EDUCAÇÃO NO SISTEMA PENITENCIÁRIO

EDUCATION IN THE PENITENTIARY SYSTEM

Daniel Carneiro[1]

 

RESUMO

 

O processo educacional, condição de crescimento do ser humano e fator de formação da personalidade, é direito assegurado aos brasileiros pela Constituição Federal, seja para o homem livre ou o homem preso. Por outro lado, a falta de uma educação eficaz é objeto de estudos como causa do aumento dos índices de criminalidade. O Sistema Prisional brasileiro deveria ser local de punição pela conduta antissocial, mas também local onde as condições de resocialização deveriam ser asseguradas. Tal ressocialização garantiria a dignidade humana no tempo de cumprimento da pena, bem como segurança para a sociedade como um todo, reduzindo a reincidência de crimes e propiciando uma maior segurança. Apesar de todos estes fatores, a educação encontra condições especiais quando desenvolvida no sistema penitenciário, e as dificuldades impostas muitas vezes impede uma educação eficaz e garantidora do seu objetivo maior: a ressocialização.

 

 Palavras-chave: 1. Educação. 2. Sistema Penitenciário. 3. Ressocialização .

 

           

ABSTRACT

 

 

The educational process, a condition of human growth and a factor of personality formation, is a right guaranteed to Brazilians by the Federal Constitution, whether for the free man or the imprisoned man. On the other hand, the lack of effective education is the subject of studies as the cause of the increase in crime rates. The Brazilian Prison System should be a place of punishment for antisocial conduct, but also a place where conditions of re-socialization should be ensured. Such re-socialization would guarantee human dignity at the time of punishment, as well as security for society as a whole, reducing recidivism of crimes and providing greater security. Despite all these factors, education finds special conditions when developed in the penitentiary system, and the difficulties imposed often prevent an effective education and guarantee of its greater goal: re-socialization.



 Keywords: 1. Education. 2. Penitentiary system. 3. resocialization.

 

 

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

                        A violência é mazela social mais abordada e objeto de maior preocupação da população brasileira na atualidade. Muito se fala na necessidade de leis mais rígidas, de execuções menos flexíveis, lembrando apenas do caráter punitivo da pena.

                        O que a sociedade esquece é que a pena é condição transitória e que o objetivo punitivo deve ser aliado com o objetivo resocialização do apenado, para que o mesmo possa ser inserido na sociedade em condições de permanecer no seu convívio sem a prática de novos crimes.

                        Presídios lotados, falta de atividades e projetos que possam trazer dignidade e a possibilitar uma vida digna ao condenado, livrando-o do seu convívio com a criminalidade são empecilhos na concretização desse objetivo.

                        Nesse contexto, a educação, apontada como elemento imprescindível para o desenvolvimento do homem livre, também tem grande importância para evolução do homem preso, formação de sua personalidade e fortalecimento dos princípios intrínsecos ao convívio social.

                        Dessa forma o presente trabalho visa apontar os caminhos da educação no sistema penitenciário, especificando os caminhos para a que seja oportunizado o estudo aos condenados, ressaltando o papel do professor como operacionalizador da aprendizagem em ambiente tão específico.

                        Mediante a utilização método de estudo descritivo, qualitativo fenomenológico, e pesquisa bibliográfica, se busca a análise das referências teóricas, a apreensão de um determinado acontecimento que diz respeito tanto ao comportamento humano quanto às experiências vividas, contribuindo assim para a interpretação, a compreensão dos sentidos, bem como a interação entre os seres envolvidos. (MOREIRA, 2004).

 

 

 

 

 

 

 

  1. REFERÊNCIAL TEÓRICO

 

 

Os índices educacionais são conhecidamente indiretamente proporcionais aos índices de criminalidade em qualquer sociedade.

Quanto maior o grau de instrução de uma população menor são os índices de criminalidade apurado.

Ora, se a educação é capaz de mudar a condição social de um indivíduo livre facilitando o seu afastamento de condutas antissociais, o mesmo pode ser aplicado em relação aos resultados apurados dentro de instituições penitenciárias, que devem ter o compromisso de devolver à sociedade indivíduos capazes de se inserir de forma positiva no mercado de trabalho e no convívio social.

