DUPLICATAS VIRTUAIS: O aceite não expresso e a divergência deste com os princípios dos títulos de crédito.

 

Alexya Costa

Ludmilla Braid

Mylane Azevedo

Alunas do 4º período do Curso de Direito da UNDB

Paper apresentado à disciplina Titulos de Crédito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

 

Sumário: 1 Introdução; 2 Fundamentação Teórica; 2.1 A evolução histórica dos títulos de crédito; 2.2 A aplicabilidade dos princípios dos títulos de crédito no instituto da duplicata; 2.2.1 A cartularidade e a literalidade na duplicata; 2.3 O aceite na duplicata virtual e a sua eficácia cambiária; 3 Considerações Finais.

 

RESUMO

O presente trabalho trata do fenômeno denominado Duplicata Virtuale as suas implicações acerca do aceite não expresso. Sabe-se que esta é uma modalidade de Duplicata Mercantil, na qual o título de crédito é gerado em um sistema computadorizado para representar uma venda ou prestação de serviço, esboçando que as práticas comerciais são de um dinamismo extraordinário e a busca de eficiência tem sido objeto constante no mundo empresarial, resultando em soluções criativas, contudo nem sempre contempladas no ordenamento jurídico vigente. Dessa forma, busca-se analisar os aspectos polêmicos das Duplicatas emitidas em meios eletrônicos, a priori, sendo observada a evolução histórica dos títulos de crédito, e, posteriormente, os seus princípios e aplicabilidade deles no instituto da Duplicada Virtual. Sem deixar de comentar, é claro, se há, de fato, validação nessa inovação de Duplicata Mercantil, sua eficácia cambial em detrimento dos princípios gerais dos títulos de crédito, bem como as divergências doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema.

Palavras-chave: Duplicata. Duplicata Virtual. Cartularidade. Aceite.

 

1 INTRODUÇÃO

          O presente artigo trata das Duplicatas Virtuais, em especial, o seu aceite não expresso e as divergências deste fenômeno com os princípios dos títulos de crédito. Por ser a Duplicata uma espécie de título, para melhor compreensão da problemática tangente, fez-se necessário estudar, a priori, a evolução histórica dos títulos de crédito e logo após, mais especificadamente, o instituto da Duplicata Mercantil, assim como a Duplicata Virtual.

          É sabido que sociedade tende a aumentar cada vez mais e, em paralelo com ela, a economia tornou-se ainda abstrusa, por esta razão, a moeda acabou sendo também um método de circulação mercantil exíguo, já que não é possível ter o dinheiro presente em todo momento. Desta feita, o trabalho se inicia tratando dos chamados títulos de crédito, que surgem como uma solução advinda do mercado, necessários para o exercício do direito literal e autônomo neles mencionados, com efeito, o crédito exposto tem consistência basilar em uma prestação futura, portanto, se funda em uma relação de confiança, boa-fé e prazo, sendo o mais rápido e o maior meio de circulação de riqueza da atualidade.

          O principal título ressaltado neste artigo é a Duplicata, o mais utilizado na área mercantil e que se caracteriza por ser um título formal, entregue ao comprador nas vendas mercantis a prazo. O tema aqui abordado não se voltará apenas às Duplicatas Mercantis, mas também as Duplicatas Virtuais, que surge como uma inovação, pois os documentos passaram por uma virtualização para que se facilite as negociações.

          A escolha desse tema se fundamenta no fato da existente divergência que pressupõe este instituto, pois o seu aceite se dá em separado, e, para parte da doutrina acabaria por apartar-se dos princípios da cartularidade, literalidade. Por serem as Duplicatas Virtuais aquelas dadas por meios eletrônicos, há também a problemática no que tange a sua eficácia cambiária, posto que tais Duplicatas não são materializáveis a assinatura de próprio punho. Para mais, devido à utilização desses meios para fins de registro de crédito, o aceite por presunção tende a substituir definitivamente o ordinário, por não se materializar mais num documento escrito, passível de remessa do comprador.

          Desse modo, devido as evidentes divergências a respeito dessa nova forma de Duplicata, fez-se necessáriaa demonstração de algumas existentes no ordenamento para uma melhor compreensão do tema exposto, pois uma parte da doutrina nacional embasa-se que há uma negação da viabilidade jurídica desse tipo de instituto pelo fato da inexistência do documento que materialize a dívida, contrariando os princípios da Cartularidade e da Literalidade, surgindo consequências e obstáculos de ordem jurídica, contudo, parte da jurisprudência e também da doutrina entende que a Duplicata Virtual apresentada pelo boleto bancário reveste-se de plena juridicidade.

