Durante a minha adolescência, igual a de qualquer jovem de classe social mediana, tudo transcorreu sem altos e baixos, sem nenhum conflito em família ou problemas com os estudos.  Meus dias eram normais, ou talvez um pouco monótonos, indo da escola para casa, fazendo meus deveres escolares, jogando bola com a turma do prédio, indo ao Shopping, e aos domingos almoçando na casa de minha avó, com toda a família reunida.

Mas um dia, um amigo ofereceu-me algo, dizendo ser “um barato” a sensação sentida, e que “não tem sujeira”. Mesmo não entendendo seu palavreado, recusei e fui embora para casa. Mas a oferta não saia de minha cabeça, e a curiosidade instalou-se em mim. Afinal, por que não experimentar essa sensação prometida? Só uma vez não me faria mal, e com toda certeza eu pararia por aí.

No dia seguinte, após as aulas, fui direto ao lugar onde poderia encontra-lo, mas ele não estava lá, e nem apareceu nas próximas horas. Fiquei aflito, pois ele tinha por hábito faltar muito na escola, e eu queria encontra-lo o mais rápido possível. Ao chegar em casa, minha mãe de pronto percebeu que alguma coisa estava acontecendo comigo. Que agitação é essa menino, disse-me ela. Sossega! Mal sabia ela...

Num sábado, quando de minha ida ao Shopping, eu o vi com uma turma um tanto estranha, mas mesmo assim fui falar com ele a respeito de sua oferta. Meu coração batia forte. De medo e ansiedade. Convidado, fui com eles numa pracinha perto dali, e pela primeira vez fumei uma “pedra” , mas o que eu senti foi algo bem diferente do que ele falou.

Imagino que propositalmente ele não apareceu durante dois dias, fazendo com que eu ansiasse por fumar mais uma vez, em busca do “barato” prometido.

E foi assim que tudo começou.

Às vezes penso que eu mesmo fiz minha cabeça, curioso que era.

Por conta da “fissura”, passei a mentir, a roubar coisas de minha casa para vender, e aos poucos afastei-me da família, dos amigos caretas, e juntei-me à turma dos marginais como eu. Fui “avião”.

Em vão meus pais me procuravam pelas ruas. Eu aparecia quando precisava e ia embora quando queria.

Tornei-me prisioneiro das drogas, que me prenderam de tal forma, que eu não mais conseguia viver sem elas.

Aos poucos, passei a ser o jovem desfigurado pelo vício, que vagava pelas noites “biritado” atrás de “pedra” ou de “bagulho”, até que quase morri queimado. Atearam fogo em meu cobertor, e não fosse o socorro imediato dos “tios”, teria morrido.

Voltei para minha casa, certo de que não mais queria essa vida, e pedi socorro a meus pais. Queria ser internado. Mas enquanto eles providenciavam minha internação, fugi.

Depois de alguns dias voltei e pedi ajuda novamente.

Foi tudo muito difícil. Sofri, fiz sofrer, mas hoje, recuperado, me dedico a ajudar quem é como já fui.

 

 

[1]-Barato- efeito produzido pelas drogas

[2]Não tem sujeira – ausência de perigo para consumir drogas

[3]Fissura – vontade de consumir drogas

[4]Avião – entregador de drogas

[5]Biritado - efeito de álcool: condição ideal dos usuários para consumir drogas

[6]Pedra - crack