E foi assim.

Devo a vocês, meus pais, minha vinda ao mundo... Vocês quiseram que assim fosse e eu vim. Vim, mas cheguei sozinha... Nua. De corpo e alma. Pura, sem mácula alguma. Eu era tão somente eu. Por estar só, chorei. Chorei de medo, insegurança, alegria, surpresa, ansiedade, êxtase... Chorei por tudo e por nada. Chorei sem saber por quê... Sem saber o que me esperava, o que a mim aconteceria nesse lugar desconhecido. Na dualidade da vida, o meu choro a todos causou alegria... Era o sinal que eu vivia, que estava bem, pronta para viver a vida que a mim foi dada sem que eu pedisse. Chorei a plenos pulmões, enquanto todos riam a me ouvir. Cada um tinha suas razões. Eu por chorar e eles por rir.

Cheguei sozinha ao mundo já pronto... Pronto para me receber e me oferecer tudo de bom, tudo de mal... A mim caberia diferenciar, escolher o que a mim fosse melhor. Mas como saber? A vida mostraria os caminhos.  Sem saber, carregava comigo bisavós, avós, pais, que iriam de uma maneira ou outra, interferir em meus atos, em minhas ações, pensamentos, até que eu desse um basta e tomasse as rédeas de minha vida e passasse a ter o total controle de mim. Como se possível fosse...
Assim começou a minha história, que poderia ter sido a sua... A de todos nós. Sozinha.
Em seios fartos saciei minha fome. Em braços carinhosos fui embalada. Mãos amigas guiaram meus passos. Ouvindo vozes aprendi a falar.
Mas sempre, sempre querendo ser livre, ser minha própria dona. Tal e qual todo bebê, que rejeita o seio da mãe quando sem fome, que prefere engatinhar a aceitar as mãos que se oferecem para ensiná-lo a andar, que teimoso se recusa a falar no “tempo certo” para os outros. Só fala no “seu” tempo certo. Esperto que é. Voluntarioso. Certo? Errado? Quem sabe?Sozinha.
Segui a minha estrada e nela foram aparecendo pessoas que se tornaram importantes em minha vida e que a ela deram um real significado. Bom ou não, mas deram. Marcaram presença. Pai, mãe, irmãos, pessoas essenciais. Inesquecíveis. O que faria sem eles? Sem sua presença, sem o seu carinho? Como sobreviver? Avós, tios, primos, amigos... Tanta gente, tanta gente que caminhou comigo e fui perdendo ao longo da estrada da vida. Da minha vida. Uns resolveram parar, outros foram parados, outros escolheram novos caminhos, muitos ficaram indecisos diante das bifurcações a eles apresentadas e até hoje estão assim. Outros se perderam, outros... Simplesmente sumiram... E nunca mais soube deles. Mas todos passaram por mim e eu por eles. E foi bom. Foi importante. Ah... Como foi.
Passei por tempestades, por calmarias, por dias de sol, por noites enluaradas. Fui protegida, protegi. Fui ignorada, ignorei. Fui amada por quem não queria e amei quem não devia. Mas também amei, fui amada e fui feliz. Fiquei impassível diante da desgraça alheia. Outras vezes com ela sofri. Interagi. Busquei fora o que estava em mim. Até que um dia, depois de tanto sofrer, encontrei... Em mim. Blasfemei, quando em hora de desespero, gritei alto, “se Deus existe, porque tanto mal entre os homens?”. Mas com o tempo entendi e me arrependi. Hoje sigo o dito pitagórico: “Toma Deus por guia”.
Encontrei pessoas que poderiam estar em minha vida, fazer parte dela como eu gostaria que fizessem... Mas não quiseram ser como eu quis. Partiram em busca do melhor para elas. E eu fiquei... A imaginar como teria sido se... Mas que pena que não foi. Sobraram só as reticências. O meu olhar vazio a ver o nada que ficou da ausência que eu queria presença.  
E assim o tempo foi passando e fez de mim um ser verdadeiramente humano, que vivenciou o divino dentro de si.
E quando a velhice chegou, a doce e temida velhice me fez agradecer cada dia que vivi plenamente... Num mundo repleto de pessoas tão sós como eu, a imaginar-se sempre acompanhada... Sempre rodeada de um dia após o outro.

 

Heloisa

12 de outubro de 2009