          Por fim, é válida a ressalva que a presente pesquisa caracteriza-se como exploratória, bibliográfica e documental, em relação ao procedimento utilizado para compô-la, pois é produzida através de documentos, artigos disponíveis na internet e livros. Tendo como objetivo final ofertar uma maior familiaridade com a questão elencada, para que se torne mais explicita, além de que seu procedimento técnico tem como objetivação uma busca à solução do problema a partir dos materiais utilizados. (GIL, 2002).

 

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

2.1 A evolução histórica dos títulos de crédito

          No início tinha-se nas sociedades uma economia que era predominada pelo escambo, assim o mercado se restringia às trocas de uma mercadoria por outra. Todavia, com a complexidade crescente da população esse meio de economia mercantil passou a ser insuficiente por ter se mostrado limitativo. (RAMOS, 2012).

          Como artificio para superar as dificuldades presentes no escambo, o mercado criou outro viés e mais eficiente para a circulação de bens, sendo este a moeda. Com esta ferramenta não haveria os mesmos problemas deixados pelo método anterior, visto que não ocorreria a necessidade de uma troca exata de um bem procurado por outro, ao invés disto, a moeda solucionava a adversidade, pois um produtor fixaria o preço do seu produto e o interessado por este dar-lhe-ia o valor ofertado. (RAMOS, 2012).

          Entretanto, como já citado a sociedade tende a aumentar cada vez mais e em paralelo com ela a economia tornou-se ainda abstrusa, desta feita, a moeda acabou sendo também um método de circulação mercantil exíguo, já que não é possível ter o dinheiro presente em todo momento. Assim, mais uma vez houve outra solução advinda do mercado, o que são chamados de títulos de crédito. (RAMOS, 2012).

          Conceituado por Vivante, por diversos doutrinadores e adotado pelo Código Civil brasileiro, o título de crédito é um “documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado”. (COELHO, 2016, p.154). Com efeito, o crédito aqui exposto tem consistência basilar em uma prestação futura, em razão disso se funda em uma relação de confiança, boa-fé e prazo, ademais é o mais rápido e o maior meio de circulação de riqueza da atualidade. (ALMEIDA, 2014).

          Dentre os títulos de crédito, tem-se a Duplicata um dos mais utilizados contemporaneamente, esta surgiu no Brasil em 1850 com o Código Comercial que no seu art. 219 que prescreveu:

“Nas vendas em grosso ou por atacado entre comerciantes, o vendedor é obrigado a apresentar ao comprador por duplicado, no ato da entrega das mercadorias, a fatura ou conta dos gêneros vendidos, as quais serão por ambos assinadas, uma para ficar na mão do vendedor e outra na do comprador. Não se declarando na fatura o prazo do pagamento, presume-se que a compra foi à vista (art. 137). As faturas sobreditas, não sendo reclamadas pelo vendedor ou comprador, dentro de dez dias subsequentes à entrega e recebimento (art. 135) presumem-se contas líquidas”. (CABRIOLI, 2014, p. [?]).

          O segundo período, o governo tentou meios ao quais fizessem ressurgir a fatura ou conta assinada tornando-a obrigatória, entretanto os juristas reagiram rapidamente, ressaltando que seria um tipo de retrocesso ao direito comercial. (CABRIOLI, 2014). No terceiro momento, em 1922, diante a possibilidade de cobrança de imposto de renda a situação muda e através de projeto de lei, vê-se uma nova feição “à cobrança do imposto de lucros do comércio e da indústria pelo selo proporcional sobre o selo do valor de vendas”, na tentativa de se desviarem da cobrança do imposto de renda. (CABRIOLI, 2014).

           Assim, a Duplicata atualmente é conceituada como um título emitido pelo próprio credor, que declara existir um crédito em seu favor, nascido como instrumento de política fiscal, este exercia controle sobre a incidência do importo do selo e acabou por se consolidar devido a pouquíssima utilização da letra de câmbio. O título mencionado só pode ser emitido para documentar determinadas relações jurídicas na qual são estabelecidas pela lei de regência do mesmo, sendo: a compra e venda mercantil e o contrato de prestação de serviço. (RAMOS, 2012).

 

2.2 A aplicabilidade dos princípios dos títulos de crédito no instituto da Duplicata

          O nosso Código Civil no art. 887 afirma que o título de crédito é o “documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei” [grifo nosso]. Desta concepção, sobre o que sejam esses documentos, extraem-se dois elementos importantes, que são o exercício de um direito literal e autônomo, estes dois são princípios norteadores dos títulos de crédito em geral, mas além destes há outros princípios que se vêem presentes nesse ramo do direito empresarial, que são a Cartularidade, o Formalismo, a Circulabilidade e a Abstração.

