Paulo Igor Xavier da Silva*                                                     

Resumo:

Este trabalho tem como base analisar a mais famosa tragédia shakespeareana,á saber: Romeu e Julieta. A discussão central é em como Romeu e Julieta se caracteriza como uma tragédia ,segundo o que Aristóteles prega  na Arte Poética, bem como definir, de forma apenas basilar as ideias Aristotélicas sobre o trágico,  um pouco do amor de Romeu e Julieta e como este contribuiu para que a tragédia se consumasse. No segundo momento, falaremos como que a Comédia está presente de forma subsidiária a tragédia, ou seja,indo de encontro a teorias sobre a tragédia perfeita ou plena, refiro-me:  dentro de uma aparecem  marcas da outra, tornando a Obra Romeu e Julieta um Drama sem igual, por misturar de forma bem categórica características tão distintas do gênero dramático – Tragédia e Comédia!

Palavras-chave: Romeu e Julieta, Tragédia,Amor,Comédia,Teoria Aristótelica.

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A Tragédia em Romeu e Julieta.

 

Iniciamos a nossa análise pelo prólogo da obra em questão.

CORO – Duas casas,iguais em dignidade – na formosa Verona vos dirão – reativaram antiga inimizade,manchando mãos fraternas sangue irmão.Do fatal seio desses dois rivais um par nasceu de amantes desditosos, em que sua sepultura o ódio dos pais despuseram,na morte venturosos. Os lances desse amor fadado a morte e a obstinação dos pais sempre sempre exaltados que teve fim naquela triste sorte em duas horas vereis representados. Se emprestardes a tudo ouvido atento, supriremos as faltas a contento.

(SHAKESPEARE, Romeu e Julieta .Porto Alegre: LPM,1998. P 5)

Dois personagens,Romeu e Julieta, oriundos de “Duas casas,iguais em dignidade” nos mostra que a referida obra trata-se de uma Tragédia. O termo “Dignidade” imprime aqui uma possível inspiriracão na teoria da “CARTASE” Aristótelica de que a tragédia seria uma imitação de seres inferiores a superiores. Ainda segundo Aristóteles, temos aqui a prova máxima de que Romeu e Julieta de fato é uma tragédia (pelo menos predominantemente), uma vez que difere-se da Comédia,pois, nesta última, propõem-se os personagens a imitarem Homens tão medíocres e fúteis como os são na realidade.Já na Tragédia em si, temos a imitação de um plano superior,sim, Deuses,Reis,Heróis ou mesmo Homens,só que nesta feita, superiores aos ordinários, ou simplesmente “dignos”, como bem pontua o Dramaturgo Inglês.

“Do fatal seio desses dois rivais um par nasceu de amantes desditosos, ... na morte venturosos ...Os lances desse amor fadado a morte... fim naquela triste sorte”. Extraímos daqui uma segundo característica Trágica. Percebemos a presença da inevitável “Moira” assim como a retratada em Rei ÉDIPO, ou seja, enquanto os Deuses urinam e defecam nos homens, estes, a mercê do inevitável – a morte, Norteiam-se conformadamente (embora até tentem escapar, como percebeu-se em Édipo que embora conscientemente ele achava que estava a fugir do destino descrito pelo Oráculo, na verdade ele estava se aproximando ainda mais de Matar o seu próprio Rei e Pai e Desposar a sua própria Rainha e Mãe - Jocasta ) rumo a tal fim trágico. Romeu e Julieta, desenvolve-se pela sentença de morte de um que é o amor do outro e vice e versa.Vemos aqui uma vívida discrição Aristotélica de uma vítima, outrora Herói, do implacável, Inexorável e inevitável destino (Moira) que lhe trará o extremo do sofrer – o fim da existência!

“...na morte venturosos...”.Enquanto na tragédia puramente grega, o fim trágico dos heróis é uma nítida representação da soberania,supremacia e por que não da tirania dos Deuses, na tragédia Shakespeariana Romeu e Julieta, esse fim trágico evidencia também a “ventura” (Felicidade ou Risco/Aventura) do casal e mostram-se na peca inteira que transcendi a sua morte em Verona,pois, antes de morrerem em suicídio os seus corpos, Romeu e Julieta, ‘imortalizam um sentimento virtuoso – O amor’, segundo o que preleciona Harold Bloom. O que seria este Amor e como ele se apresenta? Vejamos.

AMOR, breve definição.

 

A palavra Amor tem definição mui abstrata e imprecisa, afinal, ele é sentimento sentido pelos amantes e não plenamente compreendido compreendido.

Em Latim a palavra “amor” pode significar afeição, compaixão, misericórdia, ou ainda, inclinação, atração, apetite, paixão, querer bem, satisfação, conquista, desejo, libido, etc (Definicão: Wikipedia)

Para os Gregos, o Amor era apresentado de diversas formas diferentes, á saber: Eros - um amor apaixonado fundamentado e baseado na aparência física, Psiquê - um amor "espiritual", baseado na mente e nos sentimentos eternos, Ludus - o amor que é jogado como um jogo; amor brincalhão,Storge - um amor afetuoso que se desenvolve lentamente, com base em similaridade, Pragma - amor pragmático, que visualiza apenas o momento e a necessidade temporária, do agora,Mania - amor altamente emocional, instável; o estereótipo de amor romântico ou apaixonado e por fim,Ágape - amor altruísta; espiritual.

Em Romeu e Julieta, percebemos o amor sendo representado nas suas formas: Ludus,Pragma e principalmente Mania, por o casal estar disposto a ir contra tudo e todos, sem levarem em conta o dano que isso pode causar. Apostam,por assim dizer,como que em um jogo real, até mesmo a afeição de suas famílias por tal sentimento,sim,uma verdadeira contradição sentimental,uma vez que os amantes negligenciam o Amor fraternal e paterno,bem como o materno, pelo amor que sentem um ao outro.Sentimento este que como a peca demonstra, é egoísta,ignora a razão e acima de tudo perseverará em todas as coisas, uma verdadeira demonstração de Inclinacão a saciar o apetite insaciável do desejo – 0 amor!

 

 

O Nascimento do Amor em  Romeu e Julieta.

                                  “...Primo, em verdade, adoro uma mulher”                   (Romeu e Julieta  -    Ato I, Cena I)

 

Durante a leitura atenta da obra, vemos Romeu, um jovem Montéquio, passional e destemido, que sofre de amor um amor não correspondido por Rosalina.Romeu tem como seus melhores amigos e companheiros Benvólio e Mercúcio. É convidado por estes, no intuito de fazê-lo esquecer sua paixão Platônica por Rosalina, a ir ao baile de máscaras dos Capuleto. Romeu encanta-se por uma jovem e bela moça, que descobre ser Julieta Capuleto, que,diferentemente de sua amada Rosalina, corresponde ao encantamento dele. Mais tarde, Julieta vai para a varanda e conta às estrelas que tem um amor proibido.Romeu, escondido em uns arbustos por baixo da varanda, ouve as confissões de Julieta e não resiste, decide revelar sua presença e após trocarem juras de amor, marcam o casamento para o dia seguinte. Romeu vai à cela de Frei Lourenço e convence-o a realizar a cerimônia secreta.

