Abordando a obra e vida de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), constata-se o seu grande apego às atividades intelectuais que, incansavelmente, ao longo da vida, sempre desenvolveu, sendo por isso reconhecido e solicitada a sua colaboração, aos mais diversos níveis, embora essa participação lhe tenha originado dificuldades de vária ordem. Em nome das letras, escreveu numerosos artigos, sobre os mais díspares assuntos, publicados em vários periódicos literários e políticos do seu tempo, quer em Portugal, quer no Brasil, quer em França

Ao nível da educação, o seu desempenho é, hoje, considerado importante, pese embora as condições em que tenha exercido a atividade docente, por curtos períodos, em circunstâncias pouco favoráveis, na medida em que não assumiu a carreira docente a tempo integral.

Contudo, os estudos que efetuou, as obras que escreveu que foram, ou poderiam ser utilizadas no ensino, justificam que se faça, no âmbito deste trabalho, uma, ainda que muito breve, referência à sua participação na educação, principalmente na formação dos mais jovens e, muito concretamente, ainda no século XIX, no ensino técnico-profissional, sem contudo descurar as letras.

Com efeito, a sua grande obra, elaborada para o ensino, não no sentido pedagógico, mas antes para a transmissão de conhecimentos, intitula-se Prelecções Filosóficas sobre a Teoria do Discurso e da Linguagem, a Estética, a Diceósyna e a Cosmologia.

Trata-se de um trabalho raro no seu tempo. Não sendo uma obra elementar, em virtude das especialidades que aborda, nos domínios da filosofia geral e aplicada às ciências morais e políticas pode, todavia, aceitar-se como elementar, porquanto enumera, sistemática e progressivamente, princípios das ciências.

Tendo iniciado a atividade docente como professor particular de Filosofia, em Lisboa, ingressaria, por concurso, em 1794, no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, lecionando aqui a cadeira de Filosofia Racional e Moral.

Pelas razões já apontadas aquando da análise da sua vida, Pinheiro Ferreira interrompe a atividade docente por volta de 1798, e só depois de se instalar no Rio de Janeiro, onde chegaria em 1810 e, também em circunstâncias difíceis, inicia em 1813 a lecionação de um curso de Filosofia com suporte didático nas Prelecções Filosóficas.

Na obra que se está a referenciar deteta-se a simpatia de Silvestre Pinheiro, pelo método Socrático, o qual consistia em definir as coisas pelos contrários, principalmente quando se pretende disputar algo, argumentando, conduzindo o adversário para adesão à tese que mais interessa.

Para o efeito pode-se utilizar um de dois processos: pelo primeiro encaminha-se diretamente para a definição da expressão que se quer clarificar; pelo segundo, define-se a expressão contrária e, reconhecida esta, o adversário tem que aceitar o que o outro interlocutor pretende.

Pinheiro Ferreira conclui o seu raciocínio sobre o método Socrático, que considera excelente, afirmando, perante os seus alunos, que a aula em que este tema foi analisado, seria constituída por adultos: «Eis aqui, Senhores, exposto em breve quadro o tão celebrado Método Socrático, incomparavelmente superior a quanto nas outras Escolas se pratica em ponto de disputa: e que por isso muito vos recomendo procurei familiarizar-me com ele...» (FERREIRA, 1813b:276).

Mas seria numa fase posterior da sua vida que Pinheiro Ferreira desenvolveria um estudo equilibrado sobre a importância da educação, também acerca de como deveria ser ministrada, e quais os domínios que entendia de maior interesse, isto é: técnico, letras e artes, havendo, contudo, uma forte preocupação em relação à mocidade: «A lei deve assegurar à mocidade uma educação conforme à capacidade do aluno e ao interesse do Estado». (Idem, 1834b:448).

No sistema defendido por Silvestre Pinheiro, consta a denominada Junta de Instrução Pública, cujas atribuições, entre outras, eram: proporcionar os meios de instrução em função das necessidades de cada um, sua capacidade e graduação na sociedade; exigir dos cidadãos provas de habilitações para poderem ser admitidos aos empregos e também para o exercício pleno dos direitos civis, deixando, contudo, ampla liberdade aos pais e tutores para escolherem o sistema de educação dos seus educandos, sem prejuízo, porém, dos deveres que incumbem ao estado e à sociedade na condução do ensino, desde logo, a partir da autoridade ou magistratura específica, justamente para satisfação desta necessidade.

