Quem olha, superficialmente, o sistema escolar brasileiro e as políticas que o norteiam, pode cair em equívocos. Isso porque vemos um emaranhado de siglas que direcionam dinheiro e prevêem a participação da comunidade na vida da escola. O equivoco se manifesta porque esses projetos e programas dão a impressão de que o sistema escolar nacional anda na contramão das posturas e propostas internacionais, de caráter neoliberal, que propõem a não interferência do Estado no cotidiano das relações com o capital e direcionar recursos às escolas seria uma interferência; da mesma forma que a participação da comunidade nas decisões sobre a aplicação dos recursos públicos poderia dar a impressão de que se vive num regime socialista. Na realidade, podemos dizer, esse não é o melhor nem o único caminho para entender as políticas públicas nacionais e sua relação com as políticas internacionais.

As políticas públicas podem ser entendidas como um dos mecanismos pelo qual o Estado age. Isso implica dizer que as políticas públicas são o Estado em ação, ou "a materialidade da intervenção do Estado" como sugere Janete de Azevedo (2004, p. 5). Podemos dizer, também, de modo bem simplificado que as várias tendências e posturas educacionais basicamente se filiam a duas correntes: uma se assenta numa base liberal – hoje neoliberal – (aqui não vamos entrar na caracterização do que seja o liberalismo ou o neoliberalismo, apenas afirmamos que o neoliberalismo é o liberalismo revisado, de onde brota a teoria do Estado mínimo), que vem norteando a teorização e a prática educacional brasileira; e outra provinda dos movimentos populares e que se utilizam de um instrumental marxista para a leitura da sociedade e proposição da tendência educacional que o professor Libêneo chamou de progressista. E, a partir dessas duas bases teóricas se desenvolveram as tendências educacionais que norteias as diferentes posturas educacionais.

O problema, em se tratando da educação nacional é que, concordando com C. C. Luckesi, as posturas de caráter marxista não têm condições de se institucionalizar. Isso porque o Estado brasileiro, como aliás o poder institucionalizado, assenta-se sobre a base liberal – e mais exatamente, neoliberal – e, portanto, não tem como assumir-se como marxista e, consequentemente, as políticas públicas do Estado não podem ser marxistas, pois isso produziria uma situação contraditória e inoperante. Uma vez que o Estado é neoliberal suas políticas são neoliberais.

Entretanto, e esse é nosso problema, ou o problema da educação nacional e consequentemente das políticas públicas nacionais, é que muitas das propostas se fundamentam em teóricos que beberam nas fontes das várias teorias pedagógicas que se fundamentam no marxismo e suas pesquisas e proposições caminham a partir daquilo que se chamou de tendência progressista, ou em teorias que não são essencialmente liberais/neoliberais. Além do mais, nossas escolas são, em essência, tradicionais; entretanto as propostas pedagógicas que emanam dos documentos oficiais respiram pala e a partir da ótica libertadora, libertária, transformadora. Esse, inclusive é o discurso de muitos de nossos teóricos da educação e, podemos dizer, de vários documentos oficiais, haja vista a colcha de retalhos que são os PCNs que comentam várias perspectivas, mas assumem-se como construtivistas. Ou seja o discurso oficial, pode até se apresentar com perspectivas transformadoras, mas no momento da prática o sistema permanece tradicional, pois o estado é neoliberal

Esse é, de modo bem simplificado, o drama do nosso sistema educacional: é tradicional, mas sonha em ser transformador; faz um discurso transformador, mas se manifesta com uma prática conservadora. Fala da necessidade de transformações, mas não consegue nem ser produzir pequenas alterações além de ser extremamente burocratizado. Entretanto nosso país não existe sozinho ou isolado. Somos uma nação que se relaciona tanto com organismos internacionais como com outros Estados. Os Estados com os quais o Brasil se relaciona também se assentam no liberalismo/neoliberalismo. As instituições não são diferentes, pautam-se em posturas assistencialistas e não transformadoras – UNESCO, UNICEF, por exemplo, não possuem caráter revolucionário! Disso resulta essa situação anômala que é tanto nosso sistema educacional como as cobranças que nos são feitas: anuncia-se a necessidade de transformações, mas permanecemos arraigados em vícios ou problemas seculares. Tanto isso é verdadeiro que em classificações internacionais os estudantes brasileiros permanecem, ano após ano, nas últimas classificações. Ou seja, somos uma potência agrícola, comercial, e econômica, mas com índices alarmantes de analfabetismo e ineficiência escolar.

Cobra-se, por exemplo, erradicação do analfabetismo. Mas nossas crianças e nossos professores permanecem mergulhados na insuficiência de rendas. Tanto que já se tornou um refrão a afirmação de que criança com fome não aprende e professor sem dinheiro não se atualiza. O discurso oficial prega a qualidade nas práticas pedagógicas, mas as salas de aula permanecem superlotadas e os professores, essencialmente da rede publica, com salários reduzidos fazem turnos dobrados e, obviamente, por estarem super-atarefados ficam sem tempo de se preparar para as atividades em classe e, obviamente, sem meios de fazer cursos de atualização. Isso significa dizer que nossos professores são bons profissionais, mas não tem tempo nem de preparar boas aulas nem de se atualizare.

