DISTANCIAMENTO E ISOLAMENTO SOCIAIS DA PESSOA SOCIAL: CONTRADIÇÕES EMERGENTES EM TEMPOS DE PANDEMIA

 

CARLA BORGES DE ANDRADE.

        Professora do Departamento de Saúde – Curso de Licenciatura em Educação Física (UEFS). Doutoranda em Educação (UFBA).                   

[email protected]

 

MIGUEL ANGEL GARCÍA BORDAS.

Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (UFBA). [email protected]

 

Resumo:

Em decorrência da tentativa de controle da pandemia de Covid-19, a população está sob o processo de distanciamento e de isolamento sociais. Sabendo que o processo de humanização inclui as relações e interações sociais, preocupa-nos a possibilidade de acometimento coletivo de problemas e doenças de diversas naturezas, principalmente psíquicas. Por isso, este artigo que se configura como uma Revisão Narrativa, tem por objetivos elencar algumas consequências que os processos de distanciamento e isolamento sociais podem provocar à população para, assim, sugerir formas de minimização desses problemas e, por conseguinte, contribuir para a promoção da qualidade de vida das pessoas. Os problemas identificados vão de tristeza e solidão profunda até ocorrências de depressão e de suicídio e podem ser minimizadas as suas ocorrências através do uso devido das tecnologias de comunicação e da vivência de atividades lúdicas.

Palavras-chave: Distanciamento Social; isolamento social; socialização; humanização; desumanização.

 

Abstract:

As a result of the attempt to control the Covid-19 pandemic, the population is undergoing social distancing and isolation. Knowing that the humanization process includes social relationships and interactions, we are concerned about the possibility of collective involvement of problems and diseases of various kinds, mainly psychic. For this reason, this article, which is configured as a Narrative Review, aims to list some consequences that the processes of social distancing and isolation can cause to the population, thus suggesting ways to minimize these problems and, therefore, contribute to the promotion people's quality of life. The problems identified range from sadness and deep loneliness to occurrences of depression and suicide and their occurrences can be minimized through the proper use of communication technologies and the experience of playful activities.

Keywords: Social Distance; social isolation; socialization; humanization; dehumanization.

 

Introdução:

 

Em tempos de pandemia de COVID-19, a doença provocada pelo novo Coronavírus, as principais recomendações das autoridades civis e da Saúde para que a população ajude no combate à proliferação do microrganismo são o distanciamento social ou o isolamento social (no caso dos já infectados) e o reforço nos hábitos de higiene pessoal. Embora a última pareça bastante eficiente, sua atuação será completamente enfraquecida se aglomerações humanas continuarem a ser formadas. Portanto, a prática do distanciamento é imprescindível para o controle da ocorrência pandêmica.

No entanto, como se manter distante/isolado socialmente, se uma das características da própria humanização[1] – conjunto de fatores e condições que nos tornam seres humanos -  é a própria socialização ou sociabilidade, isto é, o fato de que não nascemos para viver sozinhos, uma vez que, desde o nascimento, já somos inseridos numa primeira comunidade: a família. A partir daí, vamos nos humanizando no contato com as culturas, crenças, hábitos, línguas, normas de conduta etc. que outros tipos de comunidade a que passamos a pertencer vão nos ensinando. São eles: a escola, a instituição religiosa, os espaços de lazer, os clubes desportivos, dentre outros.

Este contexto que se está vivenciando ainda no início do último ano da segunda década do Séc. XXI já se revela complexo e, por conseguinte, confuso, posto que demarcado por contradições: será o começo do fim? Se o conceito de saúde ainda defendido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é “o completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença e enfermidade” (OPAS, s/d, p. 02), como poderá a pessoa permanecer saudável se se isolar? O distanciamento e o isolamento sociais não poderiam provocar outros quadros de doença para a população? Ou, pior, não poderiam esses comportamentos assumidos bruscamente nos fazerem entrar num processo de desumanização?

Quando dissemos que este conceito de saúde é “ainda” defendido pela OMS, não o fizemos só por causa de sua data de publicação, 1947. Mas sim porque, ao longo de quase um século, tal conceito veio sofrendo críticas e sendo submetido a novas configurações, mais atualizadas e abrangentes. Segundo Segre (1997, p. 539), embora “até avançada para a época em que foi realizada, é, no momento, irreal, ultrapassada e unilateral”. O autor explica seu posicionamento dizendo que:

A definição de saúde da OMS está ultrapassada porque ainda faz destaque entre o físico, o mental e o social. Mesmo a expressão “medicina psicossomática”, encontra-se superada, eis que, graças à vivência psicanalítica, percebe-se a inexistência de uma clivagem entre mente e soma, sendo o social também inter-agente, de forma nem sempre muito clara, com os dois aspectos mencionados (SEGRE, 1997, p. 540).

