>Adriano de Jesus Santos


IDENTIFICAÇÃO DA OBRA:  

MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Maria da Conceição de Almeida, Edgard de Assis Carvalho. (orgs.) – 2ª ed. – São Paulo: Cortez, 2004.

 

2- O AUTOR E A OBRA 

Edgar Morin é o pseudônimo de Edgar Nahoum. Nascido em Paris no ano de 1921, graduou-se em História, Geografia, Direito. Desenvolveu também estudos nas áreas de Ciência Política, Sociologia, Filosofia e Economia. Filiou-se ao Partido Comunista em 1941 e serviu como tenente das forças combatentes da França em 1944. Foi expulso do Partido Comunista em 1951, quando dele se afastou por ter se tornado um critico do regime stalinista e da ideologia do Partido Comunista. Nesse mesmo ano, ele foi convidado a ingressar como pesquisador no Centre National de Recherche Scientifique (CNRS), dedicando-se à investigação científica. Nessa Instituição permaneceu até 1989.

Começou a lecionar em 1968, na Universidade de Nanterre. Acompanhou as descobertas genéticas no Instituto Salk de Estudos Biológicos, na Califórnia. Atualmente é presidente da Associação para o Pensamento Complexo e doutor honoris causa em diversas universidades de vários países. No Brasil, ele recebeu o título em 1999 concedido pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Nessa ocasião a editora da mesma universidade publicou o livro Complexidade e transdisciplinaridade: a reforma da universidade e do ensino. Suas duas edições foram rapidamente esgotadas. A Cortez Editora, em posse dos direitos de edição, decidiu acrescentar o texto “a propósito dos sete saberes”. Trata-se, portanto de três ensaios. O primeiro diz respeito à reforma universitária, onde o autor destaca os objetivos e desafios dessas instituições. Em seguida, a ênfase é na importância da articulação dos saberes. Por fim, ele apresenta os sete saberes necessários à educação do futuro.

O problema abordado por Morin diz respeito, sobretudo à produção do conhecimento em um contexto social marcado pela dinamicidade política, econômica, social e cultural. Apesar do avanço significativo da ciência e tecnologia, a continuidade de problemas latentes, leva a uma série de questionamentos sobre a aquisição do conhecimento e a própria condição humana.

A proposta de Morin para a reversão desse quadro é uma reforma do pensamento. Sua base teórica é o princípio da complexidade do qual ele mesmo é considerado fundador. Identificando a educação escolar como ponto principal do processo, ele critica a ciência moderna seja a natural, física ou humana e aponta caminhos para a superação das práticas que não atendem às necessidades do mundo atual. Não por acaso começa a se generalizar a sensação de que a exclusão social tem aumentado no capitalismo contemporâneo (DUPAS, 1999, p.13).

Para Morin alguns aspectos são fundamentais. Qual o papel das universidades na reforma do pensamento? Qual a relação que elas devem estabelecer com a sociedade? Qual a importância da transdisciplinaridade? Qual o papel dos docentes e do Estado no processo de reforma do pensamento? De que maneira a educação escolar poderia estar de acordo com uma prática voltada para a complexidade? Quem educa os educadores?

O livro possibilita a resposta a essas indagações. Além disso, permite refletir sobre a atuação dos docentes e de todos os integrantes da comunidade escolar na busca por uma educação de qualidade e assim criar condições para a redução das desigualdades sociais. O autor enxerga a transdisciplinaridade como um caminho coerente e viável para que essa educação seja realidade na prática pedagógica em todos os níveis de ensino porque educa para a religação e a problematização.


3- RESUMO

As Universidades têm uma dupla função paradoxal. A primeira aponta para uma missão de formar mão de obra profissional, que seria própria das escolas técnicas. A segunda diz respeito a uma vocação indireta que as responsabilizam pela formação de uma atitude de investigação. Essa dupla missão foi lançada pelo século XX, bem também como outros desafios. Destaca-se a forte pressão para adequar o ensino e a pesquisa às demandas sociais o que reduziria o ensino geral e marginalizaria a cultura humanista. Além disso, os próprios desenvolvimentos do século XX e da era planetária fizeram com que as universidades se defrontassem com os desafios da complexidade. A tradição do pensamento é marcada pela atitude de separar os objetos de seu contexto, reduzir o complexo ao simples.  A inteligência que só sabe separar reduz o caráter complexo do mundo a fragmentos desunidos, fraciona os problemas e unidimensionaliza o multidimensional.

