Amar o próximo como...

Recentemente participei de uma aula de escola dominical numa determinada igreja. Estávamos seguindo uma revista que, segundo o título, nos propõe uma nova vidaem Cristo. Muitome preocupou o que estava sendo ensinado àquela igreja - e sei lá quantas mais, aos crentes desejosos de uma nova vida, quando foi lido, por exemplo, o seguinte texto na referida revista: 

Quando Jesus falou ao escriba “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus... Amarás ao próximo como a ti mesmo...” (Mc 12.30-31), ele estava ressaltando uma verdade incontestável: não basta amar a Deus e ao próximo, é preciso amar a si mesmo. Esta prática do amor tríplice ajuda você a ter menos problemas físicos e emocionais, como comprova a ciência. O princípio supremo dado por Jesus é para o nosso bem-estar.

Será que aumentar nossa auto estima refletirá num aumento substancial de preocupação ao bem estar alheio? Quanto mais eu me amar mais amarei o próximo? Amor próprio é um mandamento? Assim Deus não estaria nos incentivando a intensificar atenção e gastos com nossa própria pessoa antes de pensar no próximo? Será que naturalmente já não fazemos isto?

Este termo “amar o próximo como a ti mesmo” aparece 8 vezes na Bíblia, e foi citado pela primeira vez em Levítico 19.18. Neste contexto, Deus estava dando uma série de instruções para seu povo no que diz respeito ao relacionamento e tratamento para com o próximo (leia Lv 19.9-18). Deus não estava sugerindo, em hipótese alguma, que seu povo desenvolvesse um mecanismo de “auto-amabilidade” para poder amar o próximo de uma maneira melhor. Não. Deus sabe que somos egoístas por natureza. A idéia expressa aqui pelo Senhor é melhor interpretada como “Ame o próximo como você se ama...”

Não há nenhum texto bíblico que mande ou sugere que nós nos amemos. Isto já é inerente à nossa natureza. Amar-se a si mesmo é próprio da natureza humana, conforme Paulo observa em Efésios 5.28 e 29

“Assim também os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si mesmo se ama. Porque ninguém jamais odiou a própria carne;

antes, a alimenta e dela cuida...

Maridos devem amar suas esposas como se amam, assim como devemos amar o próximo como nos amamos, cuidamos de nós, sabemos o que é melhor para o nosso eu.

Vemos este mesmo princípio na chamada “regra áurea”:

Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também

 a eles; porque esta é a Lei e os Profetas. (Mateus 7:12)

Repetições no NT

Neste mesmo espírito, Jesus citou Levítico 19.18 em 2 ocasiões:

Uma delas aconteceu quando um jovem rico o abordou querendo saber o que poderia fazer (esforço próprio) para ganhar a vida eterna (Mt 19.16-22). Entre as “observações” que Jesus considerou, constava “ame o próximo como a ti mesmo”.

Vemos no desfecho desta história que, embora o jovem afirmasse que cumpria isto, ele de fato não amava o próximo como se amava.

A segunda, foi quando um intérprete da Lei questionou Jesus sobre qual era o maior mandamento.

 

“Respondeu Jesus: O principal é: Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.

 Não há outro mandamento maior do que estes.” Marcos 12.28-31

Lucas Também cita Levítico 19.18 numa situação semelhante a esta, porém Jesus fez com que o escriba respondesse sua própria pergunta (Lucas 10.27). É neste contexto que Jesus ensina a seus ouvintes quem é o nosso próximo, contando-lhes a parábola do samaritano – um personagem extremamente degradante aos olhos de um judeu daquela época. Ame o próximo como este samaritano fez e ame o próximo como você se ama, mesmo que seja um samaritano... você consegue?

Além dos sinóticos, Paulo (2 vezes) e Tiago (uma vez) citam este mandamento enfatizando-o como sendo um resumo (essência) da Lei.

Referencial: “eu”

Ao mesmo tempo que o referencial deste mandamento da Lei para amar o próximo baseia-se no quanto nós nos amamos ele também constitui um problema, pois é verdade que ânimos variam de pessoa para pessoa (assim como pode variar em uma única pessoa). Vejamos aqui os dois extremos de “amor próprio”:

Ame ao próximo como a ti mesmo:

 

Como devo amar o próximo se tenho...

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Baixa estima                                                                     Auto estima elevada

Um é infeliz porque não é exatamente quem gostaria de ser ou não tem tudo aquilo que desejaria ter. Isto gera complexos e frustrações. Pessoas assim vivem amarguradas, tem raiva de Deus e da vida. Apresentam problemas de baixa estima, depressão, auto comiseração, etc.

No entanto, o problema desta pessoa não é falta de amor próprio, ela simplesmente acha injusto que os outros sejam mais felizes e realizados do que ela. Insisto que não é falta de amor próprio, mas sim falta de compreender o amor de Deus somado a uma superproteção do seu “ego”. De qualquer forma, esta pessoa sente muita dificuldade de amar o próximo (como a si mesma) porque ela necessita de toda atenção para si. Ela é extremamente carente, só se deixa demover por meio de lisonjas e elogios, e jamais reconhece qualidades nos outros.

No outro extremo, temos aquela pessoa que se ama tanto que é apática com tudo e com todos que de alguma forma não lhe favoreça. Supervaloriza-se tanto que não consegue olhar para as necessidades alheias. É indiferente com Deus, porque não atenta como deveria à Sua Palavra. Normalmente vê Deus como alguém que está aí para servir seus desejos e garantir-lhe vitória em tudo o que fizer. Sua auto estima é super elevada e acredita que é assim porque merece. Sente-se linda e poderosa e não percebe o quanto é pecadora.

