E foi assim

Quando vim para São Paulo, lá pelos anos 60, deixei para trás minha mainha, meu painho, um bocado de irmãos, fome, sede, e saí em busca de dia melhores, sonhando que com meu esforço poderia trazê-los para perto de mim. Peguei minha certidão de nascimento e o boletim do Grupo Escolar que frequentei por pouco tempo, mas o suficiente para saber assinar meu nome e juntar umas letrinhas para aos poucos conseguir ler. E foi só. Vim embora com a cara e a coragem, sem ter até onde ficar. Mainha preparou meu embornal com alguma coisa para que eu pudesse comer durante a viagem. Meus irmãos fizeram uma "vaquinha", e me deram um pouco de dinheiro, que somado ao meu, daria para pouco tempo, se eu fizesse economia. E eu faria, pois estava tão acostumado a viver com pouco... Dona Lucinha, patroa de minha irmã, anotou seu endereço em um papel, para que eu pudesse mandar minhas notícias,  recomendando que eu tivesse cuidado e não o perdesse nunca. Mulher bondosa essa dona Lucinha. Nunca esqueço dela em minhas orações.

E lá vim eu, com vontade de vencer na cidade grande! Durante a viagem ouvi de algumas pessoas que estavam no ônibus, que trabalhar em construção era um trabalho bom, pois davam um quartinho para os empregados morarem. Era a garantia de que no dia seguinte estariam ali, e que de noite tomariam conta da obra. Decidi que procuraria trabalho em alguma construção. Tive vontade de perguntar alguma coisa para eles, mas envergonhado que era não consegui falar nada. Eu só ouvia as conversas.

Desci na rodoviária depois de uns três dia de viagem, meio perdido, sem ter com quem falar e sem saber para onde ir. Cheguei junto com o sol que estava nascendo. Para mim foi como um aviso de que tudo começaria bem. Ali estava nascendo minha nova vida.

Tudo era novo para mim. Depois de algum tempo olhando para as novidades que via, peguei minhas poucas tralhas e pus-me a andar sem rumo.

Andei tanto, que meu pé doía, mas não liguei para a dor, afinal tinha estado sentado por três dias...

A noite chegou, e sem saber para onde ir, procurei um lugar para dormir. Encontrei num banco de praça.

No dia seguinte pus-me a perambular pelas ruas, e logo vi um prédio em construção. Tive sorte, pois estavam precisando de um faz tudo. O salário, para quem ganhava tão pouco, era muito bom. E ainda poderia morar ali mesmo, enquanto tivesse trabalho para mim.

Durante o dia tudo era muito bom. Mas com a chegada da noite e o término do serviço, batia uma saudade imensa de tudo que tinha deixado para trás. Mas aos poucos fui me acostumando com o trabalho, a distância e o morar com mais seis pessoas em um quartinho.

Agora já era a hora de mandar notícias  para os meus, mas não sabia como escrever, e então comentei com um rapaz que trabalhava comigo.

Espere um pouco, que no domingo vou levá-lo até uma praça perto daqui. Tem algumas pessoas que escrevem cartas, disse-me ele.

Aquela semana demorou tanto a passar, mas enfim o domingo chegou, e lá fomos nós. 

Quando chegou minha vez fiquei tão emocionado que as palavras não vinham, mas a moça que me atendeu, acalmou-me. Eu falava e ela escrevia. Eu falava e ela escrevia... Contei tudo que tinha me acontecido desde que tomei o ônibus rumo a São Paulo.

Quando perguntei para onde eles deveriam mandar a resposta, ela disse que daria seu endereço, e que quando  a carta chegasse me entregaria. E a leria para mim. Isso fez com que todos os domingos pela manhã eu fosse para a praça, o que despertou em mim a vontade de saber escrever. A primeira coisa que fiz foi comprar um jornal.

Ao voltar para meu quartinho, fui tentando ler, juntando letrinha por letrinha. Foi difícil, mas não impossível. Depois de certo tempo eu já conseguia ler algumas coisas.

Depois comprei caderno, lápis, borracha, e comecei a fazer cópias do jornal. Minha mão doía, mas eu não parava. Com o tempo acostumei.

E foi assim que tudo começou...