Foi bastante crítico no que se refere à educação dirigida pelos próprios pais ou tutores, na medida em que a maior parte deles não sabem, nem podem dirigir a educação dos filhos ou dos seus educandos, pois são pessoas menos aptas para esta função, reconhecendo-se, apesar de tudo, a capacidade e o cuidado para encontrarem os instrutores para os seus filhos. Preocupação que no século XXI continuam a interpelar os responsáveis.

Os conhecimentos adquiridos ao longo da vida; as viagens que efetuou por toda uma Europa, à data, em efervescência; o contacto que teve com os grandes pensadores e ideólogos dum socialismo utópico, então muito em voga; possibilitaram a Pinheiro Ferreira, uma leitura cuidada das obras e vida de tais autores, destacando-se Robert Owen para quem a educação tinha uma importância fundamental, uma vez que é a partir da educação que tudo se decide, porquanto: «Podem-se formar crianças de modo a fazê-las adquirir não importa qual expressão, sentimento ou crença, não importa que hábito ou maneira.» (KRIEGEL, 1972:370).

Nesta mesma linha de pensamento apontam as investigações de outros autores, recordando-se aqui a obra de José Esteves Pereira que releva a importância da proposta educativa de Silvestre Pinheiro, numa perspectiva bem nacionalista: «O esquema educacional Silvestrino merece ser comparado, tal como se apresenta no Projecto de Associação, com o ideal técnico e polivalente de base que foi defendido no Manual do Cidadão (...) A intenção social ao nível pedagógico não excluía o respeito por linhas de força historicamente portuguesas.» (PEREIRA, 1974:162-3).

Mas não teria sido apenas em Portugal que Pinheiro Ferreira exerceria influência na área da educação, principalmente no domínio da Filosofia, porque, antes de redigir as suas obras no período fecundo da sua vida, já teria, no Brasil, adquirido a notoriedade bastante para lhe ser reconhecida suprema autoridade nesta matéria: «Silvestre Pinheiro Ferreira (1769 – 1846), no período em que viveu no Brasil, de 1810 a começos de 1821, exerceu sobretudo magistério filosófico e logrou restaurar no seio de uma parte da elite o prestígio da Filosofia e da ideia de Sistema.» (PAIM, 1980:13).

A história da educação no Brasil, tanto quanto é possível investigar, remonta, pelo menos, a meados do século XVI, com a chegada do primeiro Governador, Tomé de Sousa, em 1549, juntamente com alguns jesuítas que o acompanharam, dos quais, o Padre Manuel da Nóbrega que, possivelmente, chefiara o grupo de missionários.

Provavelmente, a partir deste pequeno grupo, o lançamento da educação histórico-cultural, em solo brasileiro, seria a primeira atitude digna de Portugal e a que os brasileiros tinham direito, além de que, sendo, já então, Portugal um país de navegadores, em contacto com vários povos, culturas, histórias, etnias, certamente, o espírito prático dos portugueses, desde logo se revelaria ativo. Também, a partir da sua experiência e tradição científica, resultante das navegações marítimas que por todo o mundo vinham fazendo. Por isso, não seria justo esquecer o importante papel dos navegadores lusos, como também a dedicação e abnegação dos jesuítas.

Foi a família patriarcal que favoreceu, pela natural recetividade, a importação de formas de pensamento e ideias dominantes na cultura medieval europeia, feita através da obra dos jesuítas. Afinal, ao branco colonizador, além de tudo, se impunha distinguir-se, por sua origem europeia, da população nativa, negra e mestiça, então existente. A classe dominante, detentora do poder político e económico, tinha de ser depositária dos bens culturais importados. (ROMANELLI, 1997:33).