Diante desse quadro se impõe a indagação: Como o professor pode se preparar adequadamente para lecionar? Como os estudantes que lhe são confiados, podem aprender se, muitos deles, permanecem em situação de fome endêmica? Mas a indagação principal é: frente a esse quadro, podemos dizer que existe real vontade de se produzir educação que leve em conta os interesses dos trabalhadores, contra os privilégios do poder econômico, representado pelo Estado? Também podemos nos indagar a respeito das políticas internacionais. Como elas se relacionam com a educação?

O mundo contemporâneo não é mais aquele produzido pelo Renascimento e Revolução Francesa/Industrial; menos ainda o Mundo Medieval. Embora em contextos diferentes e perspectivas econômicas diversas, esses dois mundos tinham em comum a concepção de sociedade que pode ser vista como manifestação da vida comunitária. Não foram poucos os teóricos que afirmaram o caráter social e político do homem, desde Aristóteles até Rousseau; além disso o mundo moderno se instalou a partir do desenvolvimento dos centros urbanos. O mundo contemporâneo, ou pós-moderno, como por vezes é chamado, entretanto já não tem mais essa característica. Também aqui não são poucos os teóricos a afirmar que uma das características da sociedade contemporânea é o individualismo – lembremo-nos que T. Hobbes já havia afirmado que o homem é o lobo do homem. Sem contar que Nietzsche afirma a maldade inata do ser humano. Esse individualismo é, aliás, uma das bases do liberalismo: ao mesmo tempo em que afirma a liberdade ou autonomia do cidadão, da empresa, do mercado, nega a necessidade de interferência do Estado. Podemos dizer que o mundo atual, baseado no individualismo, se estruturou principalmente durante o século XX.

Nega a interferência do Estado, pelo menos enquanto está ocorrendo lucratividade ou o mercado está se auto regulando. Quando ocorrem as crises ou perda de lucratividade o liberalismo – da mesma forma que o neoliberalismo – pedem socorro ao Estado para evitar prejuízos das grandes empresas e instituições econômicas. Ao longo dos anos podem ser mencionados vários exemplos de crises que foram minimizadas pela interferência do Estado liberal: crise de 1929, crise do petróleo, na década de 1970, e a atual crise em que os Estados estão se desesperando para salvar o sistema financeiro.

Entretanto o avanço e utilização das modernas tecnologias e a vitória definitiva do neoliberalismo sobre todas as experiências socialistas, provocaram algumas alterações nessa relação. Inicialmente, a partir de uma ótica marxista e, portanto, coletivista, afirmava-se o caráter nefasto do individualismo. No mundo pós-moderno cobra-se, não o individualismo, mas a preservação da individualidade. Volta-se a perceber a importância do coletivo, mas com outra configuração: manutenção do individualismo, mas de forma cooperativo. O sistema escolar, na atualidade "exige, uma articulação precisa entre o grupo e o indivíduo. Ser membro ativo de uma equipe implica dispor de algo próprio para contribuir. A excelência individual não é contraditória com o trabalho coletivo" (Tedesco, 2001, p. 97)

O mundo liberal, portanto, permanece defendendo a supremacia do individuo sobre o coletivo, mas, ao mesmo tempo, as reformulações do mercado de trabalho requerem uma reformulação também nas relações interpessoais e trabalhistas, o que implica dizer que foram desenvolvidas novas abordagens ao coletivo. O mercado de trabalho não valoriza mais o individuo enquanto tal, mas o individuo que sabe se relacionar. Por isso uma das capacidades mais requisitadas é a de "trabalhar em equipe"

Tudo isso repercute no mundo escolar: ao mesmo tempo em que o mercado cobra da escola maior preparação do estudante, extingue postos de trabalho, como mostra Eric Hobsbawm. Assim sendo, se por um lado cresce o desemprego, por outro se cobra mais qualificação dos futuros trabalhadores. E do sistema escolar é cobrado que prepare bem os novos profissionais, que, ao saírem do período de formação escolar não encontrarão postos de trabalho à sua espera. Podemos dizer, enfim, que esse é o drama do mundo contemporâneo: desafiado a crescer dentro de um panorama de crise.


Referências

AZEVEDO, Janete M. L. de. A Educação como Política Pública. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2004.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o Breve Século XX (1914-1991). 2. ed. R. Janeiro: Cia. das Letras, 2001.

LIBÂNEO, José Carlos.  Democratização da Escola Pública.  São Paulo : Loyola, 1990.

LUCKESI, Copriano C. Filosofia da Educação. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 31 ed. Campinas: Autores Associados, 1997.

TEDESCO, Juan C. O novo pacto educativo:educação, competitividade e cidadania n sociedade moderna. São Paulo: Àtica, 2001


Prof. Ms Neri P. Carneiro - Filósofo, Teólogo, Historiador. Leia mais: <http://falaescrita.blogspot.com/>; <http://ideiasefatos.spaces.live.com>;

<http://www.webartigosos.com/authors/1189/NERI-P.-CARNEIRO >; <http://www.artigonal.com/authors_51301.html>; <www.brasilescola.com.br>