FACULDADE LUCIANO FEIJÃO
 PSICOLOGIA 2021.1

EUGÊNIO SABOYA DIAS LOPES[1] 

DO SUJEITO EM CRISE A CRISE DO SUJEITO: A MUDANCA DE PARADIGMA NA SOCIEDADE MODERNA 

RESUMO

Este artigo tem a pretensão de entender como as mudanças sociais, transforma um sujeito, que antes era cheio de certezas e de crenças solidas. E traz a crise ao sujeito, que frente a um mundo moderno em que tais certezas se desmancham no ar, este mundo que exige a velocidade e traz muitas incertezas, acaba gerando um mal-estar na civilização. 

Palavras chaves: sociedade, mal-estar, crise, sujeito 

ABSTRACT 

This paper is supposed to understand how social changes transform a subject, who was once full of certainties and solid beliefs. And it brings the crisis to the subject, who facing a modern world in which such certainties break down in the air, this world that demands speed and brings many uncertainties, ends up generating a malaise in civilization. 

Key words: society, malaise, crisis, subject 

Introdução

O mundo moderno trouxe muitas mudanças, o sujeito moderno já não é mais o mesmo. Traz consigo mudanças, não só no modo de vida, mas também em suas crenças e ideologias. Tentar entender estas mudanças é o ponto central deste artigo, para a melhor compreensão do que chamamos aqui de um sujeito em crise.

Para Byung-Chul Han (2010), vivemos um momento de ruptura, de uma sociedade que trazia a disciplina como base, feitos por “sujeitos da obediência”, submissos a hierarquia e as ordens de patrões e supervisores, que se submetiam a trabalhos repetitivos em uma sociedade dominada pela regulação, padronização e a proibição, carregada de negatividade.  A mudança de paradigma para uma “sociedade do desempenho” que no lugar da proibição traz o mandamento, a lei, o projeto, a iniciativa e a motivação, a positividade de um suposto poder que traz o sujeito a crença de que pode tudo, basta ser mais rápido e produtivo.

Estas mudanças não trouxeram mudanças apenas nas formas de produção, mas também na subjetividade de um sujeito moderno, e junto traz mudanças não só na forma de viver como também de pensar.

 

OBJETIVO

O objetivo deste trabalho e fazer um traçado histórico dentro da idade moderna, para tentarmos entender como as mudanças sociais se deram, e de que forma afetou o sujeito moderno. Tal entendimento e necessário para que se compreenda os anseios, e como estes são formados no sujeito moderno.

 

Metodologia

A pesquisa se deu de forma totalmente bibliográfica, nos preocupamos por entender quem é este sujeito sempre em crise, a partir dos estudos de Berman (2007), Bauman (2001), Hall (2006) e Freud (2011).

 

Modernidade e “crise do sujeito”

As mudanças ocorridas em mais de 500 anos de Idade Moderna desenvolveram uma história e uma variedade de tradições próprias. Ser moderno segundo Berman (2007), é estar em um ambiente de possibilidades, de aventura, poder, alegria, crescimento e transformação, e, ao mesmo tempo na possibilidade de destruição de tudo o que somos, sabemos e temos. Este universo da vida moderna é sustentado por diversos motores: a industrialização, as descobertas científicas, a criação e destruição de ambientes humanos, a explosão demográfica, o aumento no ritmo de vida, o aumento do poder dos estados nacionais e, ao mesmo tempo, de movimentos sociais buscando algum controle de suas vidas.

Berman (2007) divide a modernidade em três fases: a primeira fase, do século XVI até o século XVIII, é o início da vida moderna, quando as pessoas, segundo ele, não se entendem e nem se nomeiam como “modernas”. É quando as pessoas começam a experimentar a vida moderna, mesmo sem ter ideia disso. Na segunda fase, dão-se início as grandes ondas revolucionárias: em 1789, a Revolução Francesa e suas consequências; em 1791, a Revolução Haitiana; em 1776, a Revolução Americana na busca por sua independência; e até a revolução frustrada no Brasil, em 1789; revoluções em todos os âmbitos sociais, políticos e econômicos. Desdobra-se daí a ideia de um modernismo convivendo ainda com um antigo mundo.

No século XX, dá se início a terceira fase da modernidade, segundo Berman (2007), um processo que se expande a nível mundial, na cultura do modernismo, no globalismo, que atinge a arte e o pensamento. Foi o século em que mais se produziu, na pintura, na escultura, na literatura, no design, e em todo um setor das mídias eletrônicas e de produção de conhecimento científico, inclusive em algumas áreas que não existiam no século anterior. Com o crescimento do conhecimento científico, novos tipos de ciências crescem vertiginosamente, como as ciências da computação e o desenvolvimento do computador pessoal.

