UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ – UVA

CENTRO DE FILOSOFIA, LETRAS E EDUCAÇÃO – CENFLE

CURSO DE LETRAS

DISCIPLINA: TÓPICOS DE LITERATURA CEARENSE

PROF: LÉO MACKELLENE

ALUNA: FRANCISCA JANILEYLA LOPES ABREU

 

 

ANÁLISE DA OBRA DONA GUIDINHA DO POÇO DE MANUEL DE OLIVEIRA PAIVA

 

             Dona Guidinha do Poço, obra de Manoel de Oliveira Paiva, pode ser considerada um dos importantes romances cearenses do século XIX. Ao investigarmos a referida obra chegaremos à conclusão de que o autor teve uma inspiração real, um caso bastante polêmico nesta época, onde uma poderosa fazendeira de Quixeramobim, chamada Marica Lessa, teve envolvimento em um crime passional, cuja mandante teria sido a mesma, resultando na morte de seu próprio marido. Esta história influenciou o autor a escrever sobre Dona Guidinha do Poço, narrando um amor proibido de uma mulher casada, envolto ao cenário regionalista, de sofrimento causado pela seca do nordeste. 

          O romance começa explicando o espaço onde se desenvolverá a narrativa, ato este de suma importância, assim logo nos clareia a dúvida pertinente ao título do livro, pois nas tentativas dos futuros leitores, de julgarem o livro pela capa, imaginam coisas absurdas em relação ao poço, porém, Margarida recebe o pseudônimo devido a Fazenda Poço da Moita, localizada em Quixeramobim.

          A protagonista é herdeira de muitos bens deixados pelo seu pai, Venceslau,que era capitão-mor,  para expor sobre isso, o autor faz  uma descrição extensa e bem detalhada dos bens, o mesmo tipo de descrição  acontece quando fala-se das festas que ocorrem na fazenda, o autor descreve até mesmo a letra das músicas,  contatamos assim, ser uma característica inerente ao momento  literário na época, o modernismo.

          Quanto à aparência de Guidinha, ele é descrita ao mais regional vocabulário cearense, conforme o cura de Russas, espécie de cupido, que arranjava namoros e casamentos: “-Feiosa,  baixa,  entroncada,  carrancuda  ao  menor  enfado,  disse  ele”.  (1981,p.4). Para a sociedade desse contexto histórico era surpreendente um casamento assim, pois a mesma casara aos 22 anos, já tinha passado do tempo de casar, conforme um trecho da obra: “ Aos catorze anos, quando as nossas meninas são feitas de amor e de susto.” Nos subentende então a idade em que as moças daquele século casavam-se bem jovens, constamos que Margarida era um tanto diferente.

          Outro relato nos aponta uma descrição marcante, notadamente, uma reflexão do autor em relação ao modo de ser da personagem, conforme Oliveira:“Margarida  era  muitíssimo  do  seu  sexo,  mas  das  que  são  pouco femininas,  pouco  mulheres,  pouco  damas,  e  muito  fêmeas.  Mas  aquilo  tinha  artes  do  Capiroto.”(1981, p.4). A maneira como que é feita a descrição do autor nos confunde quanto à personalidade de Guida, contudo, no decorrer da leitura, compreendemos melhor o que o mesmo quis dizer. A personalidade forte, a maneira espontânea de ser, possivelmente não era uma moça prendada, e sem tantos almejos femininos delegados as mulheres deste contexto histórico, faziam de Guidinha inadequada aos padrões da época. Então falar de um assassinato mandado por uma mulher, seria chocante. 

        Percebemos que o linguajar dos personagens varia um pouco o vocabulário, sendo todos bem carregados do sotaque nordestino, porém um detalhe nos chama a atenção, este também irá diversifica de acordo com a posição financeira, pois Guidinha, seu Marido e o pároco tem um forte falar nordestino, porém pronunciam até mesmo estas palavras de forma mais correta, enquanto alguns retirantes, vaqueiros e escravos falam bastante errado, cortando e comendo letras.  Conforme podemos observar nas falas de alguns personagens: “O vaqueiro pôs-se nas pontas dos pés: - Não sei,Inhora, não... Mas mode coisa que é gente de Pernambuco?”. (1981, p.8). Manuel caracteriza bem cada peça desse mistério, nos remetendo totalmente ao espaço e cultura do tempo em que a trama de desenvolveu.