 

           “é um Capuleto? [...]

                                                             “Sou devedor de minha vida ao meu inimigo” (Romeu e Julieta  -    Ato I, Cena IV)

 “Meu único amor nascido de meu único          ódio...Prodigioso é para mim o nascimento do amor para que deva amar meu inimigo abominado” (Romeu e Julieta  -    Ato I Cena V).

Percebemos o quão bestificados ficam ao descobrirem que o amor da vida de um e de outro pertencem respectivamente a famílias rivais. Mesmo que por uma fração de segundo, Romeu e Julieta ignoram a realidade e se tornam autopiedosos por se unirem em prol de tal sentimento que para eles se torna, pelas falas acima, ímpar (“Meu único amor”),Gracioso e benigno (“Sou devedor de minha vida...”), inesperado (“...Prodigioso...”), contraditório por este mesmo amor que une Romeu e Julieta os separar de suas famílias,Ditador (“...DEVA amar meu inimigo abominado...”) e destruidor – quando os amantes são destruídos por ele.

 “O que há num simples nome? O que chamamos rosa,com outro nome não teria igual perfume?” (Romeu e Julieta  -    Ato II, Cena II)

 “Somente teu nome é meu inimigo.Tu és tu mesmo, sejas ou não um Montéquio. [...] Que há em um simples nome? Romeu e Julieta  -    (Ato II, Cena II).

Agora, depois de verem os fatos, Julieta demonstra plena disposição em continuar a amar Romeu.Percebemos uma grande escusa do casal. Julieta argumenta que um nome é simplesmente um mero nome,afinal, ‘as rosas teriam o mesmo perfume caso se chamassem de forma diversa a rosa’.Então, por que ser diferente no caso de Romeu,quer dizer,no caso de um Montéquio rival? Não faria a menor lógica,pelo menos para Julieta.

Julieta ainda ressalta que nada eles têm a ver com a rixa antiga das famílias. Romeu representava, o que pra ela, ele era, “Tu és tu mesmo, sejas ou não um Montéquio”, o amor verdadeiro.O que Julieta se propõe é amar não a um Montéquio (inimigo),mas, a Romeu (ser amável por excelência que é). Por fim, o único inimigo de Julieta era Montéquio e não Romeu. Assim, percebemos uma despersonalização dos personagens. O jovem casal sobra em amor e falta em “Prudencia!” (Romeu e Julieta  -    Ato III, cena III).Negligenciaram as origens,culturas,tradições e costumes,sim,abdicaram de tudo,inclusive do próprio nome ou identidades para materializarem o evidentemente impossível de ser concretizado – o amor entre Montéquios e Capuletos! “Quem mais corre mais tropeça” (Romeu e Julieta  -    Ato III, cena III).Romeu e Julieta correram,por assim dizer, ou seja, se apressaram em quebrar uma rixa fortemente entrincheirada a anos com um sentimento “Prodigioso” (Romeu e Julieta  -  Ato I, Cena ).Por mais “delicioso” que estivesse a magia do momento, deveriam ter dado ouvidos ao conselho: “O mel mais doce é repugnante por sua própria delicia” (Romeu e Julieta  -    Ato III, Cena III). O amor imaturo e rebelde de Romeu e Julieta demonstrou  o quão próximo está a delicia do amor (o vão momento) com a repugnancia do mesmo (as consequencias permanentes). O jovem casal foi nécio ao ignorarem os alertas que soavam em uníssono.

Agora a tragédia chega ao seu clímax:

 “Tu, desesperado piloto,lança enfim sobre o recife escarpado tua barca exaurida,farta de navegar! Por minha amada (bebe).

Ó honesto Boticário! Tuas drogas são rápidas! [...] Assim,morro [...] com um beijo!” (Romeu e Julieta  -    Ato V, Cena III).

 

 “Que é? Um rumor? Preciso então apressar-me.Oh!Bendita adaga! (arrebata a adaga de romeu). Esta é a tua bainha! (apunhala-se). Enferruja-te aqui e deixa-me falecer!” (Cai sobre o corpo de Romeu e morre). (Romeu e Julieta  -    Ato V, Cena III).

 

Após Romeu ter sido banido pelo príncipe,pelo assassinato de Teobaldo, os pais de Julieta resolvem casá-la com o Conde Páris. Desesperada Julieta pede ajuda ao Frei Lourenco que a aconselha a aceitar o casamento para despistar seus pais. Dá a ela um frasco de elixir para simular sua morte e montam um plano: Julieta deveria tomar o conteúdo do frasco, sua família acreditaria em sua morte, o casamento com o Conde não se realizaria e o Frei, através de uma carta explicativa, mandaria Romeu voltar para que ficassem juntos. Porém a carta se extravia e Romeu recebe a notícia da morte da amada. Desfeito de dor Romeu compra um veneno e desesperado decide morrer também. Volta à cidade e defronta-se com o Conde no mausoléu onde está Julieta, é forçado a lutar com ele, Travam duelo e Romeu assassina-o. Toma o veneno diante do corpo de Julieta e morre abraçado a ela. Frei Lourenço chega para tentar impedi-lo, mas é tarde demais, foge para não ser desmascarado e punido, porém antes acorda Julieta e conta a ela o que se passou, que horrorizada decide ficar junto de seu grande amor. Julieta beija Romeu para tentar absorver o veneno de seus lábios e morrer também, mas sua tentativa é frustrada. Apanha a adaga de Romeu e apunhala-se, morrendo junto de seu amor.

Romeu e Julieta por fim caem na emboscada dos Deuses – sua Moira – a morte! Deixam o mundo material em busca de concretizar o amor no mundo mais abstrato que há – o espiritual. Não podemos por certo condenar esta busca frenética de Romeu e Julieta pelo amor.Afinal, “só os mendingos conseguem contar o finheiro que têm” (Romeu e Julieta  -    Ato II,Cena VI) e “Só rir das cicatrizes quem ferida nunca sofreu no corpo” (Romeu e Julieta  -    Ato II.Cena II).

Talvez ainda amemos de forma muito limitada para conseguirmos mensurar o amor que temos e/ou talvez nunca tenhamos vivenciado a experiência de ter queimado em nós a chama eterna do amor.Chama esta que,como evidenciado em Romeu e Julieta, dá Dignidade e desprezo, honra e desonra,glória e vergonha.Chama esta que dá luz e sentido a vida dos amantes ou a torna mui escura e trágica como tornara as vidas de Romeu e Julieta.