As mudanças sociais vividas na modernidade, na liberdade dos sujeitos, na mudança de seus apoios baseados nas tradições e nas estruturas sociais relativamente fixas dos regimes sociopolíticos pré-modernos, divinamente impostas, sem possibilidade de mudanças, geraram um indivíduo fragmentado e diverso, a que Bauman (2001) vai chamar de indivíduo “líquido”. Antes o indivíduo era soberano. No modernismo, suas identidades se dividem com os movimentos sociais, com a Reforma Protestante da Igreja, o humanismo renascentista, o iluminismo, o pensamento cartesiano, o empirismo de John Locke, o marxismo, a psicanálise, o capitalismo moderno, o estruturalismo linguístico de Ferdinand de Saussure, o pensamento Focaultiano e o feminismo. (HALL, 2006)

O sociólogo Stuart Hall (2006) teorizou sobre essa fragmentação da identidade do sujeito moderno, um sujeito em “crise de identidade” próprio dessa modernidade tardia, que se dá pelo enfraquecimento de referências que, antes, eram tidas como sólidas, como a religião, as instituições sociais ou a base de um sujeito centrado na razão. Hall divide o sujeito em três, para melhor expor sua tese. O primeiro ele vai chamar de “sujeito do iluminismo”, essencialmente individualista e masculino (HALL, 2006); o segundo é o sujeito sociológico, baseado na vida privada e pública, centrado na interação do “eu” com o “social”, o “interior” e o “exterior”, mantendo o domínio de uma identidade “costurada”, um sujeito que tanto se preocupa com sua vida privada como com sua vida em sociedade (HALL, 2006, p. 11); o terceiro é o sujeito pós-moderno, que, segundo ele, não permanece com uma identidade sólida. Antes voltada para sua individualidade, a identidade deste sujeito passa a ser fragmentada, dividida, muitas vezes não resolvida e até contraditória.

Enquanto Berman (2007) divide a modernidade em três fases, Bauman (2001) a divide em “modernidade sólida” e “modernidade líquida”. Para Bauman, a modernidade sólida foi marcada pela dureza e a regulação. Um mundo cheio de certezas, com normas, regras e de instituições sociais mais ou menos fixas, uma época de crescimento industrial onde a produção e o acúmulo eram metas. Na modernidade líquida, estas certezas se diluem, se liquefazem, pondo-se na antítese do que é sólido; é um período de incertezas onde as novas tecnologias encurtaram as distâncias e diminuíram o tempo das relações humanas, o que impactou de forma profunda a forma como este indivíduo contemporâneo passou a se ver e a ver o outro.

Sem solidez, a busca por uma identidade também se tornou fluida, o consumo de mercadorias acabou se tornando o pilar desta identidade, a indústria, que produz mercadorias e não tem a intenção de parar, acaba transformando a busca por uma identidade (agora líquida) frenética, e tudo o mais se torna efêmero. A meta, que orientou toda a organização social e a condição mental da modernidade sólida, passa a ser não mais um lugar fixo onde se queira chegar, mas o próprio processo da busca, sem fluida, nunca fixando-se numa identidade essencial. O indivíduo passa a não poder adotar uma identidade.  

As transformações do “capitalismo pesado” para o “capitalismo leve”, reduziram as ideias de sociedades perfeitas em comunidades, condomínios, espaços pequenos, vizinhanças com regras de convivência, administradas e vigiadas. A ideia de “sociedade perfeita” virou projeto de marketing, que almeja vender a sensação de um lugar seguro, cada vez mais exclusivos a círculos restritos. Assim como as sociedades utópicas, nestas comunidades, não há espaço para os sem uso ou sem utilidade. O desocupado é o novo mau caráter, o vagabundo, o pichador. A nova paranoia não é mais uma bruxa, um comunista, uma agência do governo, mas sim um assaltante. O “medo líquido” se constitui em um medo existencial, uma insegurança inculcada socialmente, ele mantém a sensação de medo em determinados lugares e horários e o terror de ser assaltado. Os tipos sociais são os novos inimigos, são pessoas que estão em lugares, que supostamente não deveriam estar, são os sem teto, mendigos que dormem na porta do banco, pedintes famintos em restaurantes de luxo. Aqui o caráter imaginário do medo do outro, de uma fobia social, o “sujeito em crise”

O sujeito do “capitalismo pesado”, tinha a necessidade e confiava na regulação, na administração para tomarem as decisões necessárias da sociedade, da associação do bairro e até da própria família. O sujeito do “capitalismo leve”, da modernidade liquida, se veem como o único responsável por diversas tarefas, mas eles nem mesmo sabem como tomar tais decisões sobre suas próprias vidas.

Este sujeito em crise, que já não tem mais referenciais nem objetivos traçados, carrega em si uma obsessão por valores. E os atos do capitalismo, que antes eram medidos pela eficiência frente a um resultado, hoje são o foco da ação e os fins se tornam objetivos de agonia e ansiedade. Este sujeito assim como seus objetivos também não tem estabelecido quem será até o fim da vida. O sujeito na modernidade liquida é mutante, e a tarefa de torna-se alguém acaba sendo um trabalho nunca concluído: ele nunca é, está sempre.

