E foi assim II

Depois de algum tempo copiando palavras do jornal, senti que minhas mãos já não doíam mais, acostumadas que estavam a encher páginas e páginas do caderno que até hoje tenho comigo.

Um auxiliar de pedreiro que trabalhava comigo contou-me que estava estudando a noite numa Igreja perto do trabalho.Convidou-me a ir com ele para saber se era o que eu queria. Fiquei tão feliz,que naquele dia as horas demoraram muito a passar. Imaginava-me lendo e escrevendo as cartas para minha família.

Depois de tomar um banho e "bater um rango", lá fomos nós.

Gostei tanto, que no dia seguinte fui à escola fiz minha matrícula e iniciei meus estudos. Comecei tudo de novo, pois o pouco que eu sabia não servia de nada, e já fazia tanto tempo que tinha deixado a escola...

A pessoa que me atendeu na secretaria, ao ler meus documentos, viu que éramos da mesma cidade. E aí, conversa vai, conversa vem, contou-me sua história que era muito parecida com a minha. Já estava em São Paulo a mais de trinta anos. Deixou tudo para trás como eu, e veio em busca de seus sonhos.Trabalhou como doméstica, o que foi ótimo para ela, pois teria um lugar para ficar. Aos poucos sentiu necessidade de saber ler e escrever, e matriculou-se em um curso noturno perto de seu trabalho. E para encurtar a história, contou-me que fez faculdade de pedagogia, prestou concurso, e efetivou-se nessa escola como professora, mas por conta de alguns problemas, hoje trabalha na secretaria como professora readaptada. Mundo pequeno, não é?

Nas primeiras noites demorei dormir, o que não era comum acontecer comigo, dorminhoco que sempre fui.Eu sonhava acordado, pensando que faculdade faria. Eu sonhava longe, mas não com o impossível. Risquei essa palavra da minha vida.

Conclui o Curso Primário. Lia e escrevia muito bem. Com o pouco dinheiro que sobrava eu comprava livros, que me faziam companhia até tarde da noite.

Aos domingos ia à praça encontrar minha amiga, e como ela, escrever e ler cartas para quem precisasse.

O faz tudo que eu era ficou para trás. Agora eu já era pedreiro e dos melhores, modéstia à parte. Eu continuei trabalhando para a mesma Construtora durante muitos anos.

Aos poucos passei a querer arrumar um trabalho melhor, menos cansativo, que me desse mais tempo para estudar. Mas não era tão fácil assim. Eu precisava concluir o ginasial. E assim lá fui eu rumo a meus sonhos. Depois de ter feito o Exame para Admissão ao Ginásio e ter sido aprovado, matriculei-me em uma escola que não era muito perto do trabalho, mas mesmo assim eu fui. Eu chegava de volta ao meu quarto mais ou menos às 23:30. Preferia dormir logo e levantar bem cedinho. Eu gostava de estudar enquanto todos dormiam.

Sempre estudando a noite, conclui o Clássico e fui então ao encontro de minha tão sonhada faculdade...

E foi assim...