          A Cartularidade consiste na existência de um instrumento para caracterização de um título de crédito, ou seja, é a apresentação de um documento, de uma cártula, que permita a identificação do título, bem como a sua existência material (MAMEDE, 2016, p.15). A Literalidade, segundo o doutrinador Marlon Tomazette (2017, p. 31), se dá pela interpretação daquilo que está escrito no título, é a obediência do conteúdo e dos limites acertados nos termos do documento. O Formalismo diz respeito à necessidade do título de crédito em obedecer aos requisitos legais, evitando-se uma nulidade do documento. A circulabilidade é a possibilidade de transferência do título, gerando mais riquezas para a economia. (2017, p.19).

          Há ainda, a Abstração e a Autonomia, na qual primeira se refere ao fato da desvinculação do título do negócio que lhe deu origem, ou seja, o negócio inicial não tem o condão de afetar o cumprimento da obrigação subseqüente, e a Autonomia, onde cada um dos devedores ou credores possui uma obrigação autônoma entre si. (TOMAZETTE, 2017).

          Estes princípios, que também são características, estão presentes no instituto da Duplicata, que segundo Gladston Mamede (2016, p. 224) é um “título que é emitido, declarando existir, a seu favor, um crédito de determinado valor em moeda recorrente, fruto - obrigatoriamente - de um negócio empresarial subjacente de compra e venda de mercadorias ou de prestação de serviço”. Desta forma, nota-se que tal título é causal, uma vez que ele se vincula ao seu ato de origem, já que há a necessidade de haver a compra e venda ou a prestação de um serviço para a sua emissão, havendo um distanciamento do princípio da Abstração.

          Todavia, é um documento essencial para se exercer um direito autônomo, havendo a presença do princípio da Autonomia e da Literalidade, posto que devam ser seguidos aqueles termos acordados no documento. (TOMAZZETE, 2017). É, ainda, um título no qual há a presença da Circulabilidade, visto ser possível a sua transferência por meio do Endosso e, o mais importante, a presença da Cartularidade, pois há exigência de apresentação documental para que haja a materialização do direito, pois não há título sem a presença desse elemento primordial, já que deve haver o aceite com a apresentação documento.

 

2.2.1 A Cartularidade e a Literalidade na Duplicata

          Como já mencionado a duplicata é um titulo de crédito causal que é concebido mediante uma compra e venda de produtos ou prestação de um serviço (MAMEDE, 2016), e como quaisquer outros títulos, ele possui as características já mencionadas. Todavia, há dois princípios de relevante importância nesse título especificadamente que são o da Cartularidade e da Literalidade.

          No que se que refere à Literalidade, a Duplicata será efetivada em consonância com os requisitos essenciais para a sua criação, quais sejam aqueles presentes no art. 2º da lei nº 5474/68 (Lei de Duplicatas): 

I - a denominação "duplicata", a data de sua emissão e o número de ordem;II - o número da fatura; [...]IV - o nome e domicílio do vendedor e do comprador; V - a importância a pagar, em algarismos e por extenso;[...] VII - a cláusula à ordem; [...] IX - a assinatura do emitente.

          Deste modo, segue-se aquilo que está expresso no título, não sendo permitida nenhuma modificação no documento que não esteja devidamente expressa. Contudo, notamos na própria lei há uma exceção a tal característica, posto seu art. 11º explicita que “a duplicata admite reforma ou prorrogação do prazo de vencimento, mediante declaração em separado ou nela escrita, assinada pelo vendedor ou endossatário, ou por representante com poderes especiais” [grifo nosso], isso nos mostra que apesar da Literalidade invalidar atos em separado, a lei específica que trata das duplicatas excepciona tal princípio permitindo declaração apartada.

          Outro importante princípio no tema apresentado é a Cartularidade, uma vez que para a concretização de um ato envolvendo títulos de crédito há a necessidade de apresentação do documento para a concretização do negócio. Todavia, no que tange a Duplicata, a lei 5474/68 no art. 13 §1º afirma que por falta de aceite, devolução ou de pagamento o protesto poderá ser tirado também pela indicação ao portador, ou seja, não há necessidade de apresentação da cártula nesse caso, demonstrando uma exceção a Cartularidade nesse título.

          Além desta, como o advento da tecnologia, o código civil sofreu alterações no art. 889, adicionando os títulos virtuais:

Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos diretos que confere, e a assinatura do emitente.