Observa-se que Segre (1997) justifica sua crítica apontando uma integração necessária entre físico, o mental e o social, como constituintes indissociáveis do humano, mas não só esses: abre a possibilidade para que outros fatores também sejam responsáveis pela saúde da pessoa, dentre os quais citamos a cultura, a educação, a religiosidade, o imaginário etc., que interagem e contribuem para o processo de humanização. Destarte, se o distanciamento e o isolamento sociais ora propostos para a minimização do contágio da Covid-19 visam a uma consequente manutenção da saúde pública, não estaríamos no meio de uma contradição conceitual: o social que constitui a saúde agora pode favorecer a disseminação da doença? Diríamos mais: não trariam o distanciamento e o isolamento sociais outras doenças de caráter físico, mental e social – parafraseando a OMS – instituindo um quadro de adoecimento coletivo?

É claro que temos a convicção de que tanto o distanciamento quanto o isolamento social neste momento se fazem necessários para o controle da COVID-19 e, portanto, debater esta temática, por si só é relevante. Porém, neste artigo nos propomos a responder ao seguinte problema: como podemos minimizar os efeitos que o distanciamento e o isolamento sociais de 2020 podem provocar? Neste contexto, temos como objetivos elencar algumas consequências que os processos de distanciamento e isolamento sociais podem provocar à população para, assim, sugerir formas de minimização desses problemas e, por conseguinte, contribuir para a promoção da qualidade de vida das pessoas.

Tendo em vista a natureza dos objetivos traçados para esta investigação, recorremos à revisão de literatura não sistemática ou Revisão Narrativa como perspectiva metodológica para fundamentar as considerações aqui tecidas e expressas. Segundo Rother (2007, p. 01), os artigos que se utilizam desta metodologia se “constituem, basicamente, de análise da literatura publicada em livros, artigos de revista impressas e/ou eletrônicas na interpretação e análise crítica pessoal do autor.” Como é basilar desta metodologia, o texto não apresenta a seção da metodologia em destaque, uma vez que, segundo a mesma autora, os textos de Revisão Narrativa são constituídos de: Introdução; Desenvolvimento, que pode ser subdividido em sessões a critério do autor; Comentários ou Considerações Finais; e Referências (ROTHER, 2007).

A escolha por este método se deu porque concordamos que os artigos de Revisão Narrativa “permitem ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma temática específica em curto espaço de tempo (...) e são qualitativos” (ROTHER, 2007, p. 01). Ou seja, não se preocupam em apresentar dados quantitativos (numéricos, estatísticos, tabulares etc.), mas primam pelas compreensões e múltiplas interpretações que temáticas complexas e cheias de subjetividade como a aqui discutida impõem (PERES, 2019).

Cabe esclarecer ainda que, para este estudo, priorizamos os artigos digitais disponíveis na internet, em bases de dados de reconhecido rigor científico concernentes ao objeto de estudo, a partir de descritores, tais como: distanciamento social, isolamento social, socialização, humanização, desumanização e homem como ser social. Além disso, recorremos também a periódicos de grande circulação nacional em versão digital, de publicações semanais, por conta da novidade temática, a fim de buscarmos fundamentação a mais atualizada possível sobre este objeto tão incipiente.

 

Desenvolvimento:

 

Já dizia a cantiga infantil: “Eu não nasci para viver sozinho, foi bom te encontrar, te encontrar pelo caminho. Se um é bom, dois é bem melhor! O homem não nasceu, não nasceu pra viver só!” (CHAMUSCA, 2013). Não mesmo. Logo ao nascer, a criança reconhece pelo olfato sua mãe e, a depender dos estímulos recebidos durante a gestação, pode também reconhecer o pai pela voz. Ou seja, ela se sente acolhida por uma comunidade, a família, e pertencente a ela, com a qual se relaciona através de comportamentos sensório-motores.  

