E-MAILS
Publicado em 16 de junho de 2009 por Romano Dazzi
E-MAILS
De Romano Dazzi
A mensagem era simples, mas densa de ternura.
Dizia :
Carlos, meu amor:
Você me deu o presente mais lindo que já recebi
Foi a noite mais bonita de toda a minha vida.
Nunca vou esquecer seu carinho, seus beijos, seu calor.
Sinto todo o meu corpo em chamas, sei que não posso mais ficar sem você.
Por favor, supere seus receios, não me abandone.
Sou completamente, inevitavelmente sua.
Até a próxima sexta, à mesma hora, no mesmo lugar.
Beijos.
Bia”
Carlos leu, incrédulo.
Olhou em volta, levantou um pouco da cadeira, esticando-se para ver se não seria uma brincadeira boba de algum colega. Nada. todos estavam ocupados, nas suas baias, ruminando suas tarefas enfadonhas .
Leu de novo, com atenção, o endereço; sim, estava correto, era para ele mesmo:
carlos.bonelli@bancouniao/creditoconsumidor.com.br
absurdamente correto; terrivelmente correto.
Aí, começou a ficar em pânico.
Correu os olhos pelo monitor, procurando o remetente:
Hora da mensagem: 8:15 - dia: 14/07/2008
Vinte minutos atrás !
Mas quem era esta Bia Coutinho?
Nunca ouvira falar dela; não era uma colega de escola, de cursos, de serviço; e muito menos, uma conhecida ocasional.
Definitivamente: não conhecia nenhuma Bia.
O e-mail vinha de uma cabine pública, portanto com endereço nebuloso, difícil, mas não impossível, de identificar.
- Talvez seja uma brincadeira da Tercília – pensou; mas logo percebeu que seria um absurdo; simplesmente, não podia ser..
Tercília, sua esposa havia dez anos, uma moça bonita. delicada e tranqüila, era ainda agora a estrela de sua vida.
Desde sempre, ela havia apostado tudo nele, empurrando-o para o trabalho, amparando-o nos momentos de incerteza, ajudando o nos estudos.
Tudo para que ele vencesse. E graças à Tercília, eles tinham vencido.
Carlos e Tercília eram mais que um binômio: eram uma equação bem resolvida.
Agora, como sub-gerente da Carteira, estava finalmente com a vida tranqüila. Era um momento de felicidade, depois de dez anos de lutas.
Mas nesse momento, com as letras do e-mail piscando na sua frente, ficou confuso e incerto; sentiu-se vítima de alguma trama.
Estava indefeso, sem saber o que fazer.
Metade de nosso futuro depende das atitudes que tomamos, ao aceitar os desafios que o momento propõe.
A outra metade, é definida pelo destino, que decide em nosso lugar, enquanto ficamos hesitando.
Teve um primeiro impulso, de excluir o e-mail, escondê-lo, jogá-lo na lixeira, enterrá-lo sob a tonelada diária de lixo eletrônico que recebia.
Mas alguma coisa o deteve. Queria ver claro, nessa mensagem.
Tentou novamente relacionar todas as hipóteses possíveis:
uma brincadeira dos colegas, ou de algum conhecido, ou dos parentes? - não; sem dúvida, não; seria coisa de mau gosto e sem motivo.
um erro de identidade ? Mas os nomes estavam claros, o endereço completo; não havia erro. Não era uma mensagem anônima.
Voltou a vasculhar na memória. Não encontrou nada.
E depois, o e-mail falava de um fato recente.
O pensamento voltou à semana anterior.
Na tarde da sexta feira, depois de um longo e cansativo diálogo, o seu Diretor Financeiro, o Dr Mathias, o havia convidado para jantar num restaurante.
Um daqueles convites irrecusáveis, aos quais ele estava aos poucos se acostumando.
O Banco, a Empresa, a Corporação, sempre se apoderam do tempo e da vida de seus empregados, acima de um certo nível.
.
Tercília tinha ido visitar a mãe, em Piracicaba.
Chamou-a, avisando-a que jantaria com o dr Mathias e pousaria
Havia jantado, chegando em casa ao redor da meia noite, talvez antes. E ferrou no sono. De manhã, bem descansado e disposto, pegou um ônibus confortável e estava em Piracicaba antes do meio dia. Tudo normal.
