Do antigo ao novo desenvolvimento da América latina

A partir dos anos 50, os Estados latinos adotaram o nacional-desenvolvimentismo. Na década de 80, com crises de dívidas externas e alta inflação, essa estratégia precisou se redefinir. Começa o Consenso de Washington.

 O Consenso trouxe ortodoxia. Baseou-se no crescimento da poupança externa, em altas taxas de juros e em taxas de câmbio sobrevalorizadas. Uma estratégia que fracassou, como provam as crises dos anos 90 na Argentina, Brasil e México. Houveram problemas nos balanços de pagamentos e, sobretudo, nas dificuldades da população em relação a emprego e renda.

 Então, desde os anos 200, os latinos buscam uma nova política de desenvolvimento. Ocorreram eleições de partidos de centro-esquerda. Porém, não há uma definição clara até o momento de qual seria essa política que substituirá a ortodoxia.

 Nos anos 50, na primeira leva desenvolvimentista, o caminho dos países era realizar acumulação primitiva e criar uma classe capitalista. Depois, com o apoio de um Governo industrializante para completar a modernização. Por fim, iniciar uma fase consistente de crescimento, a partir de instituições consolidadas. Alguns conseguiram se aproximar dessa terceira vez. Outros, não conseguiram nem a acumulação necessária.

 Definir qual política a América Latina seguirá dependerá do estágio de desenvolvimento que esse país se encontra.

 A necessidade de estratégias nacionais de desenvolvimento

 Estratégia de desenvolvimento é um conjunto de valores, ideiais, leis e políticas voltadas para o crescimento de oportunidades que levam os empresários a investir. Não é um projeto ou plano nacional de desenvolvimento, por não ser formalizado em algum documento. Mas é mais abrangente, por inserir quase toda a sociedade e pressupor uma espécie de consenso. Sua liderança cabe ao Governo e setores líderes da sociedade civil. O impulso cabe aos instrumentos do Estado.

 Todos os países precisaram de uma estratégia de desenvolvimento para iniciar as suas revoluções industriais e prosseguir no crescimento. Os que tiveram desenvolvimento tardio, como Alemanha e Japão, tiveram sucesso após implantarem um plano ou estratégia nacional para esse objetivo.

 Ex-colônias, como o Brasil, também traçaram estratégias, mas com resultados não tão satisfatórios. Os obstáculos para esses países era a própria dependência das antigas metrópoles e de outras potências. Quem formulou o estruturalismo latino-americano descrevia que nesses países havia o embate, que durou até a década de 30, entre uma elite progressista, associada à industrialização, e outra conservadora, que defendia a manutenção do modelo agrário-exportador.

 Nacional-desenvolvimentismo e estruturalismo

 Brasil e praticamente todo o continente cresceram muito entre 1930 e 1970. O processo foi fruto da fragilidade no entre guerras dos grandes centros econômicos e a política de substituição de importações, que protegia a indústria local, lhe garantindo o mercado interno. Cabia ao Estado os investimentos em infraestrutura e indústrias de base, como siderurgias. Uma estratégia que ficou conhecida como nacional-desenvolvimentismo.

 Pela estratégia, empresários, industriais, trabalhadores, classe média, todos buscavam melhor inserir o país no âmbito capitalista, tendo como Estado como capitão das ações, o principal instrumento. O estadista símbolo e pioneiro dessa política foi Getúlio Vargas. 

  O conceito foi cunhado por economistas e cientistas sociais que formaram a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), em Santiago, e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), no Rio de Janeiro. Eles criticavam a relação centro-periferia que os países latinos estavam submetidos no comércio internacional. Com influência de Marx, Kalecki, Smith, Keynes, criaram a escola estruturalista latino-americana. Defendiam não só a contínua substituição de importações, mas a criação  e fortalecimento de bancos estatais para desenvolvimento e empresas públicas para alavancar setores de produção. Sofreu oposição dos economistas neoclássicos.

A falência do nacional-desenvolvimentismo

 

                O modelo começou a enfraquecer na década de 60. Foi só na década de 80, no entanto, com a dívida externa levando os latinos à exaustão e a crescente onde neoliberal pelo mundo.

               

O fato é que muitos dos países já tinham atingido um grau de industrialização que, para continuar crescendo, deveriam passar a competir internacionalmente com as empresas dos grandes centros. E muitos setores não poderiam enfrentar essa competição por só terem sobrevivido com a proteção do Estado. Não tinham escala para aumentar a oferta além dos seus países. A condição econômica dessas agentes, portanto, era distorcida.

               

Depois da fase da substituição concluída, e não tendo como avançar internamente, as empresas protegidas passaram apenas a aumentar a remuneração de seus detentores, criando uma elite cada vez mais rica e um solidificando o quadro de desigualdade social. Criou-se um setor de luxo para atende-los, num movimento batizado de “subdesenvolvimento industrial”.

A interpretação da dependência também contribuiu para o enfraquecimento do nacional-desenvolvimentismo. Intelectuais de esquerda não reconheciam nacionalismo nos movimentos empresariais e burocráticos que promoveram a série de golpes militares no continente, com o argumento de proteção ao avanço da revolução comunista, iniciada em Cuba. Trabalhos como a de Fernando Henrique, no livro Desenvolvimento e Dependência da América latina, rejeitavam o surgimento de uma burguesia com ideias e propostas nacionais, apenas consonantes aos interesses individuais, de enriquecimento. Essa crítica teve êxito.