A intenção da presente reflexão não é no domínio profundo da História da Educação no Brasil, mas tentar procurar e descortinar pontos de contacto, referências coevas, em que se possa analisar a influência direta e/ou indireta de Silvestre Pinheiro Ferreira, quer junto da sociedade, quer no âmbito da Corte e, ao mais alto nível, no relacionamento que ele teria com D. João VI que, mais para o final da presença portuguesa no Brasil, teria sido significativo, pela consideração elevada que o monarca português tinha pelo seu colaborador-filósofo.

Pensa-se que existe algum consenso relativamente ao impulso que foi dado na educação brasileira, com a instalação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro e desde logo com as primeiras medidas tomadas por D. João VI, então, ainda Príncipe Regente.

A abertura dos portos brasileiros ao comércio estrangeiro, (cessava o monopólio com Portugal, abrindo-se à liberdade económica e preconizaria o rumo à Independência do Brasil, em 1822); implementação, a partir de então, de uma nova mentalidade no Brasil que, mais exigente, obrigava a que se tomassem outras medidas no sentido de resolver novos problemas, novas carências, a todos os níveis das atividades económicas, políticas, sociais, educacionais e culturais, o que se conseguiria, em parte, com a criação de Instituições de Ensino para os diferentes graus; bibliotecas, museus, cursos, imprensa, jornais, revistas, enfim, um conjunto de grandes iniciativas bem merecidas pelo povo brasileiro.

Das Instituições de Ensino no Brasil, é justo destacar-se aquela na qual o autor ganharia a admiração dos jovens aristocratas, mas também dos adultos que desempenhavam ou pretendiam exercer cargos na administração pública.

Trata-se do então Colégio dos Órfãos de São Joaquim, que veio substituir o Seminário dos Órfãos de S. Pedro, fundado em 1739, sendo, posteriormente transformado no Imperial Colégio Pedro II. É ainda em plena vigência da monarquia portuguesa que Pinheiro Ferreira exerce a atividade docente, neste colégio, na disciplina de Filosofia:

O ensino da Filosofia, sempre foi cultivado no mais que sesquicentenário Colégio Pedro II, e nele destacaram-se entre outros Silvestre Pinheiro Ferreira e Tarcísio Meireles Padilha, nomes de relevo da inteligência brasileira... « (...) O primeiro professor de Filosofia no Colégio Pedro II foi Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), sacerdote, lente da Universidade de Coimbra e diplomata. (...) Ainda em atmosfera colonial, mas já próximo da independência, o Seminário de S. Joaquim ofereceu ao público um curso de Prelecções Filosóficas a cargo de Silvestre Pinheiro Ferreira. Era o ano de 1813(SEGISMUNDO, 1991:948).

Certamente que as opiniões a propósito deste envolvimento de Pinheiro Ferreira no ensino da Filosofia no Brasil, são variadas, todavia, tal como já foi referido anteriormente, importará mais à formação dos jovens os aspetos positivos, otimistas e concretos das teorias, das ações e dos homens, no sentido de se poderem melhorar, até ao limite do possível.

As visões negativas, pessimistas e derrotistas, apenas servem para se evitar, recusando-as, numa perspectiva de um mundo melhor, solidário e responsavelmente livre. É com este espírito que não se resiste a transcrever mais uma passagem sobre Pinheiro Ferreira: «A Filosofia no Brasil amanhece com as prelecções de Silvestre Pinheiro Ferreira, no Seminário de S. Joaquim, em 1813. É o primeiro filósofo leigo a apresentar a uma assistência interessada pelas ideias o grande debate entre sensualismo e espiritismo.» (CALMON, 1947:559).

Compreende-se muito bem a postura de Pinheiro Ferreira no Brasil, se se atender a que no período em que permaneceu neste país, e apesar de diversas dificuldades a que já se fez alusão, que ele teve de enfrentar. Ainda assim, considere-se que viveu intensamente aquela época, de que teria resultado um apego e amor profundo ao país e aos brasileiros, aliás, medite-se na seguinte frase escrita por ele em 28 de Janeiro de 1841, em carta que, de Paris, dirigiu a D. Pedro II: «Ligado ao Brasil pelos vínculos indissolúveis do afecto e gratidão, desde o tempo em que tive a honra de aí servir o Estado, debaixo das ordens do augusto avô de V.M. Imperial e obedecendo aos impulsos de um sentimento, que em nada cede ao mais puro patriotismo...» (FERREIRA, 1841: Carta de 28 de Janeiro 1841 a D. Pedro II, Apud. ARAÚJO, 1993:5).