Por fim, notamos o amor descrito por Shakespeare em toda a obra como um amor corrompido pelo meio social,ou seja, aquilo que Durkheim chamou de “Fato social”, algo imposto pela sociedade e que nos coage a nos “encaixarmos”. Shakespeare,Inicia pelo amor efêmero e não correspondido de Romeu por Rosalina, o amor luxúria de Mercúrio, excitado pela feiticeira Mab,vê raparigas tornarem-se mulheres quando começam a suportar nas costas o peso dos maridos. O amor interesseiro da Ama  que aconselha Julieta,no final do terceiro ato, a abdicar dos votos matrimoniais que fizera a Romeu, mesmo constituindo-se pecado crasso de “Porneía” (Fornicacão = Adultério) e casar-se com o rico e belo Páris.Apenas Romeu e Julieta nutrem o Amor ideal, aquele que “purga” os leiteros e os faz torcer para que o  amor seja concretizado,ou seja,pelo imaginário “final feliz”, e é esse amor em oposição ao sistema social da época que os leva a ruína.

A comédia subsidiária a tragédia em Romeu e Julieta.

        

A tragédia presente em Romeu e Julieta desvincula-se,em alguns momentos, das regras compostas por Aristóteles em sua Arte Poética,como por exemplo:estrutura e forma definida, personagens com características bem marcadas a ponto do espectador perceber nítida e facilmente do que se trata a peça.Nasce assim, uma existência subsidiária de cômico meio ao predominantemente trágico.

Segundo Aristóteles, a tragédia, assim como os outros gêneros, possue a capacidade de produzir efeitos e emoções diferentes em cada indivíduo que ler / assiste. Afirmava ainda que o fundamento primordial da Poética,é a Mimese, uma qualidade inerente a todo homem, e a literatura (já que esta é produção do ser humano), assim seria uma imitação da vida real, através da palavra e da arte por trás desta,e a Mimese assim representa as ações humanas – amor,ódio,etc.

        Criou-se uma divisão de personagens por sua posição na sociedade, logo também estaria dividido por gêneros onde, homens superiores a média, nobres e deuses, heróis presentes na tragédia, também homens inferiores a média, seriam os personagens camponeses, soldados; média essa que representa a classe social dos personagens. Faz-se necessário neste contexto uma listagem das principais características da tragédia em geral, também presente de fora predominante em Romeu e Julieta, para termos condições clara de diferi-la da comédia que subsidiáriamente nos é apresentada em Romeu e Julieta. Representada inicialmente pela “Moira e Fatum” seria a crença no destino, a personagem destinada ao seu destino:

“Temo que é cedo demais, pois meu coração pressente que                                                                                                                                            alguma fatalidade suspensa no entanto nas estrelas, começará amargamente seu terrível curso com esta festa noturna e porá fim à desprezível que trago em meu peito graças a algum golpe vil de prematura morte. Mas aquele que governa o leme de minha existência guie minha nave.’’

(Romeu e Julieta  -    Cena IV,último Ato)

        O “metron” que é o limite entre o mundo dos Deuses e dos seus seres humanos, não podendo ser ultrapassado por ambos, as “hybris” representada pelo orgulho exagerado dos heróis que se consideram iguais aos deuses, há a “hamatria” ou o erro dos heróis quando tentam se igualar aos deuses, “sparagmas” é o castigo das forças maiores ao homem, que caía em desgraça, perdia tudo, e como fim na maioria das vezes terminava na morte do herói, “anagnorisis” seria o esclarecimento dos fatos, o reconhecimento, observa-se a “reviravolta” ou a complicação dos fatos, onde ocorre a queda do personagem principal e por fim a “ironia trágica”, que quando o herói tenta desviar-se do seu destino, estando cada vez mais perto dele. Percebe-se que após esta listagem dessas características, vemos que elas não estão representadas nitidamente ou não existem em Romeu e Julieta, apenas a moira se demonstra em várias personagens da obra. Há no entanto tantas outras características que a identificam mais com o gênero da Comédia, como a qualidade dos personagens que são de baixa classe social (camponeses, serventes, soldados) em Romeu e Julieta temos a Ama, Mercúcio e o Benvólio, um desenlace feliz e o objetivo de provocar riso no espectador, os pais enganados, um amor cheio de reviravoltas divertidas. Dessas características citadas apenas uma não podemos afirmar que se encontra na obra em estudo, que seria o final feliz, o que determina fielmente que a peça se trata de uma Tragédia.

Exatamente no fim temos essa certeza, pois do seu início até determinado ponto vemos Romeu e Julieta mais como Comédia do que uma Tragédia. A tratar-se de Mercúcio, principal personagem cômico, melhor amigo de Romeu, era um jovem primo do príncipe, porém de nível social não considerável. Sua importância se dá pelos seus diálogos, e grande atuação, que Shakespeare usou minuciosamente, no desenrolar de fatos predominantemente importantes na peça. De humor escancarado, vocabulário de baixo escalão, visão sexual explícita e imoral para os costumes da época, demonstravam  em que posição social deveria está inserido naquela época. São suas as frases mais cômicas da obra:

“Esta é a bruxa que, quando as donzelas dormem de costas as oprime e lhes ensina a agüentar pela primeira vez o peso masculino, delas fazendo mulheres de boa carga.’’

(Romeu e Julieta- 1º ato cena IV,)

Ou quando faz alusões a sexualidade;

“...o dedo obsceno do quadrante solar está agora tocando o pau do meio- dia.’’

(Romeu e Julieta-cena IV, 2ºato)

Com esses pequenos trechos vemos uma caracterização mais que perfeita da presença de um personagem  cômico em uma tragédia. Assim também como a Ama que pouco se sabe sobre ela na peça, apenas que teve uma filha e um marido, ambos falecidos. Vivendo ela, apenas para cuidar e alcovitar Julieta. Se utiliza também de uma linguagem bem rasteira, características inferiores a sociedade, aparência também engraçada, apesar de ser descrito apenas mínimos detalhes a respeito disso; se utiliza também de longos discursos mostrados na peça como intromissões ou alcovitarias na conversa dos outros:

“E eu aposto quatorze de meus dentes (embora com tristeza o fale só possua quatro) como ainda não fez quatorze anos.’’

(Romeu e Julieta-cena III,1ºato)

Vemos a Ama utilizando-se de um vocabulário depreciativo:

     

                      “Não sou uma dessas namoradeiras, não sou uma dessas debochadas. -E tu ficas assim, como um imbecil, permitindo que qualquer um use de mim à vontade?’’

(Romeu e Julieta-cena V,2ºato)

Quando ela não mantém fixo o foco da conversa, tornando o diálogo engraçado e desconexo:

“Vosso amor, diz como honrado cavalheiro, cortês, amável, galhardo e posso assegurar-vos como virtuoso... Onde está sua mãe?’’

