EDUCAÇÃO E DEFICIÊNCIA: Inferiorização segregacionista e julgamento da ADI 5.357
Publicado em 06 de janeiro de 2023 por Francisco Ytallo da Silva Saunders
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO
CONSTITUCIONAL III
DOCENTE: JACKSON NOBRE
FRANCISCO YTALLO DA SILVA SAUNDERS
ENSAIO - EDUCAÇÃO E DEFICIÊNCIA:
inferiorização segregacionista e julgamento da ADI 5.357
FORTALEZA
2022
Resumo:
Trata-se de uma análise sobre o direito da pessoa com deficiência à educação, formalizado na Constituição e debatido na Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 5.357. Inicia-se com uma apertada síntese da história do preconceito que perdura na atualidade em forma de comiseração e omissão geral. Tal reflexão traça uma relação entre o icônico julgamento sobre a necessidade das instituições privadas de ensino se tornarem acessíveis, o seu resultado e a realidade que se sustenta segregante.
Palavras-chave: pessoa com deficiência; preconceito; direito; omissão; educação; constituição.
1 Introdução:
O direito da pessoa com deficiência à educação é reconhecido com quase unanimidade entre as pessoas comuns. No entanto, como na enorme maioria dos demais direitos, ele esbarra em dois problemas gerais: a oposição, comissiva ou omissiva, da população em incluir a pessoa portadora de deficiência no mesmo contexto das pessoas sem deficiência e a realidade prática que destoa, para não dizer desrespeita, do que é formalizado no nosso atual ordenamento jurídico. Nesse sentido, a Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 5357 se relaciona exatamente com os dois pontos, no sentido dos argumentos do advogado requerente, do então ministro Marco Aurélio e do resultado dessa ADI frente à realidade atual, respectivamente.
2 Desenvolvimento
No começo século XX, a pessoa com deficiência, em especial na Europa, é observada do ponto de vista da ciência eugenista, que a observava como um problema a ser resolvido, de modo a não permitir a “disseminação” da sua existência, tida como doença. Nesse contexto, não necessariamente a maior parte dos alemães, por exemplo, olhava com ódio tal grupo. Na verdade, é bem possível que lamentassem a situação como a se compadecer por uma enfermidade sem cura. No entanto, essa “empatia” ao “inferior” não impediu que as pessoas com deficiência fossem submetidas a uma série de restrições, como esterilização, tortura e testes laboratoriais invasivos, de modo que a educação a essas pessoas sequer era possibilidade. Semelhantemente, o atual contexto de direitos humanos também não faz da sociedade suficientemente mais inclusiva, porque a sensação que o indivíduo médio tem, infelizmente, ainda é a de que o portador de deficiência é dotado de inferioridade, digno somente de comiseração.
A situação se repete em se tratando da Educação brasileira, posto que o corpo social que envolve a criança ou adolescente com deficiência nas escolas não as inclui nas dinâmicas sociais, mas prefere, muitas vezes, invisibiliza-las, para que o desconforto de observar o diferente em sua luta por se inserir seja reduzido. Sob esse aspecto, destaca-se a argumentação do advogado representante da CONFENEN, Dr. Roberto Geraldo Paiva Dornas, no julgamento da ADI nº 5.357, sobre a constitucionalidade a Lei nº 13.146/2015, que trata, dentre outras coisas, do dever das instituições de ensino privado de se tornarem acessíveis às pessoas com deficiência, vedado a cobrança maior por isso. O advogado em questão salienta a dificuldade de adequar o portador de deficiência ao sistema geral de ensino. Segundo ele, o número variado de deficiências existentes impossibilitaria o fornecimento de uma base educacional a esses indivíduos na rede de ensino privado. Todavia, considerando que a pessoa com deficiência terá de conviver com outras pessoas, discordo do ilustre advogado, uma vez que é necessário ao processo de amadurecimento de ambos os indivíduos, especialmente crianças e adolescentes, que eles entendam a diversidade que os cercam para sedimentar neles o reconhecimento dessas variações. Sem tal inclusão, ainda que difícil, torna-se mais latente o estranhamento do indivíduo dito “normal” com a pessoa segregada. Isso não é só responsabilidade do Estado, mas também das entidades privadas, como se observa no inciso primeiro do art. 209 da Constituição Federal, o qual condiciona a livre iniciativa de entidades privadas ao cumprimento das normas gerais da educação nacional. Além disso, considerado o abismo de qualidade entre o ensino privado e o ensino público, retirar desses indivíduos a possibilidade de ir para instituições particulares acaba por limitar em muito a qualidade educacional dos portadores de deficiência, seja os proibindo de participar ou os onerando com altos custos. Desse modo, é razoável a redistribuição dos custos de acessibilidade a toda a sociedade se o intuito for garantir a equidade propagada pela Constituição e pela Lei em questão.
