É possível que o parlamentar impetre ação para obstar a votação de proposta legislativa (projeto de lei ou proposta de emenda constitucional) quando o seu conteúdo for considerado inconstitucional?

Luís Guilherme Serra Pires²

Luiza Amorim³

1 DESCRIÇÃO DO CASO

O presente case tem como objetivo analisar se um parlamentar pode impetrar uma ação para obstar um projeto de lei ou emenda que apresente uma clara inconstitucionalidade. Para isso, se utilizará dos mandados de segurança que o Partido dos Trabalhadores (PT) deu entrada no STF em relação ao projeto de lei n.º 4330/2004 que trata sobre a questão a terceirização no Brasil, que segundo eles, fere o direito e garantias sociais do trabalho. Também será analisado o mandado de segurança n. 32.036/DF que foi demandado por um deputado federal contra a mesa da Câmara dos Deputados devido a um projeto de emenda constitucional (PEC) n.º 33/2011, tendo como alegação que tal projeto fere o princípio constitucional da separação de poderes.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

  1. Descrição da Decisão Possível
  • Sim, é possível que o parlamentar impetre ação para obstar a votação de proposta legislativa.
  • Não, não é possível que o parlamentar impetre ação para obstar a votação de proposta legislativa.

2.2 Argumentos Capazes de Fundamentar Cada Decisão

Sim, é possível que o parlamentar impetre ação para obstar a votação de proposta legislativa:

O tipo de controle de constitucionalidade que a Constituição Federal de 1988 (CF/88) adotou é o misto ou híbrido, que conjuga o sistema conhecido como americano, que é aquele onde o controle é exercido por via incidental e difuso (esta forma de controle é adotada no Brasil desde o início da República) com o sistema continental europeu, caracterizado por utilizar o controle por via principal e concentrado (BARROSO, 2014).  No Brasil, por ter um controle de constitucionalidade de natureza mista, permite que haja também, tanto o controle político, quanto o controle judicial. O judicial é aquele onde o poder judiciário é quem exercerá a fiscalização da constitucionalidade da norma, já no controle político, os responsáveis por essa fiscalização são os órgãos de natureza política.

No âmbito nacional o controle político é exercido de duas formas, a primeira delas é feita pelos órgãos do executivo mediante sanção ou veto do presidente, em âmbito federal, governador e prefeito respectivamente em âmbito estadual e municipal. Quando determinado projeto legislativo vai para a análise de algum dos órgãos do executivo, o chefe do governo, ao considerar que o projeto é inconstitucional, poderá veta-lo (BARROSO, 2014). Outra forma de controle político se evidencia no poder legislativo. Antes de determinadas matérias serem votadas elas têm que passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que é uma comissão permanente que cada casa legislativa tem e onde serão analisadas as matérias dos projetos legislativos e se eles estão em conformidade com a CF/88. A CCJ tem previsão no artigo 58 da Constituição que afirma que “O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes...” (BRASIL, 1988).

A atuação da CCJ e do veto de proposta legislativa por parte do chefe do executivo (federal, estadual ou municipal) tem uma atuação preventiva, ou seja, é um controle de constitucionalidade exercido antes da matéria se tornar lei. A princípio, só teríamos essas duas formas de controle preventivo. No entanto, a atual jurisprudência do STF vem permitindo a atuação do poder judiciário preventivamente quando se trata de matéria de proposta de emenda constitucional (PEC) que atente contra alguma cláusula pétrea, mediante mandado de segurança impetrado por parlamentares (BARROSO, 2014). 

Tendo dito isto, a ação correta seria para o caso da PEC n.º 33/2011 seria o de mandado de segurança, haja visto que atende a todos os requisitos apontados pelo STF para que haja tal controle (PEC que atente à cláusula pétrea), tendo, o parlamentar, legitimidade ativa para requerer o mandado de segurança, ao contrário do PT que, por ser partido, não apresenta tal legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança (2013).

Diante do que foi o exposto, pode-se afirmar que, ainda que no Brasil o controle de constitucionalidade seja feito via de regra pelos órgãos do judiciário, a jurisprudência do STF admite também que o parlamentar possa sim impetrar mandado de segurança para haver o controle de constitucionalidade judicial preventivo, mediante constatação de que o projeto de lei ou PEC apresentam vícios já concretizados no processo de formação da norma, não havendo o controle preventivo material (CARDOSO, 2013), há de se ressaltar também que no Brasil, tanto é legítimo o controle político quanto o jurisdicional.

  • Não, não é possível que o parlamentar impetre ação para obstar a votação de proposta legislativa:

É vedado ao parlamentar impetrar ação para obstar a votação de proposta legislativa, pois é vedado ao poder judiciário que atue preventivamente no controle de constitucionalidade. Um dos motivos para isso é que se for possível, ocorreria uma universalização do controle preventivo, o que excederia os limites proclamados constitucionalmente para atuação do poder judiciário (2013). Caso fosse aceita o STF passaria a ser um terceiro atuante nas rodadas parlamentares e acabaria por executar um papel peculiar do poder legislativo o que poderia inundar o STF por ações que impetrariam mandado de segurança para controle preventivo de constitucionalidade (2013).

Um dos obstáculos do legislativo para apresentar o mandado de segurança é que o judiciário estaria interferindo muito na esfera legislativa, o que fere o princípio dos três poderes (2013), outro obstáculo é que o controle preventivo está restrito ao executivo e ao legislativo (nas CCJs). Ao procurar o STF com um mandado de segurança, haveria um controle preventivo judicial, o que não é aceito pelo ordenamento brasileiro.

Outro motivo pelo qual parlamentar não deve impetrar mandado de segurança para controle de inconstitucionalidade é que, se o projeto fosse aprovado em uma das casas ele poderia ser rejeitado na outra e, se não fosse, o presidente poderia vetá-lo e, se assim não o fizesse e o projeto legislativo fosse sancionado pelo presidente, o judiciário poderia declarar a inconstitucionalidade da norma mediante forma incidental ou por meio de ação direta e de forma repressiva.

O Procurador Geral da República Rodrigo Janot (Nº 5140/2014 PGR – RJMB) afirma que:

Ademais, ao se autorizar a intervenção do Poder Judiciário no sentido de determinar o arquivamento da proposta de emenda à Constituição supostamente ofensiva a cláusula pétrea, ao invés de ser tutelado direito subjetivo individual do parlamentar impetrante, há violação, ao contrário, ao direito líquido e certo dos demais congressistas de deliberarem sobre a proposição legislativa e, inclusive, de sanarem eventuais vícios de inconstitucionalidade nela existentes.

Sendo assim, o parlamentar não deve e não pode impetrar ação para obstar projeto de lei ou emenda à constituição por meio de mandado de segurança.

REFERÊNCIAS

BARROS, Rodrigo Janot Monteiro de. Mandado de Segurança 32.036 – DF – Eletrônico. Nº 5140/2014 PGR – RJMB.

CARDOSO, Oscar Valente. O controle preventivo de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança nº 32.033. Disponível em: Acessado em: 1 de out. de 2015

Dizer o Direito, Mandado de segurança contra a proposição legislativa em tramitação no Congresso Nacional. Disponível em: Acessado em: 1 de out. de 2015