É sempre um tipo assim, um antigo amigo do dono do escritório, ou foi colega dele na faculdade ou numa empresa onde ele trabalhou antigamente, às vezes um parente distante, coisas assim, sempre desempregado e que anda perambulando por aí. Ele chega muito gentil na recepção, pergunta pelo chefe dizendo ser seu amigo, que nunca está ou se está não tem nada para falar com ele e manda dizer que hoje não dá porque está muuuito ocupado. Mas ele fica por ali. Aboleta-se numa cadeira e fica ali plantado, de olho grilado olhando pra mim, prestando atenção a tudo, tentando puxar uma conversa besta qualquer. E se tiver alguma tevêzinha ligada, xiiihhh....Agora é que ele não sai mais. E não se manca não, por mais calada que a gente fique e faça cara feia, ele não está nem aí. Dá uma de João-sem-braço, finge-se de desentendido e vai ficando, porque o caso dele é arrumar um lugar pra estacionar. É um ficante. Em princípio é meio tímido, depois vai evoluindo, pede um copo d`água, se tiver cafezinho ele timidamente pede uma xicrinha, mais tarde aceita outra, só que agora ele passa a vir quase todo dia. Então ele já pergunta:
- E aí, vai sair aquele nosso cafezinho esperto?
A essa altura já conhece o escritório todo, vai ao banheiro sem perguntar se pode, vai direto à geladeira pra beber água e até liga a televisão. Olha, é um pé no saco, um pentelho.
O chefe faz corpo mole, está sempre muuuito ocupado, e por fim sai de fininho por outra porta pra não falar com ele, de modo que o troço encrava mesmo é na pobre da secretária, que nem sequer pode dar um passa-fora no infeliz porque afinal de contas, sabe como é, ele é amigo do chefe, que também diz ser amigo dele. "Muuui amigo".
Para espantá-lo vale tudo, vassoura em pé atrás da porta do banheiro, o que é meio arriscado, porque essa história da vassoura atrás da porta já é muito manjada, e a essa altura ele até já passa um tempão lendo revista dentro do banheiro. Sal no fogo também dizem que funciona mesmo, só que nos dias de hoje, em cozinha de escritório no máximo tem um microondas, que é incompatível com a simpatia. E mesmo que tivesse fogo, jogar sal em cima faz uma estalaria enorme e iria chamar a atenção até do chefe.
Tô ferrada. Fazer o que, então? Queixar-me com o chefe também não funcionou. Ele nem deu bola, foi logo dizendo:
- É, dona Simone, segura aí. São ossos do ofício. Na sua profissão a senhora já deve estar acostumada com essas coisas. Faz parte. Só não deixe é ele entrar na minha sala. Ah, isso não! Afinal eu tenho uma secretária pra que? A secretária é como um escudo, a senhora tem mais é que segurar as minhas barras, dona Simone. Portanto não reclama não. E a senhora há de convir que emprego está difícil. E também, até que a senhora não está ganhando tão mal!
Dizem que para um bom entendedor, meia palavra basta.
- Ah, sim, sim, o senhor tem toda razão. Mas até que o seu amigo é muito simpático, prestativo, eu é que ando meio impaciente, desculpe.
É isso aí, chefe sempre tem razão. Oh céus...
Saí da sala do homem resignada e fui para a minha sala, encarar o meu carma.
Ufa, enfim chegou a minha hora de almoço. Com certeza o cara também deve estar com fome e só assim vai embora - era o que eu pensava no começo de tudo - mas agora ele até já se prontifica a ficar na recepção atendendo o telefone, pra puxar o saco do amigo e até já se senta na minha cadeira! E imagine que graças a ele o chefe ganhou um cliente supimpa, desses que ligam assim de repente e não querem esperar nem um instante. Pois o infeliz atendeu um telefonema desses justamente na hora do meu almoço e teve até a audácia de ir bater na porta da sala do chefe, seu amigo, dizendo que eu já havia saído, pra informar que se tratava de um cliente importante, que não podia esperar. Daí logo o novo cliente fechou um grande negócio com a firma e eu é que fui chamada à atenção por ter saído um minuto antes do horário, e que se não fosse o "seu amigo", ele teria perdido um bom cliente novo. É mole?
Pois é gente, só muita reza pra Santo Expedito, santo dos desempregados, e muita oração com um copo d`água em cima da televisão, pedindo ao Senhor um emprego pra esse desinfeliz, pra ele sumir, desaparecer do escritório, desaparecer da minha vida, senão quem também vai já findar virando pentelho encravado perambulando por aí a fora, sou eu.

Júnia - 2011