Ditadura Militar e as minisséries - a mídia e a formação das mentalidades

 

Magali Helena Buralde Argenton Gonçalves[1]

 

Resumo

O trabalho a seguir tem como tema a formação da mentalidade em História. Sua delimitação consiste nas minisséries e Ditadura Militar e a construção das mentalidades. O objetivo geral é compreender como a mídia influencia na apresentação de fatos que aconteceram no período do Regime Militar Brasileiro. Os objetivos específicos são: definir o que é mentalidade dentro da História e sua importância para a compreensão dos acontecimentos sociais; descrever como as minisséries “Anos Rebeldes” e “Os dias eram assim” abordaram o período de 1964-1985; diferenciar como ambas as minisséries mostraram o cotidiano dos brasileiros na época do Regime Militar. A discussão deste trabalho gira em torno de como a mídia pode formar auxiliar na formação da mentalidade sobre tal período e como isso pode influir numa busca pela reescrita da História. A estrutura do trabalho para um melhor entendimento sobre o assunto inicia com uma breve introdução, a abordagem sobre a definição de mentalidade, a apresentação das minisséries, a comparação de ambas e as diferenças e a conclusão.

 

Palavras-chave: Mentalidade. Minisséries. Ditadura Militar.

 

1. Introdução

            O presente trabalho tem como tema a formação da mentalidade através da mídia, no caso, através das minisséries “Anos Rebeldes” e “Os dias eram assim” que retrataram o período do regime Militar 1964-1985. Para o desenvolvimento do trabalho foram traçados um objetivo geral e três específicos assim respectivamente descritos: compreender como a mídia influencia na apresentação de fatos que aconteceram no período do Regime Militar Brasileiro; definir o que é mentalidade dentro da História e sua importância para a compreensão dos acontecimentos sociais; descrever como as minisséries “Anos Rebeldes” e “Os dias eram assim” abordaram o período de 1964-1985; diferenciar como ambas as minisséries mostraram o cotidiano dos brasileiros na época do Regime Militar. Busca-se entender o conceito de mentalidade e sua importância para a escrita da História através das observações sobre as duas propostas de minisséries apresentadas e no que ambas auxiliaram ou não a desmistificação dos conhecidos “anos de chumbo”. O trabalho se organiza em três partes: Introdução, Conceito de Mentalidade, As Minisséries e suas representações e a Conclusão.

2. Conceito de Mentalidade

            A área da História das Mentalidades é um campo da história de longa duração, tempo este conceituado por Fernand Braudel, historiador da segunda geração dos Annales. Pela História das Mentalidades é que podemos fazer a união entre a História e as demais ciências sociais.

            Para Vovelle (2004), as mentalidades adota o termo “imaginário coletivo” para indicar as formas de resistências que usam as lembranças ou memórias na construção da estrutura mental.

            A História das Mentalidades, segundo Vainfas (1997), trata de assuntos ligados ao cotidiano, complementando Barros (2004) acrescenta que nesta área da História se busca conhecer o comportamento coletivo e seus temores.

            Esta área da História trabalha a ideia que a sociedade desenvolve um pensamento coletivo que se modifica lentamente e que durante o tempo de transformação hábitos mentais são criados nos que participam deste tempo de duração das mentalidades buscam agregar os modos coletivos de agir, vestir, pensar, de comportamento e emocionais. Le Goff (1995) sintetiza a mentalidade como algo que muda bem devagar, é a “história da lentidão na história”.

Ariès (1990) refere-se sobre a Mentalidade como uma maneira de estudar o passado de maneira inovadora com o auxílio do presente, Ariès (1990, p.171) nos diz que as mentalidades se apresentam em duas fases de tempo, “uma, que se supõe conhecida e que é, de fato, pelo menos ingenuamente conhecida, que serve de “testemunho” e a qual o historiador se refere; a outra, enigmática, discutível, terra incógnita, que o historiador se propõe descobrir”.

 

Na historiografia, o conceito de mentalidades passou a designar as atitudes mentais de uma sociedade, os valores, o sentimento, o imaginário, os medos, o que se considera verdade, ou seja, todas as atividades inconscientes de determinada época. As mentalidades são aqueles elementos culturais e de pensamento inseridos no cotidiano, que os indivíduos não percebem. Ela é a estrutura que está por trás tanto dos fatos quanto das ideologias ou dos imaginários de uma sociedade. Tal conceito está muito ligado à questão temporal, pois a mentalidade é considerada uma estrutura de longa duração. Além disso, ao contrário dos fatos, que acontecem muito rapidamente, a mentalidade permanece durante muito tempo sem modificações, e suas mudanças são tão lentas a ponto de nem serem percebidas. (SILVA, 2009, p.279)

 

Basicamente a História das Mentalidades tem como base o comportamento e as atitudes coletivas. Foi trabalhando com o conceito de Mentalidades que tivemos a ampliação das consideradas fontes históricas primárias, onde agora um diário, uma foto, uma lenda tem importância para a fabricação do conhecimento. A História das Mentalidades traz em si uma abordagem antropológica e psicológica ao mesmo tempo. A História das Mentalidades tem como preocupação fundamental o conjunto de fatos culturais de um determinado período (Silva, 2009).

Para Silva(2009), as Mentalidades para serem trabalhadas precisam estar acompanhadas das abordagens sociais, econômicas e políticas

 

3. As Minisséries e suas representações

              A televisão é, para a vida moderna, o que era o campanário para a aldeia (NORA, 1995), com este pensamento iniciamos a explanação sobre as duas minisséries a serem observadas neste trabalho. Observando por este ângulo, podemos ver a televisão como a fonte de informação para a maioria dos brasileiros, ainda mais em 1992 quando o advento da internet ainda não estava presente nos lares brasileiros.