A resocialização é benefício para o preso e para toda a comunidade. As oportunidades devem ser garantidas, afastando o entendimento retrógrado de punição sem planejamento e indiferente à dignidade humana, que somente proporciona a reincidência que assola a sociedade e contribui para o inchaço do sistema penitenciário.

 

 

  • Delimitações da Educação Prisional

 

 

A crise no sistema prisional fez emergir problemas que à décadas vem se acentuando pela falta de políticas que garantam a resocialização do detento.

A falta destas políticas imprimem ao cumprimento da pena apenas a sua função punitiva, deixando de lado a premissa de que os presos deverão, após o cumprimento de sua condenação, retornar ao convívio social.

Estudos do IBGE descrevem a população carcerária como de baixa escolaridade de origem pobre, na maioria negros. Ou seja, a maioria dos indivíduos em condição de cárcere foram afastados, ainda que livres, de direitos constitucionais básicos e intrínsecos à dignidade humana.

O princípio da dignidade Humana é Fundamento da República Federativa do Brasil, previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1°, inciso III, in verbis

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.”

                        A educação apresenta-se como fator essencial na garantia e respeito à dignidade Humana, pilar para a reinserção social dos indivíduos presos. (TAVARES, 2008).

                        Definida como direito social de todos, a educação é garantida pela Constituição (BRASIl, 1988, art 6º e 205) e dever do estado. Assim, a Lei de Execução Penal em seus artigos 10 e 11 enumera seis categorias de assistência garantidos aos detentos durante o cumprimento da pena:

“Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso

Art. 11. A assistência será:

I - material;

II - à saúde;

III -jurídica;

IV - educacional;

V - social;

VI – religiosa”

Apesar da previsão constitucional expressa, bem como em leis infraconstitucionais, esse direito muitas vezes não é garantido, e, em se tratando de educação prisional, o problema se acentua. Como bem assegura Carreira (2009), o ambiente prisional se apresenta como espaço de aprendizagem negativa, que leva muitas vezes os detentos à permanência no mundo do crime e não a um aprendizado positivo que possa incentivá-lo e condicioná-los a uma postura social esperada. Para Foucault (2009) “A prisão fabrica indiretamente delinquentes”.

                        A transposição do entendimento da educação prisional como regalia, ou elemento opcional do detento é básica para a sua compreensão como primeiro elemento para aproveitamento e criação de oportunidades.

                        Assim, Coyle (2002) assevera que a educação deve suprir necessidades básicas, a fim de que todos os detentos tenha oportunidade de desenvolver habilidades tais como ler, escrever, fazer cálculos básicos que contribuirão para seu ingresso no mercado de trabalho e na sociedade livre.

 

  • Disciplina no sistema penitenciário x Abertura para educação

 

 

                        Na contramão das disposições da lei de Execução Penal, que estabelece condições dignas e ambiente propício para a conivência harmoniosa no âmbito penitenciário, o que se verifica nas cadeias brasileiras é a condição insalubre, disseminação da cultura criminal, ócio e falta de assistências básicas previstas em lei, inclusive no tocante à educação.

                        Nesse diapasão, comuns são as rebeliões e crimes organizados por detentos que assolam a sociedade, e o clamor cada vez maior de penas mais rígidas e maior disciplina dentro dos presídios.

                        Tal segurança, entretanto, cada vez se mostra menos eficaz, tendo em vista a falta de dignidade e sobretudo pela superpopulação carcerária, produzida pelos poucos estabelecimentos prisionais e negativa de condições de ressocialização implementadas nestas instituições.

                        Nas palavras de Shecaira (2006):

“A pena é privativa de liberdade, e não privativa da dignidade, do respeito e de outros direitos inerentes à pessoa humana [...] Ademais, é através da forma de punir que se verifica o avanço moral e espiritual de uma sociedade, não se admitindo, pois, em pleno limiar do século XX, qualquer castigo que fira a dignidade e a própria condição do homem, sujeito de direitos fundamentais invioláveis”.(SHECAIRA, 2006)

                   Observa-se que disciplina não é necessidade apenas para grupos de detentos, ao contrário como discorre Mirabete (2007), a disciplina, ordem e respeito é necessária a todos os grupos de pessoas para o convívio harmonioso.

