando voltei a morar em Belém em 2017, depois de ter passado sete anos em Soure, Pará, decidi exercitar rotineiramente o comportamento que lá tinha reaprendido, o de manter uma política de boa vizinhança e cordialidade com meus vizinhos. Os resultados, porém, agora conhecidos, me fazem exclamar: – Eita, mundo estranho!