Ecos de saudade

Por Custódio Grenho | 17/02/2020 | Literatura

Tenho saudades; não sei se de ti, se de mim, ou se dos dois.

Sinto falta das brincadeiras de rua; do apanha, do mata, do peão, do eixo, do esconder, e de todas as outras... do riso em gargalhadas, das conversas francas, fáceis  simples puras e ingénuas, umas vezes em voz alta e outras em absoluto sigilo, por vezes até colando alternadamente os lábios de um no ouvido do outro para que nada se escapasse e pudesse ser ouvido por mais alguém além de nós.

...Do tempo em que nos sentavamos á  mesa d'um bar para tomar café e depois falávamos de nós, ás vezes durante horas a fio.

Longe vai o tempo dos risinhos sem se saber porquê, das corridas apressadas sem motivo, das conversas em segredo, dos olhares fortuitos que nos ruborizavam a face e dos acenos ao longe.
Longe vai o tempo em que nos sentavamos frente a frente para um café, ou lado a lado num banco de  jardim a conversar coisas parvas que pareciam não ter sentido, mas que faziam as nossas delícias e a nossa felicidade parecer eterna, outras vezes ficávamos apenas a ouvir o cantar dos pássaros que esvoaçavam na ramagem por cima das nossas cabeças, ou ficávamos simplesmente parados no tempo, de olhos nos olhos em silêncio, deixando apenas falar o coração enquanto o pensamento voava para longe.

Que felizes que nós éramos sem sabermos... Sem sequer darmos por isso.

Agora, passados todos estes anos penso ter descoberto o segredo para atingir essa tal felicidade plena com que todos sonhámos, e nalgum momento das nossas vidas alguns de nós também tocámos mesmo que apenas por breves instantes e sem nos darmos conta.

Por vezes julgo escutar uma voz que me diz que a fonte d'onde brotou toda essa felicidade foi a falta de intencionalidade com que vivíamos e a honestidade com que o fazíamos...

Mas talvez não seja nada disso. Talvez essa voz seja apenas fruto da minha pobre imaginação a reproduzir os ecos da saudade que em mim ficou.

Talvez tudo não passe de um embuste e seja apenas um devaneio dos sentidos, uma daquelas partidas com que a mente nos distrai o coração para que não deixe de bater. Talvez a saudade seja um antídoto para o tédio, para a solidão, para o desespero. Talvez que o elo de ligação que estabelece com o passado não seja apenas essa espécie de ponte que o une ao presente e nos permite revoltar as gavetas do subconsciente e dessa forma revisitar tudo o que nos recusamos a esquecer.

É possível que seja uma projeção do nosso querer mais profundo ou a representação de uma vontade de reter o tempo, por forma a prolongar nele o acontecimento, a sensação ou o sentimento, e dessa forma prolongar a duração do que não queremos perder. Como se se tratasse de uma ablação do tempo por forma a eternizar o objecto, a pessoa, ou o sentimento do nosso desejo e dessa forma perpétuar a sua lembrança mantendo-a para sempre.

Quando tivermos a sensação de que somos apenas ecos distorcidos de nós mesmos. 
Sombras difusas do que fomos.

Que estamos cansados, fartos e desiludidos.
Que perdemos a capacidade de nos surpreender, e que já nem conseguimos sequer suportar as nossas próprias vozes. Então sabemos que não é hora de cruzar os braços nem desistir... mas de nos reinventarmos!

De limpar os destroços que amontoámos ao longo do tempo, de apanhar os cacos do que ficou e jogar tudo fora e para bem longe, secar as lágrimas, colocar um sorriso nos lábios, levantar a cabeça e seguir em frente.