                        A grande dificuldade dos centros prisionais é justamente a manutenção da ordem e da disciplina, associando-as às assistências básicas garantidas aos detentos como fator de resocialização e dignidade.

                        Segundo Mirabete (2007) a manutenção da ordem e disciplina não podem ser supedâneo para medidas rígidas e desumanas, que apenas original outros males, e sim aplicação de fundamentos adequados que concorram para reinserção social.

                        Para Nucci (2008) o equilíbrio entre mecanismos de recompensas que incentivem a boa conduta e sanções para os descumpridores de deveres, aliados com uma estrutura aberta para a educação lazer, atividades profissionalizantes para presos, apenas contribuem para a finalidade de resocialização e manutenção da ordem e da disciplina.

 

  • Especificidades da Educação a ser promovida no Sistema Penitenciário

 

                        A assistência Educacional é regida nos termos da Lei de Execução Penal, nos artigos de 17 a 21 da seguinte forma:

“Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado.

Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa.

Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.

Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição.

Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.

Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.”

                        A educação promovida no sistema penitenciário tem por objetivo manter o detento afastado do ócio, melhorar a qualidade de vida no espaço de privação de liberdade e proporcionar a apreensão de conhecimentos e atitudes sociais que influenciem na inserção social após cumprimento da pena, com a mudança de princípios éticos e morais, reduzindo os índices de reincidência.

                        A educação realizada dentro do ambiente prisional deve ser ampla, dissociada à idéia de educação escolar, baseada em conteúdos pragmáticos, mas voltada à criação de uma cultura e de uma conduta social apropriada.

                        A criação de um ambiente apropriado para a educação e obtenção de um resultado eficaz encontra grandes percalços nos sistema brasileiro pela falta de uma política pública condizente e apoio da própria sociedade.

                        Muitas vezes são as entidades do terceiro setor que assumem o papel do Estado na disponibilização de educação aos detentos, mantendo o Estado afastado e contribuindo para a falta de continuidade, estrutura, profissionais qualificados e condições necessárias e previstas em lei para uma educação eficaz oferecida ao preso.

                        Assim concluímos pelos vários desafios enfrentados pela educação prisional, baseada na falta de estrutura, profissionais qualificados para o trabalho com a população carcerária, conscientização da sociedade da necessidade promoção de uma cultura de paz, políticas públicas que garantam a continuidade do processo de aprendizagem e oportunidades para integração do detento no ambiente social.

 

 

  • Aplicação da docência no sistema penitenciário e Papel do professor no processo de aprendizagem voltados à detentos

 

 

                        Tendo em vista todas as condições apresentadas, a docência exercida no âmbito prisional tem características singulares, especificidades oriundas do próprio espaço e dos autores da relação de aprendizagem. (ONOFRE, 2007)

                        Neste contexto o papel do professor torna-se essencial para que as transformações e formação esperadas para a socialização do detento se concretize.

                        A docência social é muito teórica e a prática do ensino em ambiente prisional quase que inexistente. Portanto, a formação profissional dos docentes que se engajam na educação prisional é forjada no cotidiano, na prática e vivência do dia a dia, na interação com os atores e espaço.

                        Ratificando esse posicionamento, Nóvoa (1995) aduz:       

É necessário que os professores se assumam como produtores de sua profissão. O que implicaria desenvolver o profissionalismo docente, articulado com as escolas e seus projetos, ou seja, as escolas não mudam sem que os professores queiram e desejem e, por sua vez, estes não podem mudar sem uma transformação das instituições em que exercem seu ofício (NÓVOA, 1995, p. 72).

 

                        O professor deve atuar como mediador do processo pedagógico e desenvolver um trabalho flexível, baseado na positividade e diálogo.

                        Nas palavras de FURINI in LAFFIN (2011), o professor que trabalha na escolarização prisional se insere em um campo de disputa, enquanto prima pela promoção da liberdade e da promoção humana encontra como ambiente um sistema prisional que prioriza a repressão a violência e a vigilância.