              Segundo o site Memória Globo (s/d, on line), “Anos Rebeldes” foi escrita por Gilberto Braga, foi ao ar em 1992, na época das passeatas do ”Fora Collor”, mas segundo o autor a sinopse já havia sido entregue a emissora de TV bem antes dos acontecimentos. As referências históricas foram os livros de Zuenir Ventura – “1968: o Ano Que Não Terminou” e “Os carbonários” de Alfredo Sirkis. Algo inédito, a TV Globo trazia ao ar pela sua dramaturgia, o período político conturbado da Ditadura Militar. O foco da minissérie era a organização para a guerrilha armada que aconteceu no país e também mostrava como as classes sociais conviviam com o período militar. As passagens de tempo eram mostradas através de inserções de manchetes de jornais e cenas documentais, além do contexto da ditadura e suas perseguições e torturas, a censura às artes foi mostrada através da cena de negociação do personagem Galeano e a Censura Federal.

              “Os dias eram assim” foi ao ar em 2017, começa em 1970 e vai até os dias atuais, diferente da outra minissérie que se passava de 1964 a 1979. Nesta as relações entre empresas e os militares mostram-se mais claramente e diferencias-se por mostrar como a ditadura influenciou a vida dos que pertenciam às manifestações e buscavam por liberdade de expressão, sem falar na guerrilha armada, ela estava presente, mas não era o foco. A tortura nunca foi tão bem retratada, cenas fortes e diálogos fortes foram pontos chaves, outra parte importante foi o aparecimento da AIDS e como era a visão sobre a doença nos anos 80 (Folha de São Paulo, 18/09/2017). Em 2013, o Editorial de “O Globo” trazia o seguinte discurso

 

a lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns. Fez o mesmo parcela importante da população, um apoio expresso em manifestações e passeatas organizadas em Rio, São Paulo e outras capitais. (O GLOBO, 31/08/2013, on line)

 

              Observando este discurso e analisando as obras televisivas pode-se chegar a um consenso que na primeira, “Anos Rebeldes”, a Rede Globo via no contexto da crise do governo Collor uma analogia com 1964, porém agora podia se manifestar sem o discurso da perda da democracia, em 2017 com a crise do governo Dilma e o novo Impeachment, uma nova analogia se fazia possível, porém agora era alta e bem clara a posição de erro da emissora em ter aceitado um governo cruel como o que se impôs entre 1964-1985.

            Mostrar o que se fez e que muitos ainda desejam esconder faz parte das mentalidades, se a televisão traz a informação, nada como duas crises para mostrar ao povo o que a perda da Democracia pode causar, um misto de mea-culpa com informação, modificar o pensamento de muitos é coisa difícil, porém em se tratando de História é necessário que conheçamos todos os lados da história para que possamos entender e reconstruir o conhecimento.

 

3. Conclusão

              O Regime Militar serve para contextualizar as duas minisséries, a primeira, porém, era focada na organização e no afrontamento a ditadura, já a segunda mostra a vida de exílio e os questionamentos que a sociedade da época tinha sobre a política e o social. Ambas ostentam como pano de fundo o período dos “Anos de Chumbo” e é nessa associação ao acontecido que a mentalidade se forma em História, pois através dos relatos de quem viveu esta época, e isso cabe aos dois lados, os militares e os civis que foram à luta por liberdade, e aqui temos a luta armada e os que somente discordavam de atitudes governistas, a mentalidade que se forma depende do que se apresenta a sociedade, a televisão é um elo forte de construção histórica, tanto que para isso é necessário um cuidado muito grande para que não se crie um mundo romanceado e sim uma oportunidade de trazer uma nova escrita a História, claro que sempre observando entrelinhas as informações que quem produz a obra deseja passar.

 

Referências

ANOS REBELDES. Memorial Globo. Disponível em < http://memoria globo. globo.com/programas/entretenimento/minisseries/anosrebeldes/curiosidades.htm>. Acesso em 18 de novembro de 2018.

APOIO editorial ao golpe de 64 foi um erro. Jornal O Globo. Editorial. 31 de agosto de 2013. Edição on line. Disponível < https://oglobo.globo.com/brasil/apoio-editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-9771604> Acesso em: 17 de dezembro de 2018.

ARIÈS, P. A história das mentalidades. In: LE GOFF, J. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

BARROS, J. O Campo da História: Especialidades e Abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

CARDOSO, C & VAINFAS, R. Domínios da História: Ensaio de Teioria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

LE GOFF, J & NORA, P. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1995.

NORA, Pierre. O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques; NORA, PierreHistória: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. p. 182.

“OS DIAS eram assim” emocionou e foi útil aos dias de hoje, mas tropeçou na forma. Folha de São Paulo. Edição online. 18 de setembro de 2017. Disponível em Acesso em 24 de agosto de 2018.

SILVA, K. V. Dicionário de conceitos históricos / Kalina Vanderlei Silva, Maciel Henrique Silva. – 2.ed., 2ª reimpressão. – São Paulo : Contexto, 2009.

VOVELLE, M. Ideologias e Mentalidades: um esclarecimento necessário. São Paulo: Brasiliense, 2004.

 

[1] Graduação em Licenciatura em História pela ULBRA São Jerônimo/RS, especialização em Pós-Graduação Lato Sensu em Educação e Sociedade. E-mail do autor: [email protected]