           A riqueza de detalhes contida na obra de Oliveira Paiva é impressionante. As experiências de vida, o ambiente em que o narrador se encontrava, a fala característica dos personagens são devidamente colocados no decorrer da obra. As imagens do sertão cearense são apresentadas a partir dessa visão do narrador. Onde não apenas o falar, mas também os costumes, o vestuário, o meio ambiente são descritos com tamanha grandeza que é possível imaginar claramente como os fatos ocorreram.

 

         O sertão, como ele sentira, era um mundo à parte. O clima, as origensda população, a falta de contato direto com os centros civilizados (...), determinamuma cultura específica e consequente formação de uma mentalidade e vida próprias, com muito de rudimentar e arcaico; por isso, só com a vivência e o conhecimento do passado, pode-se chegar a uma compreensão larga e honesta desse mundo.(1967, p.32)

         Guidinha foi obrigada a casar-se com Joaquim Damião, pois já tinha 22 anos, como era de costume as jovens se casar com 14 anos mais ou menos, ela não teve escolha. Seu pai lhe arrumou um noivo mais velho e casou-a. Os dois foram morar numa fazenda herdada do pai, chamada “Poço da Moita”. Desse nome de fazenda provém o título da obra.

         Como Guidinha foi criada com muita liberdade, tinha características muito masculinas. Sua relação com o marido nunca foi das melhores, eles sempre tinham pontos de vista diferentes e ela impunha sempre sua vontade diante de qualquer situação.

          Depois de vários anos de casamento, chega a casa de Guidinha um sobrinho de seu marido, Secundino. Este jovem desperta uma paixão avassaladora na protagonista, sentimento que esta nunca havia sentido. Ao descobrir a relação da mulher com o sobrinho Joaquim propõe separação a Guidinha, esta não aceita e decide se vingar do marido matando-o com a ajuda do amante. O amante foge e Guidinha é presa por assassinato.

          A relação de Guidinha com os retirantes que buscavam abrigo em sua fazenda era muito boa, estes chegavam a sentir carinho por ela. Com quem ela não tinha boa relação era com o marido, discordavam em muitos pontos, mas Joaquim era bastante paciente, suportava tudo e parecia ter afeição a Guidinha. Ela talvez não sentisse carinho pelo marido, pois tinha casado por imposição do pai. Não teve tempo de conhecer e de gostar, ou chegar a amar o marido. Essa frustração afastou-a dele.

          A chegada do sobrinho de seu marido trouxe-lhe alegria de volta, ela se sentia feliz como nunca, apaixonada, essa paixão levou-a a cometer um crime, matar o marido, mesmo este estando disposto a se separar. Por orgulho e despeito do marido decide tirar sua vida.

          Apontada como a mandante do assassinato, de seu marido, ela é confinada na prisão, e, abandonada por todos.Dona Guidinha era filha única, o que já rompe com o modelo de família típica nordestina, em que a estrutura familiar consistia na sua base, por uma prole numerosa. A fazendeira poderosa amasiou-se com um sobrinho do marido, Senhorinho Pereira, e contratou o executante do crime contra seu consorte.Guida assumia sozinha, a responsabilidade de gerenciar seus recursos, administrar a fazenda e se fazer respeitar, pois, órfã de mãe, fora educada pelo pai, que não se lhe impunha qualquer traço de autoridade. Essa situação corrobora com a personalidade forte e autoritária que, desde sua infância, já se demonstrava:

Aos dez anos, achando que já não era para andar de ancas, pois já lhe gabavam à avó que parecia uma mocinha, obrigou o pai a mandar fazer-lhe um cilhão pequeno apropriado aos seus quadris. Aos quatorze anos, quando as nossas meninas são feitas de amor e de susto, Guidinha atravessou o impetuoso Curimataú, de margem a margem, só porque uma outra duvidou. (PAIVA, 2004, p.15-16)

            A palavra de ordem era sua e a última também. Fato este, que, não se restringia à casa, porém em toda a região onde o seu poder se propalava. Na vida política, religiosa e comunitária do lugar, respeitada e tímida, impunha sua autoridade, hábil de fazer e desfazer casamentos, mandar prender e mandar soltar, proteger e perseguir, tendo sempre a figura do marido subordinado de suas ações.

