- As carpas? Não sei. Sento-me nesse banco e jogo miolo de pão para elas.

- Elas...- ruminou o sujeito, que acaba de sentar ao meu lado – quem lhe garante que as carpas não são “macho”? Os desavisados, ao olharem para um pasto com gado de corte, referem-se aos bois como vacas, percebe? Há uma distinção. O mesmo se dá com os bezerros, assim são chamados, mas nem todos são machos.

- De fato, pensando por esse lado...os elevadores, por exemplo, são todos machos.

- Verdade. Os disquetes também.

- Ninguém usa mais disquete.

- O que não invalida a questão – argumentou.

Incrível, o que se filosofa depois do natal.

- As vitrolas são fêmeas – disse eu – as moviolas e as carruagens também.

- Ninguém mais usa – refletiu o sujeito, com o olhar perdido no horizonte. Daí, como um relâmpago, afiançou:

- O horizonte é macho.

- Vero. Mas a paisagem é fêmea.

- Existem horizontes sem paisagem, e paisagens sem horizontes.

- Vero – repeti – tipo aquelas paisagens nos apartamentos, um monte de plantas no terraço.

- Apartamentos são machos – disse ele – eu tenho um. Com terraço.

- Viadutos também são machos – assegurei-lhe.

- Janelas são fêmeas.

- Como a televisão.

- Que não deixa de ser uma espécie de janela – explicou.

Joguei mais miolo de pão para as carpas.

- Rádios são machos – volveu o sujeito – muito machos. Sem imagens, lhe despertam a imaginação.

- Duas fêmeas.

- ?

- A imagem, e a imaginação – expliquei.

- O amigo tem razão. Mas no caso do rádio, elas entram pelo ouvido, que é macho, e saem pela boca, que é fêmea. 

Quietude.

- Razão é fêmea... – soltou ele, quase com um ponto de interrogação.

Calei. Profunda questão.

- Repare...- apontou o sujeito – é quase noite. A lua desponta.

Lá em cima no céu, um fiapo de lua.

- Crescente – asseverei – crescente é macho.

- Justo. Minguante também. Por causa desses temporais, estamos sem luz lá em casa.

- Luz é fêmea – garanti-lhe, posto que, agora, tornara-se irrefreável.

- Como a minha mulher e as minhas filhas – disse o homem – que foram para a minha sogra, pois não queriam ficar à luz de velas. Essa praça fica iluminada até que horas?

- Até às dez.

- Eu trouxe um baralho.

- Baralho é macho.

- Pois. Queres jogar? Você não me parece muito atarefado.

- Não mesmo – assenti – o que vamos jogar?

- Tranca.

- Tranca é fêmea.

Lá pelas tantas, saciados pela tranca e pelas suntuosas reflexões, ele indagou:

- Afinal, do que elas gostam?

- Não sei. Acho que de miolo de pão.

- Miolo de pão é macho – atestou.

- Pois.

- Mas eu não estava me referindo às carpas – disse o sujeito.

- E nem eu me atrevendo a cogitar a resposta.

Paramos um segundo e dissemos ao mesmo tempo:

- Resposta é fêmea!

Depois nos despedimos, cientes de que isso não iria ter fim.

(Fim é macho).