§ 1º É avista o título de crédito que não contenha indicação de vencimento.

§ 2º Considera-se lugar de emissão e de pagamento, quando não indicado no título, o domicílio do emitente.

§ 3º, O título poderá ser emitido a partir de caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo.

          Desta forma, determinados documentos passaram a ser virtualizados como forma de facilitar as negociações. Tal fato relativiza ainda mais o princípio da Cartularidade, posto que não haverá a apresentação física do mesmo, assim a cártula, que é de suma importância para o exercício do direito, será concebida por meios eletrônicos, demonstrando uma verdadeira excepcionalidade a cartularidade.

 

2.3 O aceite na Duplicata Virtual e a sua eficácia cambiária

          No Direito Comercial entende-se que emitida a fatura, no mesmo ato poderá ser extraída a Duplicata, obedecendo ao padrão fixado pelo Conselho Monetário Nacional e atendidos alguns requisitos, nos 30 (trinta) dias após à emissão, o sacador deve remeter a Duplicata ao sacado, caso o título seja emitido à vista, o comprador, ao recebê-lo, deve proceder ao pagamento; se a prazo, ele deve assinar a Duplicata, no campo próprio do aceite e restituí-la ao sacador no prazo de 10 (dez) dias, isto se não existirem motivos para a recusa do aceite, hipótese essa que a Duplicata é devolvida ao vendedor acompanhada da exposição deles (LD, art. 7º e § 1º). (COELHO, 2012, p. 391).

          Ressalta-se, contudo, que a recusa do aceite na Duplicata Mercantil não pode ocorrer pela simples vontade do sacado, o artigo 8º da Lei das Duplicatas reforça os casos específicos em que a recusa é propícia, basicamente se o comprador das mercadorias é devedor, ele não pode se recusar a ver sua dívida documentada por um título de efeitos cambiários, na Duplicata, portanto o seu aceite é obrigatório, pois se não há motivos para a recusa da mercadoria(s) enviada(s) pelo sacador, o sacado encontra-se vinculado ao pagamento do título, mesmo que não o assine. (COELHO, 2012, p. 392).

          A primeira espécie de aceite na Duplicata é o ordinário, resulta da assinatura do devedor no campo próprio do documento segundo o padrão do CMN, essa forma de vincular o sacado ao pagamento somente cabe na hipótese de utilização do suporte papel. Aplicam-se as Duplicatas que ostentam o aceite ordinário, integralmente, as regras do Direito Cambiário, ou seja, ela se torna um título executivo extrajudicial contra o sacado e seu avalista, independentemente de se encontrar protestada ou não (LD, art. 15, I). (COELHO, 2012, p. 392).

          Outra modalidade de aceite neste título de crédito é o por presunção, trata-se de uma forma mais corriqueira de vínculo do sacado ao pagamento da Duplicata, caracteriza-se mesmo que o comprador tenha retido, inutilizado ou restituído sem assinatura a Duplicata, assim sendo, desde que receba as mercadorias, sem manifestação formal de recusa, é o comprador o devedor cambiário, independentemente da atitude que adota em relação ao documento que lhe foi enviado. (COELHO, 2012, p. 393).

          Diferentemente do citado, no caso das Duplicatas emitidas em meios eletrônicos, não é materializável a assinatura de próprio punho (COELHO, 2012, P. 392), ademais, devido a utilização desses meios também para fins de registro de crédito, o aceite por presunção tende a substituir definitivamente o ordinário, por não se materializar mais num documento escrito, passível de remessa do comprador (COELHO, 2012, p. 393). Por esses motivos que se têm discussões a respeito dessa previsão legal chamada Duplicata Virtual, pois uma parte da doutrina nacional embasa-se que há uma negação da viabilidade jurídica desse tipo de instituto pelo fato da inexistência do documento que materialize a dívida, contrariando os princípios da Cartularidade e da Literalidade, surgindo consequências e obstáculos de ordem jurídica na emissão, endosso, protesto, aval e executividade da cambial.

          Por outro viés, parte da jurisprudência e também da doutrina entende que a Duplicata Virtual apresentada pelo boleto bancário reveste-se de plena juridicidade, pois se fundamentam que o aceite por presunção, o protesto por indicação e a execução da Duplicata não assinada, dispositivos firmados no Direito Cambial Brasileiro, permitem a desmaterialização do título. (OLIVEIRA, 2010).