(Romeu e Julieta-cena V,2ºato)

Nessa concepção a uma relação entre o gênero da Tragédia e o da Comédia, o que transforma a peça mais bela. Não se pode afirmar, porém supor, que é de caráter de Shakespeare, introduzir esses fatos e personagens cômicos no intuito de amenizar as ações trágicas da peça dando um tom mais livre e agradável aos vários públicos, pois na época de Shakespeare várias classes sociais podiam participar das peças de teatro e frequentarem o mesmo. Com isso os camponeses se entretiam, com aquilo que eles gostavam de ouvir, ver, peças que mostravam intrigas, palavrões, sexualidade exposta, e estes são momentos bem presentes em Romeu e Julieta. Tanto uma peça na Tragédia como na Comédia começam da mesma maneira com acontecimentos semelhantes, não necessariamente com os heróis ou personagens principais, assim é necessário a presença de algum fator que faça a diferença própria, que definiria o que seria a Tragédia e a Comédia, principalmente na obra em estudo.

Um fato decisivo põe novamente em contra posição a peça, seria uma característica primordial da Tragédia, pelos personagens principais como desencadeadores dos fatos, da ordem natural dos seres, culpados por todas as ações que essa personagem sofre, como grandes desgraças e mortes. Em Romeu e Julieta não há nenhum trecho que comprove que os heróis título tenham cometido ou agido de forma que os poderes astrais ou superiores se voltassem contra eles. Eles não estavam diretamente ligados com a briga entre Teobaldo e Mercúcio, principal fato desencadeador dos fatos trágicos da peça, assunto que será retomado mais adiante. Percebemos que os heróis trágicos da peça não são causadores da hybris;

“Tudo começa em Verona, onde duas poderosas famílias eram inimigas de morte. Capuletos de um lado e Montecchios de outro, viviam em constante guerra, do senhor ao menor dos servidores.’’

(Sinopse da obra,pag.25)

“...Duas casas,iguais em dignidade – na formosa Verona vos dirão – reativaram antiga inimizade,manchando mãos fraternas sangue irmão..’’

(Prólogo da Peça)

Neste erro trágico,eles são vítima do acaso desse amor, onde são trancafiados pelo ódio de suas famílias, sem poder revelar a todos o que sentiam, assumir o  amor deles e viver como um casal comum:

“.Do fatal seio desses dois rivais um par nasceu de amantes desditosos, em que sua sepultura o ódio dos pais despuseram,na morte venturosos..’’

(Prólogo da peça)

“Os lances desse amor fadado a morte e a obstinação dos pais sempre exaltados que teve fim naquela triste sorte em duas horas vereis representados...’’

(Prólogo da peça)

Tomando como base, o texto crítico de Rosenfeld, sobre o pensamento Renascentista de Shakespeare, há uma afirmação que o põe como seguidor de caracteres da Arte Poética de Aristóteles, no que diz respeito a organização dos fatos na peça e das ações, pois se afirma que sem ação não existe Tragédia. Ocorre que se descaracteriza do gênero trágico pelo desenrolar dos fatos cômicos, chegando ao ponto ápice desse trabalho, mostrando como acaba a comédia nessa peça.Com a leitura da obra vemos que na cena I do 3ºato a peça perde suas características cômicas junto com suas personagens representantes desse gênero, Mercúcio e a Ama, Não que esta desapareça,mas muda de atitude influindo em sua personalidade. Nessa cena ocorre o que se pode chamar de ironia trágica. Com a briga entre Mercúcio e Teobaldo há a quebra de toda a obra, a peça toma outro rumo, vemos aí o início verdadeiro dos momentos tristes da peça,já que ela perde sua personagem mais cômica, junto com suas conversas e palavrões.

Já quanto ao texto crítico de Frye sobre a peça, que caracteriza esta cena como terrível, Mercúcio meio que esnoba Romeu, esse se revolta e o desejo de vingança aflora em si, e Teobaldo é morto por Romeu tornando-se herói trágico da peça:

“Mas isto é uma tragédia: matando Teobaldo e vingando Mercúcio. Romeu irrevogavelmente se torna uma figura trágica.’’

(Texto críitico. Frye Northrop)

Personagem comediosa,a Ama, na peça que transforma-se em outra figura, assume outras características psicológicas e híndole, observa-se vozes dela que vê-se uma outra mulher agora sem escrúpulos morais, sem caráter, até mesmo religião. Antes apoiava Romeu e depois o desconjura, pede que castigos caiam sobre ele:

“Não há firmeza, não há fé, não há honradez nos    homens!Todos são perjuros, fingidos, iníquos, hipócritas...Que a vergonha caia sobre Romeu.’’

                                                                             (Romeu e Julieta – ato III cena II,)

Em determinado ponto ela se põe contra Julieta apoiando a traição no casamento, aconselhando-a a se casar com outro, estando casada com Romeu:

 

“Estando, portanto as coisas como estão, acredito que o mais conveniente é que vos caseis com o conde...e mesmo que não fosse, vosso primeiro esposo está morto.’’

(Romeu e Julieta – ato III  cena V,)

Notadamente tudo o que na peça havia de cômico, desapareceu desde o momento em que Mercúcio é morto por Teobaldo nos braços de Romeu. Não vemos mais Julieta como uma menina, sim uma mulher de opnião, seus pais se tornam ditadores e lhe impõem um casamento , Romeu toma atitudes de homem e sabe esperar pelo desenrolar dos fatos até o fim triste dos dois, que chega com a morte das principais personagens, que se tornaram trágicos sem culpa e com a paz estabelecida entre as duas famílias, celada com a construção de estátuas em memória dos mortos.

Talvez a obra faça essa fusão de gêneros, graças a maestria de Shakespeare ou no intuito de dar leveza a sua peça ou de criar um novo gênero que seria desenvolvido com o passar dos tempos. Romeu e Julieta é sem dúvida a melhor obra desse dramaturgo, levando-se em consideração a fusão de gêneros literários.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

WILLIAM, Shakespeare. Romeu e JulietaSão Paulo: Martin Claret2007.Tradução: Jean Melville .                                              

WILLIAM, Shakespeare. Romeu e JulietaFonte Digital, WWW.Jahr.org. Garcia,Nélson Jahr, 2002. Edicão: Ridendo Castigat Mores.

  

FRYE, Northrop. Romeu e Julieta,Texto Crítico.

 

ROSENFELD, Anatol. Shakespeare e o pensamento Renascentista,Texto Crítico.

BLOOM, Harold. The invention of the humam – Romeu and Juliet, Texto Crítico.

