ECONOMIA COMPARTILHADA E A REORGANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES MERCANTIS NA ERA DA SOCIEDADE DE CONSUMO
Por Gabriel Augusto Silva | 06/12/2018 | EconomiaRESUMO
O projeto desenvolvido ao longo deste trabalho visa apresentar o que é a Economia Compartilhada e como esse novo modelo de negócios impactou as falhas de mercado da sociedade de consumo na era da informação. Em um primeiro momento será apresentado uma abordagem teórica e bibliográfica, que visou mostrar como os teóricos econômicos interpretavam as escolhas individuais de consumo na sociedade. Para tal, serão abordados temas como a Teoria do consumidor, Teoria da Utilidade Esperada e Economia Comportamental, além da teoria que envolve a Economia Compartilhada. Serão abordados também, temas como efeitos da introdução de tecnologia e informação na economia, falhas de mercado decorrentes da sociedade de consumo e como a rede de internet mudou o comportamento de consumo dos indivíduos. Após a construção desta base, o presente trabalho visou relacionar as falhas de mercado decorrentes da disseminação da rede de internet à Economia Compartilhada, visando apresentar argumentos que permitam entender se esse novo modelo de negócios é uma tendência para as relações mercantis futuras. Em seguida, foi apresentado um estudo descritivo sobre o Airbnb, uma empresa de tecnologia do setor de hospedagem que revolucionou a forma como o consumo nesse setor se desenvolve. Por fim, foram apresentadas as considerações finais, expondo a Economia Compartilhada como tendência para a relação entre demandantes e ofertantes na sociedade de consumo.
Palavras-chave: Economia Compartilhada, Tecnologia, Informação, Sociedade de consumo, Airbnb, decisões de consumo.
1 INTRODUÇÃO
A humanidade, ao longo dos anos, transformou o modo como às relações de consumo se concretizavam. O ato de consumir faz parte das relações humanas desde os primórdios e as transformações ao longo do tempo, fizeram com que as relações entre demandantes e ofertantes se renovassem às novas realidades.
À medida que o progresso tecnológico avançou, especialmente com a Revolução Industrial, o consumo passou a ser o centro das relações, tanto quanto propulsor do ciclo econômico como ditador de uma nova cultura entre a população (RETONDAR, 2008).
A estrutura de consumo foi se adaptando às novas situações ao longo da formação econômica mundial até alcançar o que hoje é chamado de sociedade de consumo. “[...] A sociedade atual vive um momento de reorientação em sua forma de organização, a rapidez da informação, as conexões, as mudanças tecnológicas e os meios de comunicação são as principais variáveis que apontam para esta mudança.” (KRAMER, 2017, p. 47). Na sociedade de consumo, o ato de consumir é parte primordial e essencial do desenvolvimento social e sinaliza uma construção específica de premissas e valores característicos da sociedade atual (STEGUN, 2016).
Nos dias atuais, o desequilíbrio e a desigualdade na forma como as relações de consumo se desenvolvem, são consequência do sistema econômico contemporâneo, que proporciona a má distribuição de renda, descartabilidade manipulação e oferta desenfreada. (BRADSHAW; BROOK apud SILVEIRA; PETRINI; SANTOS, 2016,p. 299)
Na sociedade de consumo, as interações de mercado vão além da necessidade humana. Nesta sociedade, os desejos pelo supérfluo e pelo excedente formam uma estrutura marcada pelo ciclo insaciável, onde o ato consumista é o próprio desejo de consumo (RETONDAR, 2008).
Nesse contexto, a cultura do consumo moldou-se ao capitalismo moderno tornando-se uma cultura de sociedade de mercado em que as relações mercantis visam essencialmente à troca da produção por dinheiro (STEGUN, 2016). Sendo assim, na sociedade do consumo, o produtor tem o único objetivo de empenhar sua força de produção em algo que possa ser trocado por dinheiro, maximizando o seu lucro.