Com relação à dívida externa, ele prejudicou os latinos no sentindo de tirar-lhes a possibilidade de poupança externa, um dos motores para o nacional-desenvolvimentismo. A alta inflação, no Brasil devido à indexação da economia, mitigou a popularidade dos Governos. Políticas para o desenvolvimento passaram a serem entendidas como populistas ou irresponsáveis com o dinheiro público.

Outro fator relevante para a crise do nacional-desenvolvimentismo, sobretudo no Brasil, está no pensamento liberal de uma nova geração de economistas, que puderam se especializar em universidades americanas. O pensamento neoclássico passou a ser dominante entre os jovens gestores que conduziriam ou influenciariam o Governo e as empresas do país.

De fato, a hegemonia do pensamento neoliberal se estabeleceu após a ruína da União Soviética, cujo símbolo foi a queda do muro de Berlim, em 1989. Foi a vitória do capitalismo sobre o estatismo.

Ortodoxia convencional

 

                Em substituição ao desenvolvimentismo, a proposta dos EUA aos latinos eram as políticas mais ortodoxas, com base na liberalização financeira. Foi o chamado Consenso de Washington, que trouxe resultados ruins.

A principal consequência foi o baixo crescimento econômico nas década de 80 e 90 entre os países que o adotaram. Em comparação, países asiáticos que tinham um modelo mais desenvolvimentista, como China, Índia e Indonésia, conseguiram, no mesmo período, avanços consideráveis no PIB. Segundo Bresser, a ortodoxia convencional traz promessas de prosperidade, mas acaba beneficiando apenas os países ricos, pois inibe a capacidade de competição dos emergentes.

Essa política pode ser dividida em quatro pontos: reformas microeconômicas para a implantação do livre mercado; controle da inflação; taxas de juros altas; taxa de câmbio apreciada, já que a moeda estrangeira mais forte garante vantagens na obtenção da poupança externa. Acabou levando os países a crises no balanço de pagamentos.

Novo desenvolvimentismo

 

                Os maus resultados do Consenso de Washington fortaleceram partidos políticos de esquerda, que defendiam um projeto de desenvolvimento econômico com o Estado mais ativo, uma proposta mais keynesiana. Muitos chegaram ao poder. O conjunto de novas estratégias econômicas adotadas por eles foi chamada de “novo desenvolvimento”.

                A base dessa nova macroeconomia, diferente do nacional-desenvolvimentismo e oposta ao neoliberalismo, é o exemplo asiático. A principal medida seria o controle da taxa de câmbio. Sem controle, há apreciação do câmbio, o que acaba prejudicando o balanço das contas correntes, endividando os países e, quando a situação fica insustentável, os credores internacionais interrompem a remessa de dividendos e a poupança externa, tida como motor do crescimento, não existirá mais.

O antigo e novo desenvolvimentismo

 

                O novo desenvolvimentismo não é protecionista como o primeiro. A indústria já está mais madura para esse tipo de defesa. O foco agora é uma taxa de câmbio competitiva. A ideia por trás é fugir da doença holandesa, que atinge os países com vantagem relativa na venda de produtos com baixo valor agregado. A apreciação do câmbio pela conta corrente inibe investimentos em tecnologia industrial. 

Um dos erros cometidos na fase de substituição de importações foi não apostar no comércio internacional para o crescimento das indústrias externas de produtos médios, como fizeram Coréia e Taiwan. No novo, há ênfase em um mercado interno forte, mas conjugado com a força das exportações.

O novo modelo também vê o Estado como estimulador do investimento, não o principal investidor. Uma forma de estímulo seria o controle rigoroso da inflação. Há uma rejeição da tese neoliberal de que não se usa recursos do Governo. Pelo contrário, caberia ao Estado incentivar a poupança externa e até escolher setor estratégicos para investimentos, desde que não haja interesse  da iniciativa privada em fazê-lo. Apoia a política industrial, mas rejeita o papel de protagonista, como no desenvolvimentismo da década de 50.

O novo desenvolvimentismo ainda rejeita a noção de crescimento baseado principalmente na demanda e no endividamento público. Defende o equilíbrio fiscal, com dívidas pequenas e prazos longos de pagamento.

O novo desenvolvimentismo e a ortodoxia convencional

 

                Bresser diz que a ortodoxia ainda é regra para a América Latina em relação à macroeconomia. A ortodoxia deriva do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, subordinados ao Tesouro dos Estados Unidos, e de Nova York, sede dos maiores bancos privados do mundo. Desde os anos 80, tem sido identificada com o Consenso de Washington. É a ideologia do mercado contra o Estado, como se as duas instituições vivessem um jogo de soma zero.

                Há ineficiências dos dois lados. O Estado não consegue controlar a tendência à sobre apreciação das taxas de câmbio e fazer com que o crescimento dos salários não seja maior do que a produtividade dos trabalhadores. Já o mercado não consegue distribuir a riqueza de forma menos injusta, por favorecer a elite empresarial, estimulando a redução de custos, com salários baixos e demissões.

                Há também objetivos comuns dos dois lados. O novo desenvolvimento apoia uma reforma da gestão pública para se construir um Estado mais eficiente. Já a ortodoxia defende a mesma reforma, porém com o objetivo de se reduzir a carga tributária.

                O novo desenvolvimento também vê com bons olhos a globalização comercial, como quer a ortodoxia. Não concordam, entretanto, com a abertura irrestrita de capital. A globalização financeira, ao contrário do que pregam os ortodoxos, é um risco para os países em desenvolvimento.