DO ATELIÊ DE DURVAL À
VITRINE DE BIÁ

Edevânio Francisconi Arceno

Prof. Diego Finder Machado

Literatura, Memória e Sociedade.

Curso de Pós-Graduação em História Cultural – AUPEX

24/09/09

O que fabrica um historiador? É a pergunta que norteia o trabalho do historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior. Quando Michel de Certeau fez o mesmo questionamento, obviamente estava tentando passar a visão de que o historiador é um construtor, alguém que cria a partir de algo, pois toda construção surgi a partir de algo, enquanto Marx diz que a própria História é a máquina de construção, ao historiador cabe apenas o papel de engrenagem. Independentemente da forma, sendo máquina, agindo como força motriz ou produto resultante desta força, a História tem um papel social significativo, pois ela explícita esta e muitas outras divergências que movem o mundo. Diante disto, o historiador Durval, compara o trabalho de historiador a de um tecelão, por se tratar de uma construção delicada, complexa e minuciosa de agregar fragmentos através dos pontos, formando uma costura sempre buscando a forma desejada.

Uma visão linda e poética, porém gostaríamos de lembrar com que intenção Penélope tecia o seu infindável enxoval, ela aguardava a volta de seu Ulisses. Sempre há uma intenção, uma força motriz por trás de cada História. Independente de como o historiador é chamado ou comparado através do tempo, desde histor até tecelão, seus serviços sempre foram, são e serão contratados por alguém, e ninguém contrata um tecelão para fazer um suéter e se satisfaz com um cachecol.

Partindo da visão de Albuquerque, de que o historiador é um tecelão dos tempos, visitamos uma malharia e encontramos os mais variados tipos de máquinas de tecelagem, que vão sendo destinadas a cada tipo de tecelão. O primeiro nível, ou seja, os tecelões inexperientes que estão em fase de aprendizagem, são colocados nas máquinas manuais, ou seja, esta máquina vai respeitar a velocidade e perícia de seu operador, assim não terá nenhum motivo para apressar a troca dos fios, e terá tempo e tranqüilidade para a manutenção das agulhas na troca do ponto. Com um pouco mais de experiência este tecelão será colocado na máquina conhecida como pica-pau, ou seja, é manual e também automatizada, quando o operador sentir-se preparado para as trocas imediatas ele optará pela segunda opção. Quando este tecelão adquirir mais experiência e tiver domínio na manutenção das agulhas, (Fundamentação Teórica) e conhecimento sobre os diferentes pontos, (Conversar com as Fontes), ele estará preparado para outra máquina totalmente automática, porém mesmo com todo este conhecimento adquirido através da prática, ainda assim estará apenas prestando um serviço a alguém, que só será comprado se agradar o cliente.

Existem também os tecelões que trabalham por conta própria. Aquele que se coloca diante de uma cesta cheia de documentos, de relatos, de imagens, de escritos, de narrativas, de variadas cores e tonalidades e depois acha o famoso fio da meada, então vai tecendo e quando percebe seu produto está pronto. Ele olha e diz que obra linda eu criei, com certeza ganharei um bom dinheiro com ela! Então começa a ofertá-la, derrepente nota que todos a sua volta têm uma obra similar e por causa disto resolve ir para outro contexto, pois só assim darão valor no seu trabalho. Quando chega lá, vê outros milhares de tecelões que tiveram a mesma idéia e se vê como os redeiros nordestinos, que abandonaram suas casas para vender redes nas praias do Sul, chegando, observam que existem muitos outros vendedores de rede. Em virtude disto começa oferecendo sua arte por um determinado preço e acaba vendendo por menos da metade do valor. Observem que até o dono do ateliê reconhece esta dificuldade:

Mas quero chamar atenção para o fato de que, o historiador, tal como o artesão, o produtor direto, realiza, quase sempre, uma troca bastante desigual quando seu produto é colocado a venda. O texto do historiador, como o objeto fabricado pelo artesão, exige muitas horas de trabalho, é um produto que exige um trabalho extensivo, mas que será adquirido por preços que estão muito longe de corresponder ao tempo gasto para sua produção. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, p.10)

Não importa como o historiador se sente, um tecelão efeminado, um ferreiro solitário, jardineiro escolhido por Deus, uma carpideira saudosa, um carpinteiro do tempo, como um padeiro de sonhos ou mestre cuca do pirão de gente, sempre estará a serviço de alguém, farão tudo que o mestre mandar.

Não gostaríamos de deixar uma imagem pessimista da função de historiador, até porque ser historiador é muito nobre, e a presença deste funcionário é imprescindível à Sociedade. Isto mesmo Funcionário! Claro que existem entre os milhares de funcionários, aqueles que se destacam e podem ser tecelões ou até mesmo mestres da alta costura. O próprio Durval, caminha nesta direção, porém sabe que para ser um dos grandes, tais como: Heródoto, Tácito, Maquiavel, Petrarca, Carr, Bloch, tem que vender muita rede!

É possível deixar de ser um funcionário e ser um tecelão? Sim, porém para isto você terá primeiramente que participar da semana da moda, "Antonio Biá-Fashion Week". Nome herdado do grande mestre da alta costura que soube valorizar a História e o papel do historiador. Deixou de ser um singelo personagem, do pequeno vilarejo de Javé, deixando para trás seu ínfimo emprego, para se tornar um dos maiores mestres da alta costura historicista mundial, um verdadeiro tecelão, que tecia o que achasse valer a pena ser tecido. Negou-se a ser um funcionário, que tecia apenas o que os Mestres mandavam.

Quem deseja tecer como Homero, Heródoto, Tácito e outros, têm que sair do Ateliê de Durval e seguir uma longa estrada até chegar a Vitrine de Biá. Muitos não chegarão, serão sempre funcionários, mas com certeza a caminhada será histórica!

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. O Tecelão dos Tempos:

O Historiador como artesão das temporalidades. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/ppgh/docentes/durval/artigos/o_tecelao_dos_tempos.pdf Acesso em : 21/09/09.

NARRADORES de Javé. Direção: Eliane Caffé. Produção: Vânia Catani. Roteiro: Luis Alberto de Abreu e Eliane Caffé. Interpretes: José Dumont, Matheus Nachtergaele, Gero Camilo, Nelson Dantas e outros. Rio de Janeiro. Estúdio: Bananeira Filmes / Gullane Filmes / Laterit Productions. 2003. Fita VHS (100min.), son, color.