O empenhamento do filósofo luso, no processo educacional, cultural e histórico é, portanto, por demais, evidente, a que se ficam a dever, seguramente, condições muito concretas que estimularam, favoravelmente, a ação educativa: num primeiro período, beneficiando de um pequeno estrato da sociedade; numa fase subsequente, com D. João VI à frente da Corte Portuguesa e da restante comitiva, (cerca de 15 mil pessoas que se juntaram, então, às 45 mil que constituíam a população do Rio de Janeiro) reorganiza-se a administração, nomeiam-se titulares para os diversos cargos ministeriais. Tal dinâmica provocou o desenvolvimento urbano de muitas cidades, reconhecendo-se, por tudo isto, a urgência da criação de cursos para habilitação do pessoal.

A fundação de estabelecimentos de ensino e a criação de cursos de vários níveis resultam, afinal, das necessidades concretas da sociedade brasileira, conduzindo a uma lenta ruptura com o ensino ministrado pela Companhia de Jesus, numa lógica colonial, todavia ainda se manteve uma metodologia que se regeria, por bastante tempo, por padrões mais literários que científicos, mas havendo já uma preocupação por uma orientação educativa pragmática, suscitando em termos políticos e pedagógicos uma vontade para a emancipação do Brasil.

Veja-se o desenvolvimento que Maria Luísa Ribeiro fez sobre este segundo período que vai de 1808 a 1850 que designou por «crise do modelo anterior e início da estruturação do modelo seguinte», citando Fernando de Azevedo, (a partir da obra: A Cultura Brasileira: Introdução ao Estudo da Cultura no Brasil, p. 327): «A obra de D. João, antes de tudo, ditada pelas necessidades imediatas do que sugerida por qualquer modelo, lembra sob certos aspectos a obra da Revolução Francesa.» (RIBEIRO, 1986:46).

Segue-se uma alusão a Pinheiro Ferreira, neste mesmo contexto, realçando-se a sua importância na vida brasileira deste período: «Além disso, Silvestre Pinheiro Ferreira, depois de ter sido aconselhado a deixar Portugal, por ser adepto de Locke, Condillac e rebelar-se contra as doutrinas oficiais, chega ao Brasil em 1808 com a Família Real e ascende à posição de uma das principais figuras do governo imperial ocupando as pastas do Exterior e da Guerra.» (Ibid.)

É ainda no século XIX que se assiste ao surgimento de uma estratificação social mais complexa do que a que vigorou no período colonial. Neste, o símbolo de classe pressupunha uma educação livresca, académica e aristocrática, fator estruturante do poder colonial, sem descurar objetivos religiosos e literários, com recurso aos métodos pedagógicos assentes na autoridade e na disciplina.

A nova sociedade, composta por uma faixa intermediária, reforçada com a mineração, tornou-se cada vez mais influente nas áreas urbanas. É justamente deste setor intermediário da sociedade que irão sair indivíduos com formação jornalística, política e no campo das letras, que se integraram no período conturbado da regência. 

Certamente que não se ignoram as dificuldades deste período, até pelas influências que, seguramente, ficaram de uma mentalidade europeia, por que não, encabeçadas por Pinheiro Ferreira, entre outros, dadas as suas simpatias pelos ideais franceses, consubstanciados na cultura, na educação, no socialismo e na política. Isto mesmo constata-se nos ilustres estudiosos deste período: «Desde o século XVIII, ideias filosóficas, políticas educacionais francesas orientam brasileiros cultos e, agora no século XIX, irão exercer uma maior influência e servirão como modelos de orientação.» (MIRANDA, 1975:43).