           Essa postura da personagem de conduzir as ações, no enredo, não se delimita apenas por uma mulher que quebrou com os ditames de sua época, contudo, existem traços de sua personalidade, revestido de atitudes masculinizadas por não possuir um modelo de feminilidade pertinente à figura da mulher desse período. Há então a chegada do sobrinho do Major Joaquim, Secundino, da qual D. Guidinha não para de mencionar o fato, que se instala no Poço de Moita e, posteriormente, tem uma relação extraconjugal com Dona Guidinha.

           Na narrativa Secundino é referenciado no Poço de Moita e na província como sobrinho de Dona Guidinha e não pelo grau de parentesco sanguíneo com Major Joaquim. Por sua vez, Secundino incorporou para si o parentesco e começou, também, a chamá-la de “tia Guidinha”. Todavia, Margarida não se agradara desse tratamento, “Margarida teve um sorriso insignificante. Um rapaz daqueles a chamar-lhe tia como se quisesse ir logo erguendo entre as boas liberdades dos sexos diferentes uma barreira de tédio!” (PAIVA, 2004, p.62).

            O motivo de tal descontentamento seria a relação tia-sobrinho que apresentaria um limite afetivo para a liberdade de gênero que, uma relação homem mulher pode ser representada sobre vários aspectos, sob a intencionalidade que cada parte pressupõe nessa inter-relação. A necessidade de identificação social é própria do ser humano e, principalmente, quando os laços sanguíneos e familiares são mais fortes.

            Entretanto, essa necessidade se legitima no aspecto da posição social que a protagonista detém. Então, podemos concluir, que Secundino e o Major Joaquim, ambos pertencentes ao gênero masculino, na constituição da identidade social, apresenta um afastamento tanto no gênero como no aspecto familiar, enfatizando a priori a marcação por alguém de gênero oposto, feminino, que não é evidenciado na obra como elemento inferiorizado.

            Secundino era somente sobrinho de alguém que não possuía posição social de agente, e dessa forma, a busca da identidade é muitas vezes manifestada por alguém que se vê inferiorizado, ou busca uma posição melhor do que está ou quer manter o que tem. Nesse caso, Secundino é apresentado no enredo como um foragido da justiça, acusado de assassinato, que chegou ao Poço de Moita com o propósito de se esconder e mudar de vida. Margarida apresentava traços comportamentais que remetem a um comportamento masculino. Isso indica que as representações de aspectos masculinos funcionam, assim, como uma demonstração de prova para se obter os benefícios disponíveis mantidos pelo regime de gênero aos que eles fizerem se valer, conseguinte, quando se trata de segmentos desfavorecidos, nesse caso, em relação à economia de poder simbólico social.

           O tempo cronológico, convencional e linear, com discretos flashbacks, é altamente marcado, em dias, meses e até, por vezes, horas. Uma precisão, a mais óbvia, é, no entanto, insidiosamente escamoteada: o ano dos acontecimentos. Sabe-se que Guida era pequena na seca de 25: “...em 25, ela era ainda pequenota...” (p. 56), e que tem, no momento da narrativa, mais de 30 anos. Essa inesperada imprecisão aponta para um desdobramento temporal entre o enunciado e o narrado: na verdade, a história de Guida pertence ao passado, é um “causo”, contado em outro momento.

          Além disso, o tempo psicológico soma-se um tempo cósmico, cíclico, marcado pelas estações. Enfim, tempo social, ritual, marcado pelas festas, eventos e casamentos, aniversários, comemorações no plano familiar; missas e festas de santos, feiras e vaquejadas, profano e eleições. O presente é o tempo da Queda, do pecado e o futuro, incerto. O tempo da ruptura, a morte.

          Por fim, ao tempo cronológico, exterior e ao tempo psicológico, interior, soma-se um tempo cósmico, cíclico, marcado pelas estações. Tempo cósmico, que é o tempo real do sertão e também o do mito e que, como as outras dimensões, dilui-se no final.

 
 

 

 

REFERÊNCIAS

 

PAIVA, Manuel de Oliveira. Dona Guidinha do Poço. São Paulo : Ática, 1981.

FEITOSA, M. Célia. Dona Guidinha: o poço dos desejos. 2006, 115p. Tese( Mestrado em literatura brasileira), Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2006.

ROCHA, Elisangela Aparecida da.Identidade cultural do sertão em Dona Guidinha do Poço. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 321-329.