ARISTÓTELES, A arte retórica e a Arte poética.Rio de janeiro: Ediouro, 1969

Sites:

http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/tragedia_grega1.htm

https://pt.wikipedia.org/wiki/Amor

http://teatroguairaromeuejulieta.blogspot.com.br/2008/05/tragdi-escrit-por-william-shakespeare.html

https://www.agbook.com.br/book/144334--A_COMEDIA_NA_TRAGEDIA_DE_ROMEU_E_JULIETA

DRAMA - O AR CÔMICO SUBSIDIÁRIO AO TRÁGICO EM ROMEU E JULIETA 

                                                                         

                                                                          Paulo Igor Xavier da Silva*                                                     

Resumo:

Este trabalho tem como base analisar a mais famosa tragédia shakespeareana,á saber: Romeu e Julieta. A discussão central é em como Romeu e Julieta se caracteriza como uma tragédia ,segundo o que Aristóteles prega  na Arte Poética, bem como definir, de forma apenas basilar as ideias Aristotélicas sobre o trágico,  um pouco do amor de Romeu e Julieta e como este contribuiu para que a tragédia se consumasse. No segundo momento, falaremos como que a Comédia está presente de forma subsidiária a tragédia, ou seja,indo de encontro a teorias sobre a tragédia perfeita ou plena, refiro-me:  dentro de uma aparecem  marcas da outra, tornando a Obra Romeu e Julieta um Drama sem igual, por misturar de forma bem categórica características tão distintas do gênero dramático – Tragédia e Comédia!

Palavras-chave: Romeu e Julieta, Tragédia,Amor,Comédia,Teoria Aristótelica.

*Aluno do nono período de Letras Habilitacão em Lingua Inglesa. Universidade estadual Vale do Acaraú - UVA

 

A Tragédia em Romeu e Julieta.

 

Iniciamos a nossa análise pelo prólogo da obra em questão.

CORO – Duas casas,iguais em dignidade – na formosa Verona vos dirão – reativaram antiga inimizade,manchando mãos fraternas sangue irmão.Do fatal seio desses dois rivais um par nasceu de amantes desditosos, em que sua sepultura o ódio dos pais despuseram,na morte venturosos. Os lances desse amor fadado a morte e a obstinação dos pais sempre sempre exaltados que teve fim naquela triste sorte em duas horas vereis representados. Se emprestardes a tudo ouvido atento, supriremos as faltas a contento.

(SHAKESPEARE, Romeu e Julieta .Porto Alegre: LPM,1998. P 5)

Dois personagens,Romeu e Julieta, oriundos de “Duas casas,iguais em dignidade” nos mostra que a referida obra trata-se de uma Tragédia. O termo “Dignidade” imprime aqui uma possível inspiriracão na teoria da “CARTASE” Aristótelica de que a tragédia seria uma imitação de seres inferiores a superiores. Ainda segundo Aristóteles, temos aqui a prova máxima de que Romeu e Julieta de fato é uma tragédia (pelo menos predominantemente), uma vez que difere-se da Comédia,pois, nesta última, propõem-se os personagens a imitarem Homens tão medíocres e fúteis como os são na realidade.Já na Tragédia em si, temos a imitação de um plano superior,sim, Deuses,Reis,Heróis ou mesmo Homens,só que nesta feita, superiores aos ordinários, ou simplesmente “dignos”, como bem pontua o Dramaturgo Inglês.

“Do fatal seio desses dois rivais um par nasceu de amantes desditosos, ... na morte venturosos ...Os lances desse amor fadado a morte... fim naquela triste sorte”. Extraímos daqui uma segundo característica Trágica. Percebemos a presença da inevitável “Moira” assim como a retratada em Rei ÉDIPO, ou seja, enquanto os Deuses urinam e defecam nos homens, estes, a mercê do inevitável – a morte, Norteiam-se conformadamente (embora até tentem escapar, como percebeu-se em Édipo que embora conscientemente ele achava que estava a fugir do destino descrito pelo Oráculo, na verdade ele estava se aproximando ainda mais de Matar o seu próprio Rei e Pai e Desposar a sua própria Rainha e Mãe - Jocasta ) rumo a tal fim trágico. Romeu e Julieta, desenvolve-se pela sentença de morte de um que é o amor do outro e vice e versa.Vemos aqui uma vívida discrição Aristotélica de uma vítima, outrora Herói, do implacável, Inexorável e inevitável destino (Moira) que lhe trará o extremo do sofrer – o fim da existência!

“...na morte venturosos...”.Enquanto na tragédia puramente grega, o fim trágico dos heróis é uma nítida representação da soberania,supremacia e por que não da tirania dos Deuses, na tragédia Shakespeariana Romeu e Julieta, esse fim trágico evidencia também a “ventura” (Felicidade ou Risco/Aventura) do casal e mostram-se na peca inteira que transcendi a sua morte em Verona,pois, antes de morrerem em suicídio os seus corpos, Romeu e Julieta, ‘imortalizam um sentimento virtuoso – O amor’, segundo o que preleciona Harold Bloom. O que seria este Amor e como ele se apresenta? Vejamos.

AMOR, breve definição.

 

A palavra Amor tem definição mui abstrata e imprecisa, afinal, ele é sentimento sentido pelos amantes e não plenamente compreendido compreendido.

Em Latim a palavra “amor” pode significar afeição, compaixão, misericórdia, ou ainda, inclinação, atração, apetite, paixão, querer bem, satisfação, conquista, desejo, libido, etc (Definicão: Wikipedia)

Para os Gregos, o Amor era apresentado de diversas formas diferentes, á saber: Eros - um amor apaixonado fundamentado e baseado na aparência física, Psiquê - um amor "espiritual", baseado na mente e nos sentimentos eternos, Ludus - o amor que é jogado como um jogo; amor brincalhão,Storge - um amor afetuoso que se desenvolve lentamente, com base em similaridade, Pragma - amor pragmático, que visualiza apenas o momento e a necessidade temporária, do agora,Mania - amor altamente emocional, instável; o estereótipo de amor romântico ou apaixonado e por fim,Ágape - amor altruísta; espiritual.

Em Romeu e Julieta, percebemos o amor sendo representado nas suas formas: Ludus,Pragma e principalmente Mania, por o casal estar disposto a ir contra tudo e todos, sem levarem em conta o dano que isso pode causar. Apostam,por assim dizer,como que em um jogo real, até mesmo a afeição de suas famílias por tal sentimento,sim,uma verdadeira contradição sentimental,uma vez que os amantes negligenciam o Amor fraternal e paterno,bem como o materno, pelo amor que sentem um ao outro.Sentimento este que como a peca demonstra, é egoísta,ignora a razão e acima de tudo perseverará em todas as coisas, uma verdadeira demonstração de Inclinacão a saciar o apetite insaciável do desejo – 0 amor!

 

 

O Nascimento do Amor em  Romeu e Julieta.

                                  “...Primo, em verdade, adoro uma mulher”                   (Romeu e Julieta  -    Ato I, Cena I)

 

Durante a leitura atenta da obra, vemos Romeu, um jovem Montéquio, passional e destemido, que sofre de amor um amor não correspondido por Rosalina.Romeu tem como seus melhores amigos e companheiros Benvólio e Mercúcio. É convidado por estes, no intuito de fazê-lo esquecer sua paixão Platônica por Rosalina, a ir ao baile de máscaras dos Capuleto. Romeu encanta-se por uma jovem e bela moça, que descobre ser Julieta Capuleto, que,diferentemente de sua amada Rosalina, corresponde ao encantamento dele. Mais tarde, Julieta vai para a varanda e conta às estrelas que tem um amor proibido.Romeu, escondido em uns arbustos por baixo da varanda, ouve as confissões de Julieta e não resiste, decide revelar sua presença e após trocarem juras de amor, marcam o casamento para o dia seguinte. Romeu vai à cela de Frei Lourenço e convence-o a realizar a cerimônia secreta.

