Faz cerca de uma semana que não escuto mais o canto do galinho garnisé do vizinho. Aquele canto que me despertava todas as madrugadas e me acompanhava pelo dia inteiro até o final da tarde parou, sumiu, não escutei mais.

Desde o momento que percebi sua ausência fiquei intrigado. O que teria acontecido com o galinho garnisé do vizinho? A última vez que escutei ele cantando foi em uma tarde qualquer, cerca de oito dias atrás. Pelo início da madrugada deste dia fui acordado por umas falas altas. Era uma discussão entre vizinhos… Por alguns minutos tentei acompanhar de minha rede. Resolvi não olhar na janela, vai que uma bala “perdida” me acha... Eram vozes altas e zangadas. De repente um barulho de objetos caindo ao chão... Mas me contive e acompanhei a desavença deitado. Sabia, porém, que era bem próximo, certamente em uma pequena vila ao lado do prédio onde moro. Outras ocasiões e horários já tinha presenciado fato semelhante. De repente fez-se o silêncio. Peguei no sono novamente. Acho que era por volta das três ou quatro horas da madrugada. E segui dormindo.

Na hora costumaz do canto do galinho garnisé começar, contudo, desta vez não o escutei. Fui despertado por outros sons e barulhos rotineiros como os freios desregulados dos ônibus urbanos que começavam a rodar ou por motoqueiros com seus silenciosos abertos finalizando suas farras. Alguns cantos de sabiás coleiras que habitam próximo, se contrapunham, felizmente... Mas o canto do galinho garnisé, nada! Pelo início da manhã, finalmente levantei-me, fui até a janela, e com mais apuro fiz um verdadeiro escaneamento auditivo e visual da área toda próxima. No chão da dita vila vi algumas cadeiras e uma mesa reviradas. Nada, nem um sinal do canto do galinho garnisé ou quem sabe de seu cadáver, ou penas espalhadas ao léu... Mais tarde, me veio novamente a lembrança do canto do galinho garnisé. Sua ausência começou me intrigar. Como, de repente, uma ave que tem em seu canto a rotina de sua vida, um verdadeiro e preciso relógio suiço, parou, silenciou, emudeceu? O que teria acontecido? – comecei a conjecturar. Teria ficado doente? Teria batido suas asas e voado? – mas me lembrei que galináceos não voam… Algum gato esfomeado em sua farra noturna o teria devorado? Ou teria ele sido alvo central, o pivô da discussão daquela madrugada imediatamente anterior? O que teria, enfim, acontecido com o galinho garnisé e seu canto? Imitando um exímio policial, respondi pra mim mesmo:– Todas as hipóteses são possíveis!

O tempo foi passando e o canto do galinho garnisé nunca mais apareceu! Agora, já conformado e sem nenhuma resposta evidenciada que explicasse o triste fato, entrego os pontos. Meu isolamento social espontâneo daquela famigerada pandemia, porém, continua. Resta-me a lição da vida: Tudo passa! Certamente o canto do galinho garnisé, talvez o produto mais importante desta avezinha, passou. Ou morto pelo felino doméstico, ou enforcado pela ira do vizinho algoz, ou falecido por um mal súbito galináceo, enfim, ele morreu!

Fica a esperança de que um outro galinho garnisé, ou quem sabe de um galo pedrês, assuma o papel de despertador da inexorável rotina da vida.

Assim passará também a pandemia!