Responda sinceramente:

Uma pessoa que se ama tanto assim consegue amar o próximo de uma forma melhor?

E a pessoa do primeiro caso? Note que ambas são egocêntricas.

Portanto, quando Jesus citou “amarás o próximo como a ti mesmo” não estava ensinando amor próprio nesta passagem. Não estava ensinando a verdade incontestável que devemos primeiro nos amar para poder amar os outros.

Em 2 Timótio 3.2 temos a única aparição da palavra egoísta (do grego philautos) na Bíblia que significa aquele que ama a si mesmo; bem atento aos próprios interesses.

Aliás, é bastante oportuno verificarmos algumas das definições que o dicionário Houais traz desta mesma palavra:

1     amor exagerado aos próprios valores e interesses a despeito dos de outrem

2     exclusivismo que leva uma pessoa a se tomar como referência a tudo; excessiva vaidade, pretensão, orgulho, presunção

3          atitude ética ou social que parte do princípio de que o móvel fundamental de todo  pensamento ou ação (morais) é a defesa dos próprios interesses

4        interesse que o ego tem por si próprio.

Sejamos sinceros (só Deus está vendo...): somos egoístas ou não?

Releia estas definições com a “guarda abaixada”, em tom de confissão.

Medite nas seguintes questões:

Quanto tempo e recursos você investe para cuidar de si mesmo e de seus interesses? Você gasta o mesmo em prol de outrem? Está disposto a gastar?

Se você ganhasse um prêmio substancial em dinheiro, gastaria com o que e para quem? Repartiria com alguém necessitado que não fosse seu familiar?

Temos algum valor?

A resposta é sim. Tanto que Deus enviou seu único filho ao mundo para nos resgatar. Pagou um altíssimo preço. Morreu em nosso lugar, para que nós tivéssemos vida e vidaem abundância. Deusnos ama e nos adotou como filhos, nos fazendo co-herdeiros com Jesus.

Não estamos defendendo que a pessoa não deva cuidar de si: de sua saúde física, emocional, intelectual e, principalmente, espiritual. Mas não podemos puxar para nós honra ou valor maior do que Deus nos outorgou. Se somos o que nos tornamos é porque Ele nos transformou. Sem Deus, não passamos de miseráveis pecadores!

Veja o que o salmista escreve em Salmos 8.3-5:

“Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem, que dele te lembres E o filho do homem, que o visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus e de glória e de honra o coroaste.”

Primeiro, o salmista reconhece nossa insignificância e pequenez diante da grandeza do universo (obra dos dedos de Deus), e em seguida admira-se com o cuidado de Deus por seres tão pequenos como nós.

Se buscarmos nossa própria glória, deixamos de honrar o nosso criador exaltando o nosso ego; mas quando reconhecemos e aceitamos a posição que o Senhor nos colocou, então glorificamos o Seu Nome.

Agape ou philautos?

Ao invés de incentivar o amor próprio, Jesus convida aqueles que querem segui-lo (cristãos) a negarem-se a si mesmo, tomarem sua cruz e segui-lo.

Aqui o amor próprio começa entrar em conflito com o amor agape. Se agape é um amor incondicional não pode estar se referindo a mim mesmo, mas ao próximo. Precisamos entender que agape é altruísta, enquanto que philautos é egoísta. Se amor próprio não pode ser agape, então é um amor “egocentrado.

Em 1 Coríntios 13, o apóstolo Paulo escreve, inspirado pelo Espírito Santo, a melhor definição de amor (agape) que conhecemos. Analise esta passagem cuidadosamente:

“O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal;

não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê,

 tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba...”

Certamente este hino não descreve, e nem nele cabe o amor próprio (philautos). Somente o amor ao próximo (agape).  

Novo mandamento

Em João 13, no contexto da última ceia, Jesus muda radicalmente o referencial de amor ao próximo quando diz a seus discípulos:

Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei,

 que também vos ameis uns aos outros.(João 13.34-35)

O referencial da antiga aliança de amor ao próximo, assim como todo cumprimento da Lei, dependia do que eu poderia produzir; dependia de meus próprios esforços. Nesta nova aliança anunciada e inaugurada pelo Senhor Jesus, o referencial não se baseia mais em nossa frágil e egoísta natureza humana, mas no Seu amor.

1 João 4:19 nos ensina que nós amamos porque ele nos amou primeiro, e não porque me amo.

Devemos amar como Ele nos amou. Servindo. Perdoando. Incondicionalmente.

A velha Lei dizia: Ame o próximo do jeito que você se ama.

E agora? O que a graça, diz?  Amar ao próximo: como você se ama ou como Cristo nos amou?

Qual deve ser o nosso referencial?

Insistir no amor próprio é negar que Cristo é o nosso referencial.

Mas se amar o próximo como nós nos amamos já é difícil, e quanto amar como Cristo nos amou?

Novamente, se depender de nós, é impossível. Por isso Deus nos deu o Seu Espírito. Conforme permitimos, veremos o fruto deste Espírito crescendo em nós, abrochando amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio.

Não preciso recorrer para a ciência para saber que pessoas que amam a Deus e ao próximo tem menos problemas físicos e emocionais. Antes da ciência comprovar, a Bíblia já afirmava isto com autoridade e quer que esta seja uma realidade em sua vida!

E quanto ao amor próprio? Bem, sabemos que a pessoa que é amada se sente valorizada. Daí cabe a seguinte pergunto: Você crê que Jesus te ama?  Então espalhe este amor pelo mundo. Ame ao próximo como Ele te ama.

- Para uma compreensão melhor deste assunto, leia a Primeira Epístola do Apóstolo João.

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