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

          Sabe-se que no início as sociedades tinham uma economia com prevalecimento do escambo, restringindo as trocas de mercadorias de uma por outra, porém, devido ao crescimento evidente, esse método se mostrou insuficiente e limitativo. Como forma de superação desse obstáculo criou-se a moeda para que se tornasse eficiente novamente a circulação de bens, pois inexistiria a troca de um produto por outro, mas a fixação de um preço a determinado produto no qual o interessado daria o valor ofertado.

          Contudo, a perceptível tendência da sociedade é cada vez mais aumentar, desta feita, a moeda também acabou por ser um método exíguo de circulação de riquezas, já que não se faz possível ter dinheiro a todo momento. A solução a toda essa problemática do mercado foi o surgimento dos chamados títulos de crédito, documentos necessários para o exercício do direito literal e autônomo neles mencionados, como exposto por Vivante e por diversos doutrinadores brasileiros.

          A Duplicata é um dos títulos mais utilizados na contemporaneidade, apesar de seu surgimento ter se dado em 1850 com o Código Comercial. Se configura como um título emitido pelo próprio credor que declara existir um crédito ao seu favor para documentar determinadas relações jurídicas, nasce como um instrumento de política fiscal que acabou por se consolidar devido à pouca utilização das letras de câmbio.

          Dentre os princípios mais relevantes e condizentes para esse título de crédito estão a Cartularidade e a Literalidade. O primeiro diz respeito a apresentação de uma cártula, ou seja, de um documento que identifique, bem como a existência material do título, já o segundo se dá pela interpretação daquilo que está escrito no título, é a obediência do conteúdo e dos limites acertados nos termos do documento.

          Doravante, em relação a esses princípios que surgem as divergências em detrimento do instituto intitulado Duplicatas Virtuais estas tidas como uma forma de inovação, pois determinados documentos passaram a ser virtualizados como forma de facilitar as negociações. É notável que o aceite nas Duplicatas Mercantis pode se dar de duas formas, a primeira consiste na espécie ordinária, que resulta na assinatura do devedor no campo próprio do documento segundo o padrão do Conselho Monetário Nacional, sendo esta a forma de vincular o sacado ao pagamento cabível na hipótese de utilização do suporte papel, a outra modalidade é por presunção, tida como uma forma mais corriqueira de vínculo do sacado ao pagamento da Duplicata, caracterizando-se mesmo que o comprador tenha retido, inutilizado ou restituído sem assinatura a Duplicata.

          Diferentemente, nas Duplicatas Virtuais, ou seja, as emitidas em meios eletrônicos, não se possui a materialização da assinatura de próprio punho. Ademais, devido a utilização desses meios também para fins de registro de crédito, o aceite por presunção acaba por, tendencialmente, substituir definitivamente o ordinário, por não se materializar mais em um documento escrito passível de remessa do comprador.

          Por estes motivos, se tem diversas discussões a respeito da previsão legal do instituto da Duplicata Virtual, parte da doutrina nacional se pauta na negação da viabilidade jurídica pelo fato da inexistência do documento que materialize a dívida, pois contraria os princípios da Cartularidade e Literalidade acima citados, resultando em consequências e obstáculos de ordem jurídica na emissão, endosso, protesto, aval e executividade da cambial. Por um outro viés, jurisprudencialmente e também por uma parte da doutrina, entende-se que a Duplicata Virtual apresentada pelo boleto bancário reveste-se de plena juridicidade, pois se fundamenta no aceite por presunção, o protesto por indicação e a execução da duplicata não assinada, dispositivos firmados no Direito Cambial Brasileiro.

          O fato é que a desmaterialização dos títulos de crédito é um fenômeno decorrente das novas práticas comerciais advindas do desenvolvimento dos meios eletrônicos e da necessidade de reduzir/acabar com o trânsito de papéis, tanto que o Novo Código Civil procurou legalizar um processo de confecção de títulos de crédito que há muito tempo vinha sendo utilizado em bancos, autorizou a emissão de títulos criados em computador ou meio técnico equivalente, “o título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo”. (art. 889, § 3º).

          Isto posto, nos dias atuais a cobrança de Duplicatas pelas instituições financeiras é realizada de forma eletrônica, considerando que as informações sobre os dados da transação mercantil são repassadas em tempo real pelo sacador a instituição financeira, através de computadores conectados em rede, e, a partir daí, é emitido o boleto bancário para cobrança. É visível que o progresso da informática ganhou conotações globais, fazendo com que o instituto da Duplicata Virtual venha representando uma incontestável conquista da moderna técnica bancária, reduzindo os custos das operações de desconto, de cobrança e eliminando, consideravelmente, o trânsito de documentos materializados.