Portanto, os indivíduos que desejam consumir, trocam sua produção diária, disponibilizando horas de seu trabalho por um valor em dinheiro, que eles consideram ser justo, e então consomem os bens que necessitam (SLATER, 2001). Sendo assim, a sociedade do consumo, por meio da massiva geração de oferta e demanda, tem em foco a liberdade de escolha dos indivíduos sobre quais bens e como eles vão consumir. Tal liberdade pode ser entendida pela ótica da satisfação do prazer individual. Em outras palavras, “[...] não consumimos com a finalidade de construir uma sociedade melhor, para sermos pessoas melhores e viver uma vida autêntica, mas para aumentar os prazeres e confortos privados” (SLATER, p. 65, 2001).
Dentro desse cenário de liberdade de escolha individual, demanda crescente e evolução tecnológica surge a economia compartilhada, sendo um modelo econômico destinado à realocação de bens ociosos com o objetivo de aperfeiçoar as relações mercantis (GANSKY, 2011).
A economia compartilhada é uma nova forma de estabelecer as relações econômicas, na qual o acesso aos bens e serviços é mais importante que a posse, e o consumo se transforma pelo uso eficiente do que é produzido (KRAMER, 2017). A economia compartilhada sinaliza novos modelos de negócio, baseados na conexão direta entre demandantes e ofertantes, ou seja, sem que haja intermediação entre eles, em geral, com elevado uso de tecnologia (LAVAQUIAL, 2015).
Sobre a economia compartilhada, pode-se afirmar que existem quatro características básicas. São elas, o compartilhamento de bens ociosos, o grande uso da internet, o comprometimento com o consumidor final e a avaliação por meio de notas, sobre os serviços (MENDES; CEROY, 2015). Sendo assim, a economia compartilhada ou consumo colaborativo, é considerado um sistema econômico construído em torno do compartilhamento de recursos humanos e físicos, o qual inclui a criação, produção, distribuição, o comércio e consumo compartilhado de bens e serviços por pessoas e organizações” (GANSKY apud SILVEIRA; PETRINI; SANTOS, 2016, p. 300).
O consumo colaborativo assume três formas ou três subsistemas de consumo colaborativo: o sistema de serviços de produtos, os mercados de redistribuição e os estilos de vida colaborativos (SILVEIRA; PETRINI; SANTOS, 2016).
O sistema de serviços e produtos é um conjunto de produtos e serviços que tem a capacidade de atender as necessidades de um usuário, sem que ele compre pelo produto ou serviço. Ou seja, o demandante paga pelo uso do produto ou serviço de outra pessoa. Os mercados de redistribuição são conceitos que abrangem mais a fundo a questão social. São associados às doações e trocas entre os indivíduos, são correlatos à transferência de propriedade, sem necessariamente haver monetização por uma das partes, como por exemplo, a doação de um imóvel. Os estilos de vida colaborativos são caracterizados pela partilha e troca de ativos intangíveis, como, por exemplo, tempo, espaço, habilidades e dinheiro. (BOTSMAN; ROGERS apud SILVEIRA; PETRINI; SANTOS, 2016, p. 299)
Na década de 90, o avanço da rede de internet e da comunicação ao redor do mundo, fez com que as transações online peer-to-peer fossem simplificadas, baixando o seu custo, o que fez a economia compartilhada ganhar força (SHIRKY, 2012). Sendo assim, é datado do final do último século, o surgimento dos primeiros projetos com base no modelo de negócios do compartilhamento de bens e serviços (SCHOR, 2014).
O primeiro teste de compartilhamento na rede foi o Napster, programa que permite downloads de músicas grátis. Contudo, foi proibido em 2001, sob acusações de pirataria e ilegalidade quanto aos direitos autorais. (MENDES; CEROY, 2015).
Apesar das principais iniciativas à época adotarem modelos igualmente ilegais, a praticidade e a comodidade de tais plataformas fomentaram a busca por outros meios legítimos de compartilhamento, o que culminou, no final da década, no surgimento de aplicativos como o Uber e o Airbnb – atualmente bastante populares. (MENDES; CEROY, 2015, p.7).
O crescente número de empresas com base no modelo de negócios da economia compartilhada expõe que a sociedade de consumo continua desejando consumir, mas afina-se com a ideia de fazê-lo de forma sustentável (LAVAQUIAL, 2015). Portanto, com o avanço da economia compartilhada, o ato de consumir pode ser encarado de outra maneira, uma vez que sua principal proposta é o reajuste das relações de oferta e demanda, visando minimizar a capacidade ociosa dos bens.