            Daí Morin defender uma reforma do pensamento. Trata-se da substituição de um pensamento que só separa por outro que está ligado. A principal consequência seria a geração de um pensamento do contexto e do complexo, definido como uma qualidade fundamental do espírito humano que o ensino parcelado atrofia e que, ao contrário disso, deve ser sempre desenvolvida. O objetivo vital da reforma do pensamento é viabilizar e permitir o emprego total da inteligência, condição necessária para se formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas de seu tempo.

            Uma reforma da Universidade suscita um paradoxo. Ela depende da reformulação das mentes, o que por sua vez, depende, da prévia reformulação da própria instituição. Diante disso, pergunta-se quem educará os educadores? É necessário que se auto-eduquem e eduquem escutando as necessidades que o século exige, das quais os estudantes são portadores. Daí se poder dizer que a reforma se anunciará a partir de iniciativas marginais, por vezes julgadas aberrantes, mas caberá à própria universidade levá-la a cabo.

            A reforma não partirá do zero. Isso porque já existe ciências multidimensionais como a Geografia, poliscópicas como a História, polidisciplinares como a ecologia cientifica, ciências da Terra e cosmologia. Além disso, já se formaram princípios de inteligibilidade a partir da cibernética, da teoria dos sistemas e da teoria da informação. No entanto, a reforma do pensamento não pode ser apenas um elemento da reforma do ensino, a ser iniciada na escola primária, mas também levará em conta a escola secundária.

            Morin também estabelece algumas medidas que deveriam ser adotadas para que a Universidade seja renovada. Inicialmente deveria instaurar Departamentos ou Institutos dedicados às ciências que já operam uma reinteração polidisciplinar em torno de um núcleo organizador sistêmico. Em seguida, reintegração das ciências biológicas e sociais e a elaboração de dispositivos que permitam a religação das ciências antropossociais e do conjunto das ciências da natureza.

            Outro ponto importante da reforma universitária seria a introdução do dízimo transdisciplinar a fim de instalar e ramificar o pensamento complexo que permita a transdisciplinaridade. Por fim deve-se assegurar a possibilidade da existência de teses poli ou transdisciplinares com a instauração de centro de investigações sobre problemas da complexidade e da transdisciplinaridade, assim como ateliês dedicados a problemáticas complexas e transdisciplinares.

            Ao se referir à transdisciplinaridade, Morin justifica a importância da articulação dos saberes. As finalidades da Ciência é fornecer aos alunos, aos adolescentes que vão enfrentar o mundo do terceiro milênio, uma cultura que lhes permitirá articular, religar, contextualizar, situar-se num contexto e, se possível, globalizar, reunir os conhecimentos que adquiriram. No entanto, o conhecimento mais sofisticado, se estiver totalmente isolado, deixa de ser pertinente.

            Isso requer uma reforma de pensamento que já se encontra em andamento. Ao afirmar isso, Morin se fundamenta em três processos históricos.  O primeiro ocorreu na primeira metade do século XX com a emergência de ciências que podem ser denominadas de polidisciplinares. O segundo reside no recuo de concepções reducionistas que, no século XIX reinavam nas ciências. O terceiro elemento de otimismo diz respeito ao progresso da tomada de consciência das realidades complexas.

            A reforma do ensino e do pensamento constituem um empreendimento histórico: não será, evidentemente, a partir desse primeiro evento que ela se efetivará. Trata-se de um trabalho que deve ser empreendido pelo universo docente, o que comporta a formação de formadores e a autoeducação dos educadores. Com efeito, apenas a autoeducação dos educadores que se efetiva com ajuda dos educandos será capaz de responder à grande questão deixada sem resposta por Karl Marx: “Quem educará os educadores?” por meio dela ao autor opera a ressurreição de uma missão que frequentemente acabava por se dissolver na profissão. Morin acredita que é na ressurreição trinitária do amor, da missão e da fé que se poderá tentar formar os cidadãos do terceiro milênio.

            Ao se referir à divisão curricular em disciplinas, Morin afirma que não basta situar-se no interior delas para se conhecer os problemas que lhe são concernentes. A fronteira disciplinar isola a disciplina em relação Às outras e em relação aso problemas que ultrapassam as disciplinas.

            A abertura se faz necessária. A constituição de um objeto simultaneamente interdisciplinar, polidisciplinar e transdisciplinar permite criar a troca, a cooperação e a policompetência. A transdisciplinaridade se caracteriza geralmente por esquemas cognitivos que atravessam as disciplinas. Para que serviriam todos os conhecimentos parcelares se não fossem confrontados uns com os outros, a fim de formar uma configuração capaz de responder às expectativas, necessidades e interrogações cognitivas da sociedade?

            No entanto, o verdadeiro problema não consiste no “fazer transdisciplinar”; mas, “que transdisciplinar fazer?” Há que se considerar o estatuto moderno do saber. Depara-se aqui com um problema prévio a toda transdisciplinaridade: o dos paradigmas ou princípios que determinam-controlam o conhecimento cientifico. Para promover uma nova transdisciplinaridade é preciso um paradigma que, certamente, permita distinguir, separar, opor e, portanto, disjuntar relativamente estes domínios científicos, mas que também possa fazê-los comunicarem-se entre si, sem operar redução.

Torna-se necessário um paradigma de complexidade. A possibilidade de comunicação entre as ciências existirá a partir do momento em que ocorrer o enraizamento do conhecimento físico, numa cultura, numa sociedade, numa história, numa humanidade.         Um conhecimento só é pertinente na medida em que se situe no contexto. Pode-se deduzir daí que é primordial aprender a contextualizar e melhor que isso, a globalizar, isto é, a saber, situar um conhecimento num conjunto organizado.

            O desafio da complexidade reside no duplo desafio da religação e da incerteza. É preciso religar o que era considerado como separado. Ao mesmo tempo, é preciso aprender a fazer como que as certezas interajam com a incerteza. Tal desafio se intensifica ainda mais no mundo contemporâneo já que se estar na época da era planetária.

            A missão primordial do ensino supõe muito mais aprender a religar do que aprender a separar. Simultaneamente é preciso aprender a problematizar. Religar e problematizar caminham juntos. A diversidade deve ser pensada e fundada sobre a coerência e a compreensão.

            Por fim, no último ensaio do livro, Morin escreve sobre os sete problemas da educação do século. O primeiro problema é o do conhecimento. Mesmo que o ensino consista em ensinar conhecimentos, não se é dito jamais o significado da palavra “conhecimento”. Qual é a importância disso? É preciso ensinar que todo conhecimento é tradução e reconstrução e mostrar todos os pressupostos que o regem. Além disso, é necessário também ensinar que o conhecimento comporta sempre riscos de erros e ilusões, e tentar mostrar quais são suas raízes causas.

            O segundo problema seria o do conhecimento pertinente. Um conhecimento não é pertinente porque contém uma grande quantidade de informações. O verdadeiro problema não é o da informação quantitativa, mas o da organização da informação. É a contextualização que sempre torna possível o conhecimento pertinente, daí a necessidade de ensinar a pertinência, ou seja, um conhecimento simultaneamente analítico e sintético das partes religadas ao todo e do todo religado às partes.

            A condição humana é o terceiro problema apontado por Morin. Em nenhum lugar é ensinado o significado da mesma, ou seja, a identidade de ser humano. As  ciências humanas separam-se uma das outras. As pessoas têm uma natureza biológica, uma social e outra individual. Tudo se encontra separado. Os seres humanos são um espelho do universo, mas em sua singularidade todo o universo encontra-se contido neles. Essa é a concepção complexa dos seres humanos. Existe a necessidade de se inscrever a possibilidade do estudo da condição humana na religação dos conhecimentos e das disciplinas.

            Quanto à compreensão humana, em nenhum lugar é ensinado aos seres humanos a compreenderem-se uns aos outros. A compreensão visa entender o ser humano não apenas como objeto, mas também como sujeito. A sociedade sofre de carência de compreensão. Os indivíduos possuem processo de auto justificação e de cóleras que permitem a expulsão do outro e ao mesmo tempo a eliminação neles mesmos de qualquer lucidez. Além disso, há a indiferença, pois não se olha e nem se presta atenção, permanece-se frio. Para compreender o outro, é preciso compreender a si mesmo.

            Os problemas seguintes são os que dizem respeito à incerteza e à era planetária. Quanto ao primeiro, o autor afirma que o que se ensina são as certezas, no entanto, no mundo mecanicista atual, o determinismo foi abalado e a ciência moderna tem de negociar com o incerto. Quanto à era planetária, seu maior objetivo seria fazer com que a sociedade tomasse consciência do que se passou desde o fim do século XV, com as grandes navegações.  Se se começa a tomar cada vez mais consciência desta expansão tecnoeconômica que se espalha por todo o planeta, torna-se igualmente necessário compreender que se vive numa era planetária constituída por uma comunidade de destinos sobre a Terra.

            O sétimo é ultimo problema da educação é o que Morin denominou de antropoética, ou seja, a ética em escala humana. O autor tomou os binômios indivíduo/sociedade e indivíduo/espécie. O primeiro, conduz a sociedade à ideia de democracia e o segundo diz respeito à ética do gênero humano, ou seja à perspectiva de civilizar a terra. 

4- ANÁLISE 

Compreender o mundo a partir da complexidade requer a formação de um pensamento que leva em consideração a integralização de todos os ramos do conhecimento humano. Essa é a fórmula apresentada por Morin para a formação de indivíduos capazes de sobreviver no mundo atual, pois eles teriam condições de analisar seu cotidiano em todas as suas dimensões e dessa maneira fazer um diagnóstico mais preciso de sua realidade.  Pode-se dizer que é nessa dimensão que poderá existir um sistema educacional que eduque para a liberdade e a cidadania.

           Esse objetivo não será alcançado com uma organização curricular constituído por disciplinas que mutilam as áreas do conhecimento ao invés de uni-las em torno  de objetivos comuns. A ideia de um conhecimento em movimento é uma abordagem coerente com o que se espera de uma abordagem pedagógica complexa. Isso porque ela remete á ideia de um circuito pedagógico em espiral, que avança ao ir das partes ao todo e do todo às partes (MORIN, 2004, p.52). Tal flexibilidade prática facilita a contextualização e a transdisciplinarização dos conteúdos abordados, o que, de acordo com Morin, permite criar a troca, a cooperação e a policompetência (p. 45).

         Concorda-se também com a ideia de que a transdisciplinaridade não poderá ser feita de qualquer maneira. Entendendo paradigmas como princípios que determinam-controlam o conhecimento científico (MORIN, 2004, p.54) torna-se necessário adequar o princípio transdisciplinar ao paradigma da complexidade. Dessa forma, os conteúdos e práticas realizadas nessa perspectiva seriam controlados e direcionados para objetivos coerentes com o que está sendo proposto.

         É plausível conferir à interdisciplinaridade a capacidade de religar o que até então foi tratado separadamente e de facilitar a interação entre as certezas e as incertezas. Maneiras pelas quais a interdisciplinaridade atenderia aos propósitos pedagógicos da complexidade em uma nítida contestação dos pilares científicos que ainda são marcantes na atualidade.

                Pode-se dizer que a interdisciplinaridade e a contextualização dos conteúdos são pontos cruciais na proposta de Morin. É comum os estudantes perguntarem a utilidade de determinado conteúdo. Tal pergunta revela a falta de identificação dos alunos com o que está sendo estudado, pois, eles não encontram referências daquilo em seu cotidiano. Para que a operacionalização dos conteúdos ocorra é necessário compreende-los em toda a sua dinâmica contextualizando-os o que significaria utilizar recursos úteis independentemente da área de conhecimento.

O conceito de escola compreensiva dado por Gómez (2000) faz com que ela esteja inserida na perspectiva de Morin. Isso porque ela se apoiaria na lógica da "diversidade devendo começar a diagnosticar as pré-condições e interesses com que os indivíduos e grupos de alunos interpretam a realidade e decidem sua prática" (p. 25).

