UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

CONSTITUCIONAL III

DOCENTE: JACKSON NOBRE 

 

FRANCISCO YTALLO DA SILVA SAUNDERS 

 

ENSAIO - EDUCAÇÃO E DEFICIÊNCIA:

inferiorização segregacionista e julgamento da ADI 5.357 

 

FORTALEZA

2022 

 

Resumo:

Trata-se de uma análise sobre o direito da pessoa com deficiência à educação, formalizado na Constituição e debatido na Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 5.357. Inicia-se com uma apertada síntese da história do preconceito que perdura na atualidade em forma de comiseração e omissão geral. Tal reflexão traça uma relação entre o icônico julgamento sobre a necessidade das instituições privadas de ensino se tornarem acessíveis, o seu resultado e a realidade que se sustenta segregante.  

Palavras-chave: pessoa com deficiência; preconceito; direito; omissão; educação; constituição. 

 

1 Introdução:

O direito da pessoa com deficiência à educação é reconhecido com quase unanimidade entre as pessoas comuns. No entanto, como na enorme maioria dos demais direitos, ele esbarra em dois problemas gerais: a oposição, comissiva ou omissiva, da população em incluir a pessoa portadora de deficiência no mesmo contexto das pessoas sem deficiência e a realidade prática que destoa, para não dizer desrespeita, do que é formalizado no nosso atual ordenamento jurídico. Nesse sentido, a Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 5357 se relaciona exatamente com os dois pontos, no sentido dos argumentos do advogado requerente, do então ministro Marco Aurélio e do resultado dessa ADI frente à realidade atual, respectivamente.

 

2 Desenvolvimento

No começo século XX, a pessoa com deficiência, em especial na Europa, é observada do ponto de vista da ciência eugenista, que a observava como um problema a ser resolvido, de modo a não permitir a “disseminação” da sua existência, tida como doença. Nesse contexto, não necessariamente a maior parte dos alemães, por exemplo, olhava com ódio tal grupo. Na verdade, é bem possível que lamentassem a situação como a se compadecer por uma enfermidade sem cura. No entanto, essa “empatia” ao “inferior” não impediu que as pessoas com deficiência fossem submetidas a uma série de restrições, como esterilização, tortura e testes laboratoriais invasivos, de modo que a educação a essas pessoas sequer era possibilidade. Semelhantemente, o atual contexto de direitos humanos também não faz da sociedade suficientemente mais inclusiva, porque a sensação que o indivíduo médio tem, infelizmente, ainda é a de que o portador de deficiência é dotado de inferioridade, digno somente de comiseração. 

A situação se repete em se tratando da Educação brasileira, posto que o corpo social que envolve a criança ou adolescente com deficiência nas escolas não as inclui nas dinâmicas sociais, mas prefere, muitas vezes, invisibiliza-las, para que o desconforto de observar o diferente em sua luta por se inserir seja reduzido. Sob esse aspecto, destaca-se a argumentação do advogado representante da CONFENEN, Dr. Roberto Geraldo Paiva Dornas, no julgamento da ADI nº 5.357, sobre a constitucionalidade a Lei nº 13.146/2015, que trata, dentre outras coisas, do dever das instituições de ensino privado de se tornarem acessíveis às pessoas com deficiência, vedado a cobrança maior por isso. O advogado em questão salienta a dificuldade de adequar o portador de deficiência ao sistema geral de ensino. Segundo ele, o número variado de deficiências existentes impossibilitaria o fornecimento de uma base educacional a esses indivíduos na rede de ensino privado. Todavia, considerando que a pessoa com deficiência terá de conviver com outras pessoas, discordo do ilustre advogado, uma vez que é necessário ao processo de amadurecimento de ambos os indivíduos, especialmente crianças e adolescentes, que eles entendam a diversidade que os cercam para sedimentar neles o reconhecimento dessas variações. Sem tal inclusão, ainda que difícil, torna-se mais latente o estranhamento do indivíduo dito “normal” com a pessoa segregada. Isso não é só responsabilidade do Estado, mas também das entidades privadas, como se observa no inciso primeiro do art. 209 da Constituição Federal, o qual condiciona a livre iniciativa de entidades privadas ao cumprimento das normas gerais da educação nacional. Além disso, considerado o abismo de qualidade entre o ensino privado e o ensino público, retirar desses indivíduos a possibilidade de ir para instituições particulares acaba por limitar em muito a qualidade educacional dos portadores de deficiência, seja os proibindo de participar ou os onerando com altos custos. Desse modo, é razoável a redistribuição dos custos de acessibilidade a toda a sociedade se o intuito for garantir a equidade propagada pela Constituição e pela Lei em questão.