Um dos principais difusores dessa nova concepção econômica de relacionamento entre demandantes e ofertantes é o Airbnb. O Airbnb é uma plataforma online que conecta viajantes à procura de hospedagem a anfitriões com lugares que não estão sendo utilizados em sua residência (LAVAQUIAL, 2015).
O modelo Airbnb foi pensado com o objetivo simples de proporcionar aos viajantes, boas acomodações a um preço justo, regulado pela relação de oferta e demanda. Contudo, a Airbnb tornou-se possível, no mundo da cauda longa, pelo uso de tecnologia da informação, que permite o aprimoramento do encaixe entre oferta e demanda não mais limitado às ofertas programadas pelas organizações, mas conectado agora ao poder da plataforma em atrair novos atores únicos para a sua rede, para permitir que a oferta se adeque à demanda e não o contrário (LAVAQUIAL, 2015, p. 93).
Observa-se que há um trade off entre escassez de recursos naturais e constante crescente de demanda do nível de consumo da sociedade atual (DAUVERGNE, 2010). A Economia Compartilhada, expressa pelo modelo econômico de grandes empresas que se destacaram em seu mercado, pelo alto uso de tecnologia, aliado à realocação dos bens ociosos, caso da Airbnb e da Uber, se posiciona como uma alternativa no que diz respeito ao preenchimento das lacunas deixadas pela sociedade de consumo.
Através desse trabalho, busca-se responder como o Economia Compartilhada pode impactar as falhas de mercado da sociedade de consumo de forma a impactar as relações mercantis nas próximas décadas, sendo esse o seu objetivo geral. Além disso o trabalho conta com os seguintes objetivos específicos: mostrar as alterações nos padrões de consumo a partir da década de 90 e expor como a rede de internet tem mudado a forma como as relações de consumo acontecem; agrupar argumentos científicos que permitam entender se a Economia Compartilhada consegue minorar os efeitos da assimetria de informação e suprir as demais falhas de mercado da sociedade de consumo e realizar uma análise da empresa Airbnb de forma a entender como a economia compartilhada readequou as relações de consumo no setor de hospedagem.
No segundo capítulo será tratado o referencial teórico, que servirá de base para o desenvolvimento da monografia, reunindo os argumentos dos teóricos econômicos tradicionais acerca do comportamento do consumidor. No capítulo 3 será abordado como a tecnologia e a informação disseminados em massa, atingiram o modo como o consumo se dá nos dias atuais. No quarto capítulo, essa mudança será relacionada à teoria da Economia Compartilhada e no quinto capítulo será desenvolvido uma análise da empresa Airbnb e como a economia compartilhada atingiu o setor a qual essa empresa faz parte.
Na Economia Compartilhada, as relações entre ofertantes e demandantes começam a ser enxergadas com outros olhos. À medida que o tempo passou e que as evoluções tecnológicas permitiram certo nível de segurança e lucro entre as relações mercantis, a figura centralizadora do máximo de lucro líquido, deixou de ser puramente função da demanda e passou a ser também, função da satisfação do usuário final. Portanto, essa nova forma de enxergar as relações entre ofertantes e demandantes se posiciona cada vez mais forte e se apresenta como tendência futura de minimização das falhas de mercado atuais.
“Desde a música até a hospedagem, a economia compartilhada vem criando base sólida nos mais diversos setores da economia mundial e ganhando cada vez mais participação em mercados antes controlados por algumas poucas empresas” (MENDES; CEROY, 2015, p. 5). Sendo assim, o estudo da economia compartilhada aliado à base teórica microeconômica permite entender, o que promete ser, o futuro das relações econômicas e por isso, o estudo de tal tema, se torna algo essencial entender o rumo que a economia está tomando.
Portanto, o problema que norteia essa pesquisa, se concentra em analisar se a economia compartilhada, por meio da aplicação do seu modelo de negócios único, pode ser o caminho das relações mercantis, minimizando os efeitos negativos na relação entre ofertante e demandante da sociedade de consumo. [...]