Em qualquer época e zona do mundo, a Filosofia, pese embora as vicissitudes provocadas por outros domínios do conhecimento, tem tido um papel de busca incessante de inteligibilidade, a partir das causas e princípios constitutivos da realidade. É um caminhar sem fim, perseguindo a fundamentação, justificação e a redescoberta. Em Portugal, como no Brasil, todos os amantes da sabedoria, desde os antigos aos contemporâneos, não desistem de uma vida filosófica, que sempre é compatível e solidária com a inteligência.

Pinheiro Ferreira foi um desses raros homens que, ao serviço da educação, utilizou a Filosofia e, de facto, no Brasil, teve intervenção relevante, nomeadamente a propósito do ecletismo francês, cuja base procedia do saber, de ilustração, veiculada, ao tempo de Pombal, pelos estrangeirados, os quais, circulando pelo mundo, também chegam ao Brasil.

Esta elite adere com entusiasmo às novas ideias iluministas, destacando-se vários intelectuais: Alexandre Gusmão, Matias Aires, Santos Leal, José Bonifácio, este último viria a desempenhar papel importante no processo da Independência do Brasil, tal como, inevitavelmente, nos surge Pinheiro Ferreira que, nesta torrente de ideias, debates e teorias, destacar-se-á, num certo clarificar ou reorientar o pensamento filosófico: «A transição deu-se com Silvestre Pinheiro Ferreira que, em 1813, ministraria um Curso no Real Colégio de S. Joaquim. Lançou-se ele a uma reformulação tomando como ponto de partida as ideias consideradas pela tradição. (...) Enfim, não deseja interromper o diálogo com o passado, nem apresentar a modernidade como algo de chocante e inusitado.» (CRIPPA, 1978a:74).

Verifica-se, portanto, que a personalidade e a influência de Silvestre Pinheiro Ferreira, são incontornáveis quando se analisam temas sociais, filosófico-educacionais e políticos. No que à educação respeita, e pese embora certas interpretações que pretendem esclarecer o afastamento de Pinheiro Ferreira da Congregação do Oratório, devido a divergências com o Padre Teodoro de Almeida, tal poderia não ser esta a razão, mas, possivelmente, devido à dificuldade do jovem Pinheiro Ferreira manter-se nos preceitos filosófico-científicos do Oratório.

Certamente que enquanto supervisionados pelo seu Diretor responsável, a que se acresce uma cada vez maior simpatia do principal castro da Universidade de Coimbra, pelo nosso autor, atentas, então, as relações difíceis que existiam entre a Congregação do Oratório e as Universidades. Todavia, a influência espiritual e pedagógica do Oratório viria a marcar, indelevelmente, a formação de Silvestre Pinheiro Ferreira, que de resto, nunca escondeu uma certa “saudade” do Oratório.

Silvestre Pinheiro Ferreira, no seu projeto de criação da Junta de Instrução Pública, prevê um ensino que, numa primeira fase, contempla uma ordem natural do desenvolvimento do espírito humano, independentemente da capacidade de cada um, correspondendo esta fase aos “estudos primários”, sendo as crianças chamadas, sem quaisquer discriminações, a exames públicos através dos quais revelarão o que têm aprendido, e a partir desta avaliação se poder determinar qual a carreira que convém à criança: se aquela que os pais escolheram; se aquela para a qual a natureza melhor dotou o aluno.

Aos pais e encarregados de educação, reserva-se sempre o direito de escolherem a escola e/ou o instituidor que lhes parecerem mais convenientes, cabendo ao júri de exame decidir sobre qual a carreira que o aluno deve seguir: a das artes ou a das ciências.

A idade para ingresso nos Colégios de Educação é estabelecida aos 7 anos, sob a direcção da Junta Suprema de Instrução Pública, sendo obrigatório para todos os alunos, independentemente da graduação dos chefes de família.

Ao Governo é atribuída intervenção decisiva no processo de instrução de tal forma que: se por um lado, deve proporcionar a cada cidadão as facilidades indispensáveis, para aquisição dos conhecimentos, compatíveis com uma profissão útil ao próprio e à sociedade; por outro lado, deve fiscalizar para que o esforço da nação não seja esbanjado por aqueles, a favor de quem se fazem, devido a negligência dos beneficiários, bem como, acompanhar a conduta dos pais e tutores que, obrigados pelas leis sociais e da natureza, devem cuidar da educação dos filhos, no sentido de não proporcionar a estes uma carreira falsa ou viciosa.