                        Tamanha responsabilidade somente pode ser assumida por profissionais que acreditam na resocialização, que tenham um olhar diferenciado frente à situação do cárcere e compreensão que esta condição somente poderá ser alterada com um trabalho maduro, contínuo e adequado à realidade social e experiências dos detentos.

                        A proximidade e o diálogo auxiliam os educadores na difícil tarefa de orientar e corrigir os presos, repassando não somente os conteúdos propostos, mas também propiciando a mudança de comportamento, enfatizando valores, limites e responsabilidades.

                        Todas estas premissas levam à necessidade de capacitação específica dos professores que exerceram a atividade docente no sistema prisional, o que garante melhores resultados e convivência com os apenados.

                        A prática pedagógica mais eficaz é aquele que desperte o interesse do aluno, um ambiente seguro e que crie afinidades com o conhecimento abordado, com a vinculação de aspectos da vida com a educação.

                        Todo o investimento necessário para educação do preso deve ser encarado como prevenção à reincidência. Tal política social deve ser afastada do conceito de regalia para ingressar em um contexto de preservação da paz e da convivência social. 

 

 

 

 

 

3.CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

                        O papel da educação no sistema prisional é primordial para resocialização do detento. A educação é notoriamente fonte de conhecimento e moldador da personalidade humana.

                        A população carcerária, como qualquer outro grupo social, tem esse direito assegurado por lei, e mais que qualquer outro grupo é carecedor desta oportunidade que tende a extrapolar o conteúdo do português, da matemática e a se concretizar como formação cultural ética e de novos princípios.

                        As políticas públicas, quase inexistentes nesta esfera no Brasil, deveriam ser cobradas pela sociedade que normalmente clama por mais severidade e rigorosidade na aplicação da pena e na condução de atividades de disciplina e ordem, esquecendo-se que a formação do ser humano que voltará à sociedade é de suma importância para a manutenção da paz e bem da coletividade.

                        O papel do professor nesta luta se mostra insubstituível, porém merece respaldo, formação, capacitação específica, visto as dificuldades e peculiaridades do sistema prisional e realidade dos detentos a serem educados.

                        Não refletir sobre a situação da grande comunidade prisional, é inviabilizar uma conduta produtiva, a saber que a simples privação de liberdade não oferece ressocialização, ao passo que a educação, com todas as suas deficiências e desafios, podem proporcionar a reintegração do indivíduo na sociedade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

 

BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984.

 

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

 

CARREIRA, Denise. Relatório Nacional para o Direito Humano à Educação: Educação nas Prisões Brasileiras. SP, 2009.

 

COYLE, Andrew. Administração Penitenciária: Uma abordagem de Direitos Humanos: Manual para Servidores Penitenciários. Londres: International Centre for Prison Studies, 2002

 

FOUCALT, Michel. Vigiar e punir – História da violência nas prisões – Tradução de Raquel Ramalhete. 36. Ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

 

LAFFIN, M.H.L.F. Educação de jovens e adultos na diversidade/ organizadora Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin. – Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2011.

MIRABETE, Julio Fabrini; FABRINI, Renato. Execução Penal: Comentários à Lei n° 7.210, de 11-7-1984. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

MOREIRA, V. O método fenomenológico de Merleau- Ponty como ferramenta crítica na pesquisa em psico-patologia. Psicologia: Reflexão e Crítica. 2004

 

 

NÓVOA, Antônio. Vidas de professores. Porto: Ed. Porto. 1995.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2008, p. 1087.

 

ONOFRE, Elenice Maria C. (Org). A educação escolar entre as grades. São Carlos/ SP: EDUFSCAR, 2007.

 

SHECAIRA, Salomão Sergio. Controle Social Punitivo e a Experiência Brasileira: Uma Visão Crítica da Lei 9.099/95, Sob a Perspectiva Criminológica. v.29. revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, 2006.

 

TAVARES, Andre Ramos. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

 

 

 

 

 

 

Acadêmico da disciplina isolada Docência do Ensino Superior, do PPGDS – Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros.