A educação não é um negócio, é criação. (István Mészáros)

1. A palestra proferida pelo Sr. Professor Dr. István Mészáros no Forum Mundial de Educação de 2014, ocorrido em Porto Alegre-RS, intitulada: Educação para além do capital faz uma clara referência a sua obra: Para além do Capital: rumo a uma teoria da transição (1.995; 2.002 Br) o que por sua vez remete a György Lukács, Ontologia do ser social (1.960) e desta a Marx, O Capital: crítica da economia política. A Filosofia não percorre um caminho sincrônico como toda ciência que sempre aponta para o amanhã; mas a filosofia volta-se para o ontem, para o que já fora efetivamente pensado e deste pensamento, como em um salto, ou mesmo como o canto da coruja faz ecoar seus prelúdios a uma filosofia não do agora, não do hoje, mas do futuro, não de qualquer futuro, mas do nosso próprio futuro. Neste sentido poderíamos dizer que a expressão "para além do" também remeteria ao pensador Friedrich W. Nietzsche, mas não há uma mensão sequer de I. Mészáros em sua obra "PARA ALÉM DO CAPITAL". A ênfase é dada na preposição "DO". Para marcar o distanciamento, mas também a proximidade deste autor com o Karl do primeiro volume de O Capital (1.867). Nesta conferência István Mészáros conclui que a Educação não como um negócio, mas é criação; desta feita, ele afirma a educação:

em sentido amplo; ele não refere-se às escolas, aos níveis de ensino ou sistemas escolares, mas à educação como o processo vital de existência do homem, isto é, aquilo que caracteriza a sua especificidade de ser social, a saber, a capacidade de conhecer, de ter ciência do real e de, portanto, transformá-lo de forma consciente. (LALO, Minto W. Resenha do livro A Educação para além do Capital; Revista Histedbr Online, Campinas: Unicamp, n.20, dez. 2.005, p.164-166)

2. Desta afirmação podemos perceber que, no fundo, há uma clara alusão ao sentido de uma educação que é pensada não para qualquer um, um anônimo, mas para anônimos que se compreendem e são compreendidos como 'seres sociais'. Mészáros então aproxima-se, não sem críticas ao seu mestre, Lukács. Na Para uma ontologia do ser social, podemos ler:

Antes de tudo, vida cotidiana, ciência e religião (teologia incluída) de uma época formam um complexo interdependente, sem dúvida frequentemente contraditório, cuja unidade muitas vezes permanece inconsciente. A investigação do pensamento cotidiano é uma das áreas menos pesquisadas até o presente. Há muitos trabalhos sobre a história das ciências, da filosofia, da religião e da teologia, mas são extremamente raros os que se aprofundam em suas relações recíprocas. Em virtude disso, resulta claro que justamente a ontologia se eleva do solo do pensamento cotidiano e nunca mais poderá tornar-se eficaz caso não seja capaz de nele voltar a aterrar – mesmo que de forma muito simplificada, vulgarizada e desfigurada. (Lukács, s/d)

3. Lukács pretende investigar as possibilidades, ou antes de tudo, ele quer fazer retornar a ontologia ao cotidiano das pessoas. Mas aqui há uma utopia, um não-lugar. Pois, a ontologia não nasce com os Pensadores Originários ou Pré-Socráticos ou Pré-Platônicos, mas nasce nas discussões presentes na Academia de Platão e continuada no Liceu de Aristóteles. Ela nunca esteve presente no cotidiano ordinário, mas tão somente na Academia. Então, podemos induzir que as pretensões de Lukács são redundantemente "pretenciosas"; ele quer fazer retornar algo que nunca esteve presente. Portanto, ele pretende fundar uma ontologia do ser social? Foi São Tomás de Aquino que, ao traduzir a expressão políticon (em grego), primeiro enunciou a expressão "socialis". Ocorre uma mudança de política, em sentido ativo, de decisão; para social, em sentido passivo, de um concenso apercebido por outrem, pois o "ser social" já não descide, mas sobre ele são decididas as questões e as leis, as normas e as imposições. Desta feita, Lukács pretende retomar o sentido de politicon em socialis. E nisto Mészáros "parece" concordar com seu mestre. No fim das contas é transpor a dicotomia dialética da luta de classes entre dominante e dominado, e instaurar uma educação que faça pensar a cada instante, a cada momento, no tempo, em seu tempo.

4. Disto podemos passar de Lukács e retornar em Mészáros, Para além do Capital: rumo a uma teoria da transição. Obra em exposta em quatro partes, a saber: Primeira parte, trata da sombra da incontrolabilidade, nela o autor trata da quebra do encanto do 'capital permanente universal', da ordem da reprodução sociometabólica do capital, das soluções para a incontrolabilidade do capital, do ponto de vista do capital; trata também da causalidade, tempo e formas de mediação; e encerra ao falar da ativação dos limites absolutos do capital.

5. A segunda parte trata do legado histórico da crítica socialista em duas partes, primeiro, do desafio das mediações materiais e institucionais na esfera de influência da revolução russa; e, em segundo, da ruptura radical e transição na herança marxiana. Deste modo a primeira parte da segunda parte demarca a tragédia de Lukács e a questão das alternativas; em seguida, do fechado horizonte do 'espírito do mundo' de Hegel à pregação do imperialismo da emancipação socialista; continuando com os limites de 'ser mais hegeliano' que Hegel; e deste à teoria e seu cenário institucional; encerrando com uma reflexão sobre política e moralidade: de História e Consciência de Classe a O Presente e o Futuro da Democratização e de volta à Ética não escrita. Na segunda parte da segunda parte, tem-se o projeto inacabado de Marx; deste, a 'astúcia' em marcha à ré; prossegue e conclui esta parte, em como poderia o Estado fenecer?

6. A terceira parte da obra de Mészáros, crise estrutural do sistema do capital, trata-se da parte em que o autor apresenta-se o mais original e próximo de seu próprio pensamento e constrói uma argumentação densa, mas lúcida. Vamos a ela: inicialmente ele trata da produção de riqueza e a riqueza da produção; passando à taxa de utilização decrescente no capitalismo; e desta à taxa de utilização decrescente e o Estado capitalista: administração da crise e autorreprodução destrutiva do capital; continua sua argumentação com as formas mutantes do controle do capital; e desta passa à atualidade histórica da ofensa socialista; em seguida, tratado do sistema comunal e a lei do valor; e encerra com a linha de menor resistência e a alternativa socialista. 

7. Ao final da obra, na parte quatro, se fosse uma obra publicada postumamente, afirmariámos que os editores aproveitaram esta edição para publicar conjuntamente "ensaios sobre temas relacionados", mas isto não ocorreu, fora o próprio autor que juntou-os: a necessidade do controle social; o poder político e dissidência nas sociedades pós-revolucionárias, a divisão do trabalho e Estado pós-capitalista, a política radical e transição para o socialismo; por fim, encerra com a crise atual. A terceira parte, mais que a atual ou as duas primeiras, da obra Para além do Capital: rumo a uma teoria da transição de István Mészáros não faz alusão, mas sim, referências diretas a O Capital: crítica da economia política de Karl Marx. 

8. Comumente, para facilitar a mudança de enfoque sobre o capital nos três volumes, costumamos afirmar a nossos alunos que o primeiro volume de O Capital refere-se à ida de Karl Marx à biblioteca, por tratar de temas históricos; no volume seguinte utilizamos a imagem da ida de Marx à feira, por tratar da ideia de circulação da mercadoria e como esta acaba por metamoforsear-se em dinheiro e este em capital. Por fim, Marx vai ao porto, no terceiro volume, por tratar do processo global da produção capitalista. No primeiro volume, o processo de produção do capital, seu autor trata de mercadoria e dinheiro; da transformação do dinheiro em capital; da produção do mais-valor absoluto; da produção do mais-valor relativo; da produção do mais-valor absoluto e relativo; do salário; e por fim, do processo de acumulação do capital. No segundo volume, o processo de circulação do capital, trata das metamorfoses do capital e seu ciclo; da rotação do capital; e por fim, da reprodução e a circulação do capital social total. No terceiro volume, o processo global da produção capitalista, trata da transformação do mais-valor em lucro e da taxa de mais-valor em taxa de lucro; da transformação do lucro em lucro médio; da lei da queda tendencial da taxa de lucro; da transformação de capital-mercadoria e de capital monetário em capital de comércio de mercadorias e capital de comércio de dinheiro (capital comercial); da cisão do lucro em juros e ganho empresarial: o ciclo portador de juros; da transformação do lucro extra em renda fundiária; e por fim, dos rendimentos e suas fontes. Acreditamos que Istán executa o mesmo percurso que Karl executou; ou tão somente eles compreendem à História e à Política, mas também à Economia na mesma conjunção, no mesmo caminho, na mesma sintonia fina. 

9. Não trata-se de um texto exaustivo, mas antes o contrário, trata-se de um artigo programático, não sabemos se é um programa que será desfeito na próxima semana, mas acreditamos que há elementos fundamentais que poderemos pensar e auxiliar a você que está lendo este artigo agora, seja na madrugada ou ao meio-dia, há uma "anuviação", uma tempestade conceitual por se formar, e que, acreditamos, insistimos, somente uma análise minuciosa desta obras, em cada um de seus conceitos e de suas relações, é que poderemos verificar se há ou não uma relação tão estreita entre estes autores. 

10. Podemos então concluir e reafirmar que a filosofia trabalha olhando para trás, investigando o que já fora pensado e somente após este exame é que ela caminhará enquanto vôo da coruja na aurora. Pois, saímos de Mészáros e dele partimos para ele mesmo, de Educação para além do capital e deste rumo Para além do Capital; de Mészáros fomos para Lukács, de Para além do Capital até Para uma Ontologia do ser social; e de Lukács para Marx, de sua Ontologia para O Capital e deste, como em um salto, retornar à Educação para além do Capital.

11. Poderíamos afirmar olhando grosso modo o que acabamos de afirmar que faltam algumas pontes, textos menores que Mészáros escreveu sobre Lukács e sobre Marx, mas também de Lukács sobre Marx para que nossa empreitada seja compreendida clara e distintamente. Mas isto faremos no momento oportuno, para agora ficam estas reflexões e indicações. E se assim for possível, no próximo texto caracterizaremos de modo mais claro o que afirmamos sobre o conceito de Educação em Mészáros; visto que a educação não é um negócio, mas é criação.

Referências:

LUKÁCS, György. Para uma Ontologia do ser social I. Tradutores Carlos Nelson Coutinho, Lya Luft, Mario Duayer, Nélio Schneider, Rodnei Antônio do Nascimento; prefácio Ronaldo Vielmi Fortes; posfácio Nicolas Tertulian; orelha José Paulo Netto, Maria Orlanda Pinassi; supervisão editorial Elcemir Paço Cunha. São Paulo: Boitempo, 2012.

_______. Para uma Ontologia do ser social II. Tradutores Ivo Tonet, Nélio Schneider, Ronaldo Vielmi Fortes, prefácio Guido Oldrini; orelha Ricardo Antunes. São Paulo: Boitempo, 2013.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política I: O processo de produção do capital. 2. ed. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017. 

_____. O Capital: crítica da economia política II: O processo de circulação do capital. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2014.

_____. O Capital: crítica da economia política III: O processo global da produção capitalista. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017.

MÉSZÁROS, István. Para além do Capital: rumo a uma teoria da transição. Paulo Cezar Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo, 2011.

__________. A Educação para além do Capital. Paulo Cezar Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo, 2015.