Porém, ainda analisando o julgamento da ADI, é pertinente a fala parcialmente discordante do então ministro Marco Aurélio, qual seja, quanto à real efetividade do objetivo idealizado. Argumenta o ministro:
O artigo 30, com força imperativa – como disse –, cogente, impõe adoção dessas providências, múltiplas providências, pelo setor privado. E fica este – tem-se mecanismos previstos a partir de formulários – impossibilitado, como se a vida econômica não fosse impiedosa – não se dá um passo sem se colocar a mão no bolso –, de proceder a qualquer cobrança. [...] Mas, como disse o ministro Gilmar Mendes, há leis que são editadas – talvez para dar esperança vã à sociedade, impossível de frutificar – no campo do faz de conta. Daí ter me referido ao passado, quando o Brasil era pressionado para abolir a escravatura, veio a balha a denominada, à época, "lei para inglês ver", porque as pressões maiores vinham da Inglaterra, credora, em diapasão maior do Brasil.[1]
Nesse sentido, embora eu constate a importância do envolvimento também da rede privada inclusive como movimento natural do neoconstitucionalismo, o ministro brilhantemente expôs que, na realidade, a eficiência legal em si será diminuta, em face das mudanças que propõe, de modo que levará tempo até que a iniciativa privada tenha sucesso nessa obrigação. A título de exemplo, recentemente, em 2019, a taxa de pessoas com deficiência sem instrução e fundamental incompleto é de 67,6%, mais do dobro da mesma taxa comparada às pessoas sem deficiência[2], o que significa que de 2015 a 2019 a nova mudança legislativa não foi suficiente para inserir esse grupo minoritário nas instituições de ensino, nem parece o bastante para que as instituições garantissem a acessibilidade plena. Por isso, ainda que a improcedência da ADI obedeça aos fins da Constituição de 1988, não é na mera produção de leis que se encontra a efetivação do acesso à Educação de qualidade aos portadores de deficiência, intuito do poder constituinte, mas no desenvolvimento de políticas públicas e privadas que atendam a esse fim.
3 Considerações Finais:
Portanto, em rápida síntese, entendo que o direito dos portadores de deficiência ao ensino regular, privado e público, está formalizado na Carta Magna[3], mas que, dentro da realidade, a materialização não se verifica de maneira satisfatória. Temos, indivíduos e entidades, públicas ou privadas, que, reflexo do preconceito impregnado na sociedade, se omitem no dever de incluir tal grupo minoritário. Nesse sentido, a análise do julgamento da ADI nº 5.357 e, especificamente do voto do ministro Marco Aurélio, demonstra como há essa falta de interesse privado e público em agir em prol da comunidade com deficiências. Essa vontade de agir, então, sendo substituída pela criação e validação de leis, o que não resolve de fato nem o preconceito nem a consequência dele, isto é, a exclusão educacional.
Referências Bibliográficas:
STF – DF- ADI 5357 MC-REF – DF, DJe 11.11.2016.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 25. ed. São Paulo P:Saraiva Educação, 2021. 2330 p. ISBN9786555594928.
https://ogimg.infoglobo.com.br/in/25170730-dc9-f3f/FT450A/INFODEF2.png.