            Para além das concepções teóricas que idealizam um tipo de educação que seria ideal, as dificuldades da reforma do pensamento surgem quando se intenta praticá-la. Perguntar-se quem educa os educadores, apesar da resposta ser aparentemente simples, ela pode induzir a indagações sobre outros problemas capazes de comprometer a eficácia do processo. Afirmar que a reforma deve partir dos próprios professores esbarra, por exemplo, em questões autodeterministas. Será que os educadores têm condições culturais, sociais e materiais a ponto de poderem assumir tal responsabilidade? Qual seria então o real papel das universidades?

            Definir o papel das universidades parece depender da superação da contradição apontada por Morin. Até que ponto adequar-se à sociedade compromete a produção de um conhecimento capaz de reformá-la? Daí a importância da reforma da própria universidade. No entanto, afirmar que caberá à própria universidade levar a cabo a reforma e que antes de se reformar a instituição devem-se reformar as mentes (2000, p.22) abre precedentes para contradições e impossibilidades lógicas que dificultam o alcance dos objetivos propostos. Isso porque a maior responsabilidade recai sobre a atuação de um seleto grupo de indivíduo que, por sua vez é marcada por condutas ideológicas distintas. Não à toa Aranha afirma que “a escola é política e, como tal, reflete inevitavelmente os confrontos de força existentes na sociedade” (1999, p.33).

            No livro, Morin não nega as dificuldades de se empreender a reforma do pensamento. Apesar de se mostrar otimista pelo fato de a reforma não se iniciar do zero, dado a existência de ciências multidisciplinares, o autor demonstra até mesmo certo ceticismo. Afirma ser preciso audácia e coragem para se começar a fazer uma reforma do ensino, afirmando que se isso fosse feito talvez pudessem existir algumas esperanças (p.103). Fica visível aí a desconfiança quanto à atuação dos indivíduos que compõe o sistema e, sobretudo dos professores.

            Ainda que ele não negue a importância da participação de outros setores da sociedade, existem algumas lacunas visíveis na obra. É um tanto que incoerente defender a complexidade da era planetária e conferir maior responsabilidade à reforma do pensamento às universidades e professores. Como afirma Aranha, quando ao escrever sobre o educar para a cidadania admite a dificuldade da tarefa e a exigência de tempo, paciência e um esforço contínuo levado a efeito em inúmeros setores diferentes (1999, p.36). Ora, a complexidade é uma análise do total, pois ela existe quanto os componentes que constituem o todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes (MORIN, 2003, p.13).

            Esse ponto de vista sucinta algumas questões. Qual o papel da família no processo educacional tanto no primário quanto no secundário? O Estado tem oferecido condições que favoreça uma ação reformista? É aqui onde encontramos os principais empecilhos que deixam Morin cético quanto à práxis de sua teoria. É nesse âmbito que se pode pensar na desvalorização dos professores, da falta de apoio adequado das famílias e de políticas públicas voltadas para a saúde, segurança, alimentação e moradia. Trata-se de fatores que podem interferir no processo de ensino e aprendizagem o que dificulta a aquisição do conhecimento complexo. Entendendo a sociedade como um sistema, é pertinente supor que todos os indivíduos devem fazer a sua parte para que os objetivos sejam alcançados.

            No âmbito epistemológico, devem-se considerar então todos os aspectos que interferem no processo educacional. Caso contrário, é inútil propor metodologias se as condições em que serão aplicadas se mantiverem inalteradas. Ver-se, portanto, que não é apenas a atuação docente dos professores. Como escreveu Zabala sobre os próprios efeitos educativos afirmando que os mesmos 

“dependem da interação complexa de todos os fatores que se inter-relacionam nas situações de ensino: a atividade metodológica, aspectos materiais, estilo do professor, relações sociais, conteúdos culturais, etc” (1998, p. 15). 

Os sete saberes dizem respeito aos maiores problemas educacionais de acordo com o autor. Defendendo seu ponto de vista, Morin acaba por delinear um modelo ideal de educação, tendo como parâmetro a realidade complexa. Trata-se de problemas na prática educativa que dificulta o ensino de conceitos indispensáveis à existência humana com a sua condição, identidade, a forma como encara as incertezas.

Trata-se certamente de um processo cujas mudanças ocorrem lentamente. Ai vale citar o renomado historiador francês Fernand Braudel que propôs uma análise dos acontecimentos históricos de acordo com tempo em que elas acontecem. As mudanças que Morin gostaria de ver concretizadas podem ser classificadas como de longa duração, de acordo com Braudel trata-se da 

"historia interminável durável, das estruturas e grupos de estruturas. Para o historiador, uma estrutura não é somente arquitetura, montagem, é permanência e frequentemente mais que secular (o tempo é estrutura). Essa grande personagem atravessa imensos espaços de tempo sem se alterar; se se deteriora nessa longa viagem, recompõe-se durante o caminho, restabelece sua saúde e, por fim, seus traços só se alteram lentamente... ( BRAUDEL, 2005, p. 106) 

            A reforma do pensamento requer mudanças estruturais na produção científica e na maneira em que os indivíduos entendem a sua realidade. A religação do que até então foi tratado separadamente e desvinculado do contexto, depende de uma mudança cultural em uma sociedade que foi levada a interpretar o conhecimento em um viés utilitarista ligado unicamente ao bem estar material, ainda que isso significasse a adoção de uma postura individualista e até desumanizada.

            As transformações culturais ocorrem na longa duração, são extremamente lentas e às vezes quase imperceptíveis. A constatação de que a reforma não sairá do zero indica que ela já está em processo. Por outro lado o ceticismo do autor pode ser um reflexo da morosidade com que as transformações acontecem.

            Quais os fatores presentes no conceito de longa duração dado por Braudel, que podem explicar tanta morosidade sobretudo nas ciências humanas? É o próprio Morin que afirma que a renovação científica ocorre desde o início do século  XX (2005, p.26). Em ciência com consciência, ele ainda se pergunta se as grandes transformações que afetaram as ciências fisícas, as ciências biológicas e a Antropologia não prepararam uma transformação no modo de se pensar o real e na própria visão de mundo (2005, p. 27). No livro aqui analisado, ele se aproxima de uma resposta negativa, pois as mudanças nas práticas sociais dependem de condições econômicas, sociais e mentais.

            Daí se afirmar a relevåncia do papel do Estado. Para que a realidade seja transformada é necessária não apenas conhecimento teórico. Um indivíduo pode ter sua mente transformada e mesmo assim continuar com as mesmas práticas, se delas depender a sua sobrevivência. Como afirma Torres ao escrever sobre a complexidade da articulação entre os saberes tanto no nível conceitual como no pedagógico. De acordo com ela, letigimar curricularmente o primeiro passa por legitimá-la socialmente (2005, p.52). Essa condição superdimensiona ainda mais os desafios que o mundo complexo impõe ao sistema educacional na produção de um conhecimento que seja pertinente e eficaz.  

5- CONCLUSÃO

Os ensaios de Morin agrupados nesse livro esclarece ainda mais o paradigma da comprexidade e levanta algumas questões sobre a realidade científica, educacional e social na era planetária. Ainda que Morin tenha-os  escritos pensando em um contexto globalizado, dando pouca relevåncia a regionalismos que no mínimo particularizaria a reforma do pensamento.

            Fica constatado que tal reforma da maneira como deseja Morin, depende de uma ação em conjunto de toda a sociedade. Não se nega que a reforma deve ser iniciada nas universidades e nem que os professores de todos os níveis de ensino tenham um protagonismo no processo. No entanto, para que se efetive plenamente uma mudança cultural dessa magnitude é necessária uma ação em conjunto de outros grupos sociais para que as condições socioeconômicas sejam suficientemente favoravéis. Aqui se encontra muitos dos problemas para a reforma do pensamento como a ineficiência do Estado que age negativamente na autodeterminação dos indivíduos e a resistência de setores econômicos que acabam por se beneficiar com a crescente desigualdade social no capitalismo moderno. 

Referências 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 2ª Ed. Moderna: São Paulo, 1999.

 

BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a Historia. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.


GÓMEZ, A. I. Pérez. As funções sociais da escola: da reprodução á reconstrução crítica do conhecimento e da experiência. In: SACRISTÁN J. Gimeno; GÓMEZ, A. I. Pérez. Compreender e transformar o ensino. 4ª ed. Artmed: São Paulo, 2000.

 

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

 

___________. MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

 

TORRES, Rosa Maria. Que (e como) é necessário aprender? 6ª ed. Papirus: Campinas, 1994.

 

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.