 

O sujeito em crise na modernidade

Para Simmel (1987), a modernidade é quando a economia monetária se torna intrinsicamente ligada à base psicológica do que ele chamou de “sujeito metropolitano”. Segundo ele, a variedade da troca econômica obriga o sujeito a lidar cotidianamente com cálculos e com a necessidade de precisão. Isso se expande sobre todas as relações humanas, que, por isso mesmo, se tornam muito mais racionais e objetivas. Com o tempo, o próprio homem se converte em número. A mente moderna se torna mais e mais calculista. O homem tende cada vez mais a tomar decisões mais baseadas na sua racionalidade e na sua individualidade que n’algum sentimentalismo ou senso de coletividade. Esta condição promove muita impessoalidade, gerando um fenômeno psíquico que Simmel nomeia como “atitude blasé”.

É um sentimento de ruptura, que se dá pelo excesso de estímulos próprios das metrópoles, dos grandes conglomerados urbanos, gerando uma quebra completa de interesse no indivíduo pela realidade que o circunda. Ele se torna indiferente não somente aos excessos da cidade, sua poluição sonora, visual, residual, mas indiferente também às realidades sociais que o rodeiam. No homem metropolitano, segundo Simmel, os significados e os valores das coisas se perdem. O homem metropolitano – ou “moderno”, como prefere Berman (2007) − contrasta com o homem rural, que segue uma vida de ritmo ameno. No campo, as pequenas populações permitem a construção de relações sociais que comportam melhor os sentimentos. Aqui, as emoções são enraizadas no inconsciente e crescem seguindo o ritmo lento da vida campesina.

Não obstante as mudanças sociais que caracterizam a modernidade descritas por Bauman (2001) e o excesso de estímulos que caracterizam o “sujeito metropolitano” descrito por Simmel (1987), Freud (2019[1929]), em seu O mal-estar na civilização, ressalta o papel da cultura no desenvolvimento desse “sujeito sempre em crise”. Para ele, todo sujeito aspira à felicidade. O funcionamento do psiquismo seria, assim, governado desde sua origem pela busca pelo prazer, mas, essa busca, ainda segundo Freud, seria travada por tabus e ideais impostos pela sociedade. A busca do prazer − que antes era renunciado em nome da coletividade, em nome de uma moral sexual, por exemplo, da estabilidade financeira e da família – na modernidade, dá-se muito mais no âmbito individual.

O mal-estar, assim, não estaria nas repressões, mas sim nas possibilidades. O sofrimento não seria por se ter que fazer uma escolha, e sim por se deixar de fazer as outras. Com a atenção focada naquilo que não se escolheu (sempre mais numeroso que a única opção escolhida), a busca pelo prazer se torna insaciável, assim como a necessidade de satisfação imediata desse desejo.

Freud (2011) nos diz que nossas identidades, a sexualidade e a estrutura de nossos desejos são atravessadas pelo inconsciente, funcionando a partir daí, uma “lógica” muito diferente da Razão, indo contra a ideia cartesiana do “penso, logo existo”. A formação do eu se daria, então, ao longo de um tempo, sempre havendo uma concepção de algo “imaginário” ou fantasiado sobre identidade unificada de um pretenso “eu”, permanecendo, este, sempre incompleto, sempre em formação (HALL,2006), isto é, um sujeito sempre em crise

 Hall (2006) explica que, a partir de Freud, a identidade pretensamente unificada do “eu” se fragmenta. Para Freud (2011[1900]), não é o consciente, mas o inconsciente o responsável pela constituição genuína da subjetividade. Este inconsciente, porém, não pode ser visto ou examinado. Por isso, são bastante questionados. Onde se manifesta esse inconsciente? Além de noutras manifestações humanas, na arte. Esta busca por prazer na sua forma mais pura pode acabar se dando de forma violenta ou mesmo autodestrutiva. Sublimar seria o mecanismo encontrado pelo inconsciente para transformar esta busca em algo socialmente aceito. É a arte, portanto, que se torna via privilegiada de acesso ao inconsciente. O que não for dito e elaborado, recalca e adoece o sujeito. O que for dito (ainda que pintado) pode vir a ser arte.

 

Conclusões finais

O entendimento da subjetividade humana e muito mais extenso e complexo que este pequeno traçado histórico pode nos revelar, porém a história mostra como os diversos avanços da sociedade nestes 500 anos, transformaram uma sociedade cheias de certezas e crenças solidas, frente as grandes transformações cientificas e de movimentos sociais.

Levam o sujeito que antes vivia no campo e vivendo da agricultura, vivendo uma vida mais contemplativa e “lenta”. Passam a viver em grandes cidades industrializadas onde a vida exige uma “pressa” uma vida mais rápida com o grande proposito de produzir mais rápido e em grandes quantidades.

Tais mudanças enfraqueceram e transforma o modo de pensar e agir do sujeito moderno, criando um sujeito em crise que antes tinha certeza e crenças solidas, já não tem mais as mesmas, gerando um mal-estar devido a fragmentação do sujeito moderno.

 

Referências

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar. [S.l.]: Companhia de Bolso; Edição de bolso, 2007.

FREUD, S. Arte, literatura e os artistas. In: FREUD, S. O Moisés de Michelangelo. Rio de Janeiro: Autentica, 1914. p. 183-220.

HALL, S. A identidade cultural na pós modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

HAN, B.-C. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2010.

 

 

 

 

[1] Graduando em psicologia na Faculdade Luciano Feijão (FLF). E-mail: [email protected]