 Porém, ainda analisando o julgamento da ADI, é pertinente a fala parcialmente discordante do então ministro Marco Aurélio, qual seja, quanto à real efetividade do objetivo idealizado. Argumenta o ministro:

O artigo 30, com força imperativa – como disse –, cogente, impõe adoção dessas providências, múltiplas providências, pelo setor privado. E fica este – tem-se mecanismos previstos a partir de formulários – impossibilitado, como se a vida econômica não fosse impiedosa – não se dá um passo sem se colocar a mão no bolso –, de proceder a qualquer cobrança. [...] Mas, como disse o ministro Gilmar Mendes, há leis que são editadas – talvez para dar esperança vã à sociedade, impossível de frutificar – no campo do faz de conta. Daí ter me referido ao passado, quando o Brasil era pressionado para abolir a escravatura, veio a balha a denominada, à época, "lei para inglês ver", porque as pressões maiores vinham da Inglaterra, credora, em diapasão maior do Brasil.[1]

Nesse sentido, embora eu constate a importância do envolvimento também da rede privada inclusive como movimento natural do neoconstitucionalismo, o ministro brilhantemente expôs que, na realidade, a eficiência legal em si será diminuta, em face das mudanças que propõe, de modo que levará tempo até que a iniciativa privada tenha sucesso nessa obrigação. A título de exemplo, recentemente, em 2019, a taxa de pessoas com deficiência sem instrução e fundamental incompleto é de 67,6%, mais do dobro da mesma taxa comparada às pessoas sem deficiência[2], o que significa que de 2015 a 2019 a nova mudança legislativa não foi suficiente para inserir esse grupo minoritário nas instituições de ensino, nem parece o bastante para que as instituições garantissem a acessibilidade plena. Por isso, ainda que a improcedência da ADI obedeça aos fins da Constituição de 1988, não é na mera produção de leis que se encontra a efetivação do acesso à Educação de qualidade aos portadores de deficiência, intuito do poder constituinte, mas no desenvolvimento de políticas públicas e privadas que atendam a esse fim.

 

3 Considerações Finais:

Portanto, em rápida síntese, entendo que o direito dos portadores de deficiência ao ensino regular, privado e público, está formalizado na Carta Magna[3], mas que, dentro da realidade, a materialização não se verifica de maneira satisfatória. Temos, indivíduos e entidades, públicas ou privadas, que, reflexo do preconceito impregnado na sociedade, se omitem no dever de incluir tal grupo minoritário. Nesse sentido, a análise do julgamento da ADI nº 5.357 e, especificamente do voto do ministro Marco Aurélio, demonstra como há essa falta de interesse privado e público em agir em prol da comunidade com deficiências. Essa vontade de agir, então, sendo substituída pela criação e validação de leis, o que não resolve de fato nem o preconceito nem a consequência dele, isto é, a exclusão educacional.

Referências Bibliográficas: 

STF – DF- ADI 5357 MC-REF – DF, DJe 11.11.2016. 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 25. ed. São Paulo P:Saraiva Educação, 2021. 2330 p. ISBN9786555594928. 

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[1] (PÁGINA 98, Inteiro teor do Acórdão, ADI nº 5.357).

[3] Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;