Mas esse e-mail balançava, complicava, atrapalhava tudo.
Enquanto matutava, o João, amigão e colega de muitos anos, chegou pelas costas e :
- Maravilha ! – exclamou quase gritando - dez anos de casamento e ainda se escrevem bilhetinhos de amor ! Deixa ver, deixa ver .....Mas.... Não é um e-mail da Tercília ! O que você está aprontando, Carlos ?...
A pergunta ficou no ar como um arco armado, tenso, tinindo, com a flecha pronta para ser lançada, apontada diretamente para as costas do pobre Carlos.
Este ainda tentou explicar que não sabia de nada, que estava procurando uma resposta; mas estava tão inseguro, tão confuso, que o João parou de falar e saiu da sala, apenas meneando a cabeça.
Carlos evitou aquele lugar comum de: “não é o que parece, eu posso explicar...” pareceu-lhe inútil e prejudicial.
E continuou pensando no que poderia ter acontecido.
Os fatos estavam atropelando-o, simplesmente.
Neste mesmo instante, Tercília irrompeu inesperadamente no escritório do Banco. Chegou alegre, bem disposta, deu um beijo no Carlos e queixou-se:
- O que há com o João ? Cruzei com ele na porta e ele mal me cumprimentou. Estava com cara de quem viu um fantasma!.....
Carlos, na confusão, não teve tempo de fechar o “outlook” . a mensagem ficou aberta na frente da Tercília, que sem querer começou a ler....
Bem, não precisa descrever toda a desagradável cena. Ela prorrompeu em lágrimas, depois levantou-se de um salto e saiu correndo, batendo a porta.
Carlos não teve nem tempo, pela segunda vez nessa manhã, de se refazer do estupor.
Passados um pouco de tempo, finalmente Carlos começou a reagir.
Iria descobrir o que havia atrás desta história e mostrar a todos a verdade.
Mas ainda haveria um provação. o Dr. Mathias passou na sala para cumprimentá-lo – e também leu a mensagem. Polidamente, evitou tecer qualquer comentário, mas olhou nos olhos do Carlos de forma tão estranha, que ele se sentiu culpado e implorou que a terra o engolisse, só para fugir desse vexame.
Carlos aproveitou a hora do almoço para procurar a “lan house” da qual tinha partido a mensagem. Era o serviço público instalado no Metrô da Praça da Sé
Explicou pacientemente ao servidor que o atendeu, que tinha recebido uma mensagem e que não conhecia o remetente. Precisava saber quem a tinha mandado. O funcionário deu de ombros.
- “ Se não era para você, jogue-a fora ! – exclamou, como se fosse a melhor solução do mundo – e seria, não fosse pelas confusões que tinha causado.
Mas o Carlos não podia parar por aí. Sua honra estava em jogo; e sua amizade com o João, e o respeito dos colegas , o amor da Tercília , a consideração da família ... Ele precisava encontrar o fio da meada.
Foi difícil, porque não havia registros oficiais do conteúdo das mensagens. Trinta e seis posições ativas na “lan house” poderiam ter enviado o e-mail.
Foi realmente um trabalho cansativo, mas Carlos chegou, ao cabo de dois dias, à conclusão.
Enquanto isso tudo acontecia, , do outro lado da Cidade, um rapaz simpático de nome Carlos Martinez, matutava sobre uma misteriosa mensagem em código, recebida do posto público 761.gov.sp.br e assinada curiosamente por alguém com o mesmo nome de sua namorada.
A mensagem dizia :
Prezado Senhor,
desejamos informar que fizemos nesta data o depósito da quantia combinada de R$ 1.311,56 para liquidação final de nossa dívida junto a esse Banco.
O documento traz a autenticação n......
Agradecemos sua compreensão e firmamo-nos
Atenciosamente
Modas Quintaferro Ltda
Bia Coutinho
Tesoureira
Estava tudo certo, menos os destinatários, distraidamente trocados.
Tudo culpa do amor...
Dois dias depois, as nossas personagens reuniam-se, de início um pouco constrangidas, mas depois alegres, aliviadas, em uma agradável camaradagem.
Seis meses depois, Carlos e Tercília eram testemunhas do casamento de Carlos e Bia. Com os Carlos certinhos, e sem confusão.