Educar o Ser para esse vir a ser

        A vida para todos e quaisquer viventes, para, de fato, valer a pena, precisa ser mesclada por desafios que farão da rotina do viver, um caminho de aprendizagens e conquistas, sejam elas quais forem.  Toda dificuldade traz sempre uma grande lição. É preciso coragem para encarar o fato que algumas vezes se coloca à nossa frente. Quando nos vem a oportunidade de sairmos de nós mesmos, é preciso humildade para admitir que não sabemos de tudo mas precisamos aprender o necessário para dar um salto no vazio rumo à mudança imposta, à transformação necessária para a conquista, para o vencer, o ser, para o que de fato, somos.

      A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro...” Durante qual etapa de sua vida, ocorreu o estouro entre ser o que há de ser e o ser deixou de ser? Somos todos, em princípio, milho de pipoca. Se viremos a ser pipoca, depende do nosso poder de querer ser.

      Quem não passa por desafios não dará conta do seu desempenho, afinal de contas se alcançam todos os objetivos por meio de sucessivas etapas de um caminho que foi aberto pelo caminhar, que foi feito pelo fazer, que foi construído pelo construir, Se não sei fazer, nada será feito, pelo menos no plano de que se aprende fazendo. Não entram no mérito as causas, os motivos, a origem, o tamanho do desafio, mas ele está diante de nós, para ser enfrentado, testado e vencido, a partir dos recursos disponíveis e aplicados em um enfrentamento que não nos deixa mais de um sentimento: vencer a si mesmo, para  viver  o desafio, como vencedor.

      A criança, aqui chega, inesperadamente, até a primeira luz representa uma novidade que poderá ser ou não bem vista. O que lhe cabe? Adaptar-se, a contra-gosto, ao novo mundo. Mas ninguém lhe explica o que, de fato, está ocorrendo. Por mais excêntrica que seja a nova mamãe, nada lhe é adiantado sobre o novo mundo. Ali,  começam os desafios. Não sabe se é noite, o dia ou se o dia é noite. Essa criança precisa ser orientada, mas não o é. Ela precisa abrir ou fechar os olhos para o seu conforto e adaptação ao novo momento. E como se dá o processo? Por ela mesma, o impacto vai se acomodando, ela vai aprendendo do seu jeito, dentro de suas possibilidades, encontrando suas respostas.

      Independente das reações da nova criatura, os pais tendem a determinar o que precisa ser feito. O que deve comer, como deve dormir, onde deve ficar, para onde olhar, com quem deve ficar, com que frequência deve dormir, quantas vezes deve trocada a roupa...sempre a partir de sua visão de mundo, educação recebida e condições de vida. Esse é o caminho que deve ser traçado, afinal, cabe aos pais, o direcionamento que deve ser dado à vida dos filhos. Assim é que deve ser.

         De repente, como em um passe de mágica, surge um dado novo nessa relação entre ensino-aprendizagem, que uniu os pais à criança: em vez que liderar as ações que os envolvem, por terem a experiência e a responsabilidade de educar, pais estabelecem uma relação que mais se assemelha a uma queda de braços: quem manda e quem obedece.  À criança é imposto, como que um regulamento, tudo o que é permitido ou proibido fazer. E , mais uma vez, é assim que deve ser, ou pelo menos, foi assim que muitas gerações foram trabalhadas.

        Mas os tempos são outros, os desafios são outros, os valores são outros, as relações entre pais e filhos são outras. E por serem outros, em tudo, que as dificuldades aumentam, que as possibilidades de entendimento se reduzem, as perspectivas de uma sociedade justa e socialmente equilibradas são cada vez mais, remotas.

     Para uma família conservadora, que traz presente, valores que fundamentaram sua formação, parece que chegamos ao fim do túnel. Nos chamados tempos modernos, as crianças não se sentem mais seguras em agir de acordo com o que ficou determinado pelos pais, mas sim, o que elas veem as outras fazendo. Sair desse padrão é ser “nenenzinho”, “bobo”, “ultrapassado”. Consultar pai ou mãe para tomar uma decisão é ser fraco, assistir a todas as aulas e fazer todas as tarefas é antiquado, é “pagar mico”, vestir-se de acordo é ultrapassado, obedecer  regras é sofrer “bullyng”, estudar? Para quê? Se há caminhos mais curtos que nos levam mais rápido a mais longe? Mas para essas famílias, o melhor caminho é estudar, crescer, aprender, ter uma boa profissão. E assim é que deve ser.

      Mas os tempos são outros, os pais precisam trabalhar e, em muitos casos, terminam por deixar a educação dos seus filhos por conta da escola. Ora, ou a família educa e a escola escolariza ou haverá uma supressão de papéis e, ao final da jornada, a defasagem de um ou dos dois eixos da formação plena do futuro cidadão estará comprometido. Nesse caso, estará a família descumprindo o seu papel de formadora e a escola impossibilitada de cumprir o seu efetivo papel de escolarizar enfrentará a todo momento, a desdita de ser a única estância a dar limites, comprometendo a qualidade do trabalho a que  se propôs: transmitir e socializar conhecimentos.

     Retomando a questão da importância do fogo para que o a dureza do milho seja transformada em pipocas, e não piruá, nos chama a atenção um outro ponto que nos traz de volta, aquela família que, cuidando de forma adequada do processo de formação do seu filho, “peca” por excesso, exigindo do ser que lhe foi confiado pela vida, resultados quantitativos que, em vez de torná-lo feliz, apenas o coloca dentre os melhores alunos. Mas os melhores alunos, são necessariamente as melhores pessoas?

      Estudar é ser. Aprender é ter. O que foi feito, ao longo de décadas, com a educação? Onde está o porquê aprender se, na verdade, o que é posto como objetivo é o status? Durante a educação básica, a criança é incitada, motivada, forçada, orientada a alcançar boas notas para o sucesso no vestibular. Obtido o grande feito, feliz ou não, o estudante,  que deixou de ser visto como humano,  alegre ou não, feliz ou não, confortável ou não, segue seu destino traçado visando, exclusivamente ao diploma que traz como grande orgulho, um emprego,  de preferência, que prometa, um bom salário. ...o novo profissional é visto como um equipamento que dará  retorno aos investimentos aplicados.

      E a alma, o coração, seus limites,  seus valores, suas frustrações, seus ideais e qualidade de vida... foram preservados? Em que etapa escolar a criança, adolescente, jovem deixou de visto  como um HD a quem jamais foi perguntado sobre sua capacidade de acumular conteúdos e processá-los, sem direito escolher, opinar, rejeitar ou, pelo menos, questionar os métodos ou o seu bem-estar.  

      Voltemos ao início: o que está sendo feito em nome da Educação, primar pelo aprendizado em benefício do viver melhor, sonhar melhor, pensar melhor,  viver melhor,  ser melhor para fazer melhor? Estudar para aprender a ser, ou aprender para estudar o Ser?

  • Sebastião Maciel Costa