 

           “é um Capuleto? [...]

                                                             “Sou devedor de minha vida ao meu inimigo” (Romeu e Julieta  -    Ato I, Cena IV)

 “Meu único amor nascido de meu único          ódio...Prodigioso é para mim o nascimento do amor para que deva amar meu inimigo abominado” (Romeu e Julieta  -    Ato I Cena V).

Percebemos o quão bestificados ficam ao descobrirem que o amor da vida de um e de outro pertencem respectivamente a famílias rivais. Mesmo que por uma fração de segundo, Romeu e Julieta ignoram a realidade e se tornam autopiedosos por se unirem em prol de tal sentimento que para eles se torna, pelas falas acima, ímpar (“Meu único amor”),Gracioso e benigno (“Sou devedor de minha vida...”), inesperado (“...Prodigioso...”), contraditório por este mesmo amor que une Romeu e Julieta os separar de suas famílias,Ditador (“...DEVA amar meu inimigo abominado...”) e destruidor – quando os amantes são destruídos por ele.

 “O que há num simples nome? O que chamamos rosa,com outro nome não teria igual perfume?” (Romeu e Julieta  -    Ato II, Cena II)

 “Somente teu nome é meu inimigo.Tu és tu mesmo, sejas ou não um Montéquio. [...] Que há em um simples nome? Romeu e Julieta  -    (Ato II, Cena II).

Agora, depois de verem os fatos, Julieta demonstra plena disposição em continuar a amar Romeu.Percebemos uma grande escusa do casal. Julieta argumenta que um nome é simplesmente um mero nome,afinal, ‘as rosas teriam o mesmo perfume caso se chamassem de forma diversa a rosa’.Então, por que ser diferente no caso de Romeu,quer dizer,no caso de um Montéquio rival? Não faria a menor lógica,pelo menos para Julieta.

Julieta ainda ressalta que nada eles têm a ver com a rixa antiga das famílias. Romeu representava, o que pra ela, ele era, “Tu és tu mesmo, sejas ou não um Montéquio”, o amor verdadeiro.O que Julieta se propõe é amar não a um Montéquio (inimigo),mas, a Romeu (ser amável por excelência que é). Por fim, o único inimigo de Julieta era Montéquio e não Romeu. Assim, percebemos uma despersonalização dos personagens. O jovem casal sobra em amor e falta em “Prudencia!” (Romeu e Julieta  -    Ato III, cena III).Negligenciaram as origens,culturas,tradições e costumes,sim,abdicaram de tudo,inclusive do próprio nome ou identidades para materializarem o evidentemente impossível de ser concretizado – o amor entre Montéquios e Capuletos! “Quem mais corre mais tropeça” (Romeu e Julieta  -    Ato III, cena III).Romeu e Julieta correram,por assim dizer, ou seja, se apressaram em quebrar uma rixa fortemente entrincheirada a anos com um sentimento “Prodigioso” (Romeu e Julieta  -  Ato I, Cena ).Por mais “delicioso” que estivesse a magia do momento, deveriam ter dado ouvidos ao conselho: “O mel mais doce é repugnante por sua própria delicia” (Romeu e Julieta  -    Ato III, Cena III). O amor imaturo e rebelde de Romeu e Julieta demonstrou  o quão próximo está a delicia do amor (o vão momento) com a repugnancia do mesmo (as consequencias permanentes). O jovem casal foi nécio ao ignorarem os alertas que soavam em uníssono.

Agora a tragédia chega ao seu clímax:

 “Tu, desesperado piloto,lança enfim sobre o recife escarpado tua barca exaurida,farta de navegar! Por minha amada (bebe).

Ó honesto Boticário! Tuas drogas são rápidas! [...] Assim,morro [...] com um beijo!” (Romeu e Julieta  -    Ato V, Cena III).

 

 “Que é? Um rumor? Preciso então apressar-me.Oh!Bendita adaga! (arrebata a adaga de romeu). Esta é a tua bainha! (apunhala-se). Enferruja-te aqui e deixa-me falecer!” (Cai sobre o corpo de Romeu e morre). (Romeu e Julieta  -    Ato V, Cena III).

 

Após Romeu ter sido banido pelo príncipe,pelo assassinato de Teobaldo, os pais de Julieta resolvem casá-la com o Conde Páris. Desesperada Julieta pede ajuda ao Frei Lourenco que a aconselha a aceitar o casamento para despistar seus pais. Dá a ela um frasco de elixir para simular sua morte e montam um plano: Julieta deveria tomar o conteúdo do frasco, sua família acreditaria em sua morte, o casamento com o Conde não se realizaria e o Frei, através de uma carta explicativa, mandaria Romeu voltar para que ficassem juntos. Porém a carta se extravia e Romeu recebe a notícia da morte da amada. Desfeito de dor Romeu compra um veneno e desesperado decide morrer também. Volta à cidade e defronta-se com o Conde no mausoléu onde está Julieta, é forçado a lutar com ele, Travam duelo e Romeu assassina-o. Toma o veneno diante do corpo de Julieta e morre abraçado a ela. Frei Lourenço chega para tentar impedi-lo, mas é tarde demais, foge para não ser desmascarado e punido, porém antes acorda Julieta e conta a ela o que se passou, que horrorizada decide ficar junto de seu grande amor. Julieta beija Romeu para tentar absorver o veneno de seus lábios e morrer também, mas sua tentativa é frustrada. Apanha a adaga de Romeu e apunhala-se, morrendo junto de seu amor.

Romeu e Julieta por fim caem na emboscada dos Deuses – sua Moira – a morte! Deixam o mundo material em busca de concretizar o amor no mundo mais abstrato que há – o espiritual. Não podemos por certo condenar esta busca frenética de Romeu e Julieta pelo amor.Afinal, “só os mendingos conseguem contar o finheiro que têm” (Romeu e Julieta  -    Ato II,Cena VI) e “Só rir das cicatrizes quem ferida nunca sofreu no corpo” (Romeu e Julieta  -    Ato II.Cena II).

Talvez ainda amemos de forma muito limitada para conseguirmos mensurar o amor que temos e/ou talvez nunca tenhamos vivenciado a experiência de ter queimado em nós a chama eterna do amor.Chama esta que,como evidenciado em Romeu e Julieta, dá Dignidade e desprezo, honra e desonra,glória e vergonha.Chama esta que dá luz e sentido a vida dos amantes ou a torna mui escura e trágica como tornara as vidas de Romeu e Julieta.