À problemática que resulta da aparente incompatibilidade, entre o facto de a lei retirar a educação dos filhos à autoridade de seus pais e no respeito pelas ideias recebidas, sem ofender os sentimentos e interesses, Pinheiro Ferreira responde que: «Fazendo assentar o plano de educação nacional sobre esses mesmos sentimentos que animam os pais para com seus filhos, enquanto fundados na natureza do coração humano; porquanto propensões, que se encontram em toda a parte onde há homens, constituem um facto antropológico, um facto que faz parte do mesmo homem, um facto tão superior às forças humanas como a mesma natureza.» (FERREIRA, 1834b:454).

A construção do edifício Silvestrino no domínio social e económico, preconiza um sistema educativo do tipo profissional, contudo, complementado por uma estrutura assistencial adequada, designadamente, com a ocupação dos tempos livres, com atividades culturais (Teatro), físicas, jogos sedentários (xadrez, damas, cartas, excepto os de azar), incluindo-se nesta assistência um objetivo bem específico, o qual era o de evitar as situações de marginalidade, (vadiagem, prostituição e criminalidade). Em Portugal, defende-se, hoje, estas estratégias como algo de inovador (?)

O ensino, de acordo com as preocupações já apontadas e tendo em vista os objetivos a alcançar, através das carreiras das artes e das ciências, revestia, no entanto, um caráter marcadamente politécnico e as escolas abrangeriam as etapas: primária, secundária e preparatória. Era possível o ingresso no ensino superior, a todos os que tivessem aproveitamento distinto no final do ensino preparatório, para o que se concediam bolsas para a frequência do ensino superior.

Nas reflexões que antecedem o «Projecto de Associação para o Melhoramento da Sorte das Classes Industriosas (1840)», Pinheiro Ferreira, transmite uma ideia de uma sociedade promotora da educação industrial, observando uma formação integral, com possibilidades de polivalência, isto é, uma formação profissional específica, acompanhada de uma educação para os valores e direitos humanos e, finalmente, conhecimentos diversos para enfrentar eventuais crises de emprego e correspondentes situações de desemprego.

Com efeito: «O Governo tem já providenciado e sem dúvida se propõe continuar a prover com o mesmo ardor a instrução pública. (...) Os estabelecimentos criados pelas leis têm unicamente por objecto fornecer à mocidade os meios de adquirir os conhecimentos precisos para as diferentes carreiras científicas ou industriais; mas na instrução não se encerra tudo o que se entende e deve entender por educação verdadeiramente nacional. (...) é necessário que os alunos (...) adquiram os princípios de moral e os hábitos de ocupação e indústria, sem os quais a instrução, longe de aproveitar ao indivíduo, só serve de convertê-lo num incorrigível inimigo da moral e da sociedade. (...) E enfim, como entre várias artes existe mais ou menos afinidade, será fácil aos Directores organizarem o Ensino de maneira que, se bem que o aluno faça de uma delas a sua habitual profissão, possa, contudo, na falta de trabalho, lançar utilmente mão de qualquer daquelas que lhe são análogas.» (FERREIRA, Apud. PEREIRA, 1996b:37-38).

Concordar-se-á, seguramente, que a influência de Pinheiro Ferreira, na educação, ao seu tempo, seria notável, na medida em que a quantidade de projetos, normas e regulamentos, por ele elaborados, constitui prova inequívoca da sua preocupação pela educação, não só das crianças em idade escolar, mas principalmente da mocidade, ao ponto de entender que não basta uma formação exclusivamente técnica ou tecnicista, mas que, sendo o homem um todo complexo, dotado de várias dimensões: política, social, cultural, ética, religiosa, económica, a sua formação deve ser abrangente, integral, para que possa enfrentar, sem dificuldades, as vicissitudes da vida.

Bibliografia

 

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ROMANELLI, Otaíza de Oliveira, (1997). História da Educação no Brasil. 19a Ed. Petrópolis/RJ: Vozes

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Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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