Por fim, notamos o amor descrito por Shakespeare em toda a obra como um amor corrompido pelo meio social,ou seja, aquilo que Durkheim chamou de “Fato social”, algo imposto pela sociedade e que nos coage a nos “encaixarmos”. Shakespeare,Inicia pelo amor efêmero e não correspondido de Romeu por Rosalina, o amor luxúria de Mercúrio, excitado pela feiticeira Mab,vê raparigas tornarem-se mulheres quando começam a suportar nas costas o peso dos maridos. O amor interesseiro da Ama  que aconselha Julieta,no final do terceiro ato, a abdicar dos votos matrimoniais que fizera a Romeu, mesmo constituindo-se pecado crasso de “Porneía” (Fornicacão = Adultério) e casar-se com o rico e belo Páris.Apenas Romeu e Julieta nutrem o Amor ideal, aquele que “purga” os leiteros e os faz torcer para que o  amor seja concretizado,ou seja,pelo imaginário “final feliz”, e é esse amor em oposição ao sistema social da época que os leva a ruína.

A comédia subsidiária a tragédia em Romeu e Julieta.

        

A tragédia presente em Romeu e Julieta desvincula-se,em alguns momentos, das regras compostas por Aristóteles em sua Arte Poética,como por exemplo:estrutura e forma definida, personagens com características bem marcadas a ponto do espectador perceber nítida e facilmente do que se trata a peça.Nasce assim, uma existência subsidiária de cômico meio ao predominantemente trágico.

Segundo Aristóteles, a tragédia, assim como os outros gêneros, possue a capacidade de produzir efeitos e emoções diferentes em cada indivíduo que ler / assiste. Afirmava ainda que o fundamento primordial da Poética,é a Mimese, uma qualidade inerente a todo homem, e a literatura (já que esta é produção do ser humano), assim seria uma imitação da vida real, através da palavra e da arte por trás desta,e a Mimese assim representa as ações humanas – amor,ódio,etc.

        Criou-se uma divisão de personagens por sua posição na sociedade, logo também estaria dividido por gêneros onde, homens superiores a média, nobres e deuses, heróis presentes na tragédia, também homens inferiores a média, seriam os personagens camponeses, soldados; média essa que representa a classe social dos personagens. Faz-se necessário neste contexto uma listagem das principais características da tragédia em geral, também presente de fora predominante em Romeu e Julieta, para termos condições clara de diferi-la da comédia que subsidiáriamente nos é apresentada em Romeu e Julieta. Representada inicialmente pela “Moira e Fatum” seria a crença no destino, a personagem destinada ao seu destino:

“Temo que é cedo demais, pois meu coração pressente que                                                                                                                                            alguma fatalidade suspensa no entanto nas estrelas, começará amargamente seu terrível curso com esta festa noturna e porá fim à desprezível que trago em meu peito graças a algum golpe vil de prematura morte. Mas aquele que governa o leme de minha existência guie minha nave.’’

(Romeu e Julieta  -    Cena IV,último Ato)

        O “metron” que é o limite entre o mundo dos Deuses e dos seus seres humanos, não podendo ser ultrapassado por ambos, as “hybris” representada pelo orgulho exagerado dos heróis que se consideram iguais aos deuses, há a “hamatria” ou o erro dos heróis quando tentam se igualar aos deuses, “sparagmas” é o castigo das forças maiores ao homem, que caía em desgraça, perdia tudo, e como fim na maioria das vezes terminava na morte do herói, “anagnorisis” seria o esclarecimento dos fatos, o reconhecimento, observa-se a “reviravolta” ou a complicação dos fatos, onde ocorre a queda do personagem principal e por fim a “ironia trágica”, que quando o herói tenta desviar-se do seu destino, estando cada vez mais perto dele. Percebe-se que após esta listagem dessas características, vemos que elas não estão representadas nitidamente ou não existem em Romeu e Julieta, apenas a moira se demonstra em várias personagens da obra. Há no entanto tantas outras características que a identificam mais com o gênero da Comédia, como a qualidade dos personagens que são de baixa classe social (camponeses, serventes, soldados) em Romeu e Julieta temos a Ama, Mercúcio e o Benvólio, um desenlace feliz e o objetivo de provocar riso no espectador, os pais enganados, um amor cheio de reviravoltas divertidas. Dessas características citadas apenas uma não podemos afirmar que se encontra na obra em estudo, que seria o final feliz, o que determina fielmente que a peça se trata de uma Tragédia.

Exatamente no fim temos essa certeza, pois do seu início até determinado ponto vemos Romeu e Julieta mais como Comédia do que uma Tragédia. A tratar-se de Mercúcio, principal personagem cômico, melhor amigo de Romeu, era um jovem primo do príncipe, porém de nível social não considerável. Sua importância se dá pelos seus diálogos, e grande atuação, que Shakespeare usou minuciosamente, no desenrolar de fatos predominantemente importantes na peça. De humor escancarado, vocabulário de baixo escalão, visão sexual explícita e imoral para os costumes da época, demonstravam  em que posição social deveria está inserido naquela época. São suas as frases mais cômicas da obra:

“Esta é a bruxa que, quando as donzelas dormem de costas as oprime e lhes ensina a agüentar pela primeira vez o peso masculino, delas fazendo mulheres de boa carga.’’

(Romeu e Julieta- 1º ato cena IV,)

Ou quando faz alusões a sexualidade;

“...o dedo obsceno do quadrante solar está agora tocando o pau do meio- dia.’’

(Romeu e Julieta-cena IV, 2ºato)

Com esses pequenos trechos vemos uma caracterização mais que perfeita da presença de um personagem  cômico em uma tragédia. Assim também como a Ama que pouco se sabe sobre ela na peça, apenas que teve uma filha e um marido, ambos falecidos. Vivendo ela, apenas para cuidar e alcovitar Julieta. Se utiliza também de uma linguagem bem rasteira, características inferiores a sociedade, aparência também engraçada, apesar de ser descrito apenas mínimos detalhes a respeito disso; se utiliza também de longos discursos mostrados na peça como intromissões ou alcovitarias na conversa dos outros:

“E eu aposto quatorze de meus dentes (embora com tristeza o fale só possua quatro) como ainda não fez quatorze anos.’’

(Romeu e Julieta-cena III,1ºato)

Vemos a Ama utilizando-se de um vocabulário depreciativo:

     

                      “Não sou uma dessas namoradeiras, não sou uma dessas debochadas. -E tu ficas assim, como um imbecil, permitindo que qualquer um use de mim à vontade?’’

(Romeu e Julieta-cena V,2ºato)

Quando ela não mantém fixo o foco da conversa, tornando o diálogo engraçado e desconexo:

“Vosso amor, diz como honrado cavalheiro, cortês, amável, galhardo e posso assegurar-vos como virtuoso... Onde está sua mãe?’’

(Romeu e Julieta-cena V,2ºato)

Nessa concepção a uma relação entre o gênero da Tragédia e o da Comédia, o que transforma a peça mais bela. Não se pode afirmar, porém supor, que é de caráter de Shakespeare, introduzir esses fatos e personagens cômicos no intuito de amenizar as ações trágicas da peça dando um tom mais livre e agradável aos vários públicos, pois na época de Shakespeare várias classes sociais podiam participar das peças de teatro e frequentarem o mesmo. Com isso os camponeses se entretiam, com aquilo que eles gostavam de ouvir, ver, peças que mostravam intrigas, palavrões, sexualidade exposta, e estes são momentos bem presentes em Romeu e Julieta. Tanto uma peça na Tragédia como na Comédia começam da mesma maneira com acontecimentos semelhantes, não necessariamente com os heróis ou personagens principais, assim é necessário a presença de algum fator que faça a diferença própria, que definiria o que seria a Tragédia e a Comédia, principalmente na obra em estudo.

Um fato decisivo põe novamente em contra posição a peça, seria uma característica primordial da Tragédia, pelos personagens principais como desencadeadores dos fatos, da ordem natural dos seres, culpados por todas as ações que essa personagem sofre, como grandes desgraças e mortes. Em Romeu e Julieta não há nenhum trecho que comprove que os heróis título tenham cometido ou agido de forma que os poderes astrais ou superiores se voltassem contra eles. Eles não estavam diretamente ligados com a briga entre Teobaldo e Mercúcio, principal fato desencadeador dos fatos trágicos da peça, assunto que será retomado mais adiante. Percebemos que os heróis trágicos da peça não são causadores da hybris;

“Tudo começa em Verona, onde duas poderosas famílias eram inimigas de morte. Capuletos de um lado e Montecchios de outro, viviam em constante guerra, do senhor ao menor dos servidores.’’

(Sinopse da obra,pag.25)

“...Duas casas,iguais em dignidade – na formosa Verona vos dirão – reativaram antiga inimizade,manchando mãos fraternas sangue irmão..’’

(Prólogo da Peça)

Neste erro trágico,eles são vítima do acaso desse amor, onde são trancafiados pelo ódio de suas famílias, sem poder revelar a todos o que sentiam, assumir o  amor deles e viver como um casal comum:

“.Do fatal seio desses dois rivais um par nasceu de amantes desditosos, em que sua sepultura o ódio dos pais despuseram,na morte venturosos..’’

(Prólogo da peça)

“Os lances desse amor fadado a morte e a obstinação dos pais sempre exaltados que teve fim naquela triste sorte em duas horas vereis representados...’’

(Prólogo da peça)

Tomando como base, o texto crítico de Rosenfeld, sobre o pensamento Renascentista de Shakespeare, há uma afirmação que o põe como seguidor de caracteres da Arte Poética de Aristóteles, no que diz respeito a organização dos fatos na peça e das ações, pois se afirma que sem ação não existe Tragédia. Ocorre que se descaracteriza do gênero trágico pelo desenrolar dos fatos cômicos, chegando ao ponto ápice desse trabalho, mostrando como acaba a comédia nessa peça.Com a leitura da obra vemos que na cena I do 3ºato a peça perde suas características cômicas junto com suas personagens representantes desse gênero, Mercúcio e a Ama, Não que esta desapareça,mas muda de atitude influindo em sua personalidade. Nessa cena ocorre o que se pode chamar de ironia trágica. Com a briga entre Mercúcio e Teobaldo há a quebra de toda a obra, a peça toma outro rumo, vemos aí o início verdadeiro dos momentos tristes da peça,já que ela perde sua personagem mais cômica, junto com suas conversas e palavrões.

Já quanto ao texto crítico de Frye sobre a peça, que caracteriza esta cena como terrível, Mercúcio meio que esnoba Romeu, esse se revolta e o desejo de vingança aflora em si, e Teobaldo é morto por Romeu tornando-se herói trágico da peça:

“Mas isto é uma tragédia: matando Teobaldo e vingando Mercúcio. Romeu irrevogavelmente se torna uma figura trágica.’’

(Texto críitico. Frye Northrop)

Personagem comediosa,a Ama, na peça que transforma-se em outra figura, assume outras características psicológicas e híndole, observa-se vozes dela que vê-se uma outra mulher agora sem escrúpulos morais, sem caráter, até mesmo religião. Antes apoiava Romeu e depois o desconjura, pede que castigos caiam sobre ele:

“Não há firmeza, não há fé, não há honradez nos    homens!Todos são perjuros, fingidos, iníquos, hipócritas...Que a vergonha caia sobre Romeu.’’

                                                                             (Romeu e Julieta – ato III cena II,)

Em determinado ponto ela se põe contra Julieta apoiando a traição no casamento, aconselhando-a a se casar com outro, estando casada com Romeu:

 

“Estando, portanto as coisas como estão, acredito que o mais conveniente é que vos caseis com o conde...e mesmo que não fosse, vosso primeiro esposo está morto.’’

(Romeu e Julieta – ato III  cena V,)

Notadamente tudo o que na peça havia de cômico, desapareceu desde o momento em que Mercúcio é morto por Teobaldo nos braços de Romeu. Não vemos mais Julieta como uma menina, sim uma mulher de opnião, seus pais se tornam ditadores e lhe impõem um casamento , Romeu toma atitudes de homem e sabe esperar pelo desenrolar dos fatos até o fim triste dos dois, que chega com a morte das principais personagens, que se tornaram trágicos sem culpa e com a paz estabelecida entre as duas famílias, celada com a construção de estátuas em memória dos mortos.

Talvez a obra faça essa fusão de gêneros, graças a maestria de Shakespeare ou no intuito de dar leveza a sua peça ou de criar um novo gênero que seria desenvolvido com o passar dos tempos. Romeu e Julieta é sem dúvida a melhor obra desse dramaturgo, levando-se em consideração a fusão de gêneros literários.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

WILLIAM, Shakespeare. Romeu e JulietaSão Paulo: Martin Claret2007.Tradução: Jean Melville .                                              

WILLIAM, Shakespeare. Romeu e JulietaFonte Digital, WWW.Jahr.org. Garcia,Nélson Jahr, 2002. Edicão: Ridendo Castigat Mores.

  

FRYE, Northrop. Romeu e Julieta,Texto Crítico.

 

ROSENFELD, Anatol. Shakespeare e o pensamento Renascentista,Texto Crítico.

BLOOM, Harold. The invention of the humam – Romeu and Juliet, Texto Crítico.

ARISTÓTELES, A arte retórica e a Arte poética.Rio de janeiro: Ediouro, 1969

Sites:

http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/tragedia_grega1.htm

https://pt.wikipedia.org/wiki/Amor

http://teatroguairaromeuejulieta.blogspot.com.br/2008/05/tragdi-escrit-por-william-shakespeare.html

https://www.agbook.com.br/book/144334--A_COMEDIA_NA_TRAGEDIA_DE_ROMEU_E_JULIETA