O bebê tem sensações e descobre o mundo através do deslocamento de seu corpo. Há uma interdependência em perceber o mundo e atuar nesse mundo.                                               Nesse período, os bebês desenvolvem a capacidade de reconhecer a existência de um mundo externo a eles, tendo autonomia para explorá-lo e construir sua percepção de mundo. Passam a agir não mais apenas por reflexo, mas direcionam seus comportamentos tendo objetivos a alcançar (MENESES, 2012, p. 01).

Esta fase da vida é muito complexa e importante para que o bebê comece a se humanizar a partir da concepção de si e da apreensão do mundo. Nesta fase “ocorre a organização do seu desenvolvimento nos aspectos perceptivo, motor, intelectual, afetivo e social. Começará, portanto, com uns poucos reflexos que irão aos poucos se transformando em esquemas sensório-motores” (ETAPAS..., s/d, p. 01). Neste período, a criança ainda pequena “tem sensações e descobre o mundo através do deslocamento de seu corpo. Há uma interdependência em perceber o mundo e atuar no mesmo” (PEDROZO, 2014, p. 01).

Conforme vai crescendo, a criança passa a ser inserida em outros tipos de comunidade, à escolha da família, para que apreenda valores éticos e estéticos, comportamentos, discursos, crenças, expressões artísticas, costumes e normas condizentes com o que considera adequado. Assim, seja por questões educacionais, culturais, religiosas ou outras quaisquer, essa criança vai experienciando o que vem a ser pessoa social, ou seja, ela vai se humanizando – já que, defende-se, o ser humano ultrapassa e muito o nascer com o biotipo humano.

Humanizar é tornar-se humano, adquirir novos hábitos mais apropriados sob o prisma da ética e da moral distanciando-se da ignorância, estupidez, desamor... É educar-se sendo mais benévolo, enfim, evoluir o “eu espírito”.A humanização deve existir em todas as nossas ações (TRENTIN, s/d, p. 01).

Assim, ao ser inserida nas diferentes comunidades, a criança vai se humanizando, isto é, vai assumindo as culturas e características humanas que a tornarão uma pessoa social, capaz de estabelecer diferentes tipos de relações com seus pares que também são pessoas sociais, uma vez que a “‘humanização’ e essa não é algo dado pela natureza, pois situa-se na esfera do constante ‘fazer-se’ humano” (REGO, 2014, p. 11).

Se a humanização é um processo, ela não se circunscreve à infância. Antes, ela se faz e se refaz ao longo de toda a vida e, por isso mesmo, vamos nos inserindo em novas comunidades, estabelecendo outros pares, interagindo com outras pessoas num movimento elíptico ininterrupto até o último suspiro. Assim sendo, adolescentes criam suas rodas, amores se encontram, pais e filhos assumem novos papeis cotidianamente, pessoas idosas comunicam suas experiências vividas às novas gerações, todos fazendo valer suas formas de socialização.

Nessa esfera processual que configura a nossa humanização, diferentes elementos culturais e sociais se tornam partícipes. Logo, a socialização e a cultura são condições sine quibus non de nosso processo de humanização. Assim,

o “humanizar-se”, encontra-se na ordem de um constante definir-se, de um contínuo fazer-se e refazer-se rumo àquilo que não está dado. Por isso, a humanidade, sob essa perspectiva, é sempre projeto. (...) A cultura exerce um papel preponderante na execução desse “tornar-se” na medida em que é dentro dela que homens e mulheres, por meio das relações sociais e das condições criadas a partir dessas relações, transcendem a própria condição de simplesmente habitar um planeta e criam para si um mundo repleto de significações, a saber, um mundo propriamente humano. Portanto, a cultura propicia as condições para o lançar-se do/a homem/mulher rumo à execução de suas escolhas, abrindo, assim, a possibilidade para a humanização (REGO, 2014, p. 15).

No entanto, na sociedade capitalista em que vivemos, apesar do conhecimento irrefutável de que as relações sociais fazem parte do processo de humanização, ainda é recorrente se veicular a imagem historicamente construída da pessoa como indivíduo “aparecendo como autônomo, independente e livre. Essa aparência apresenta contradições no que se refere à realidade social, mediada por relações visíveis e também ocultas” (EVANGELISTA; BAPTISTA; VERISSIMO, 2017, p. 75).

É realmente uma concepção contraditória, posto que estar em grupos e pertencer a diferentes associações sociais é salutar ao desenvolvimento infantil, a sua humanização. Daí a importância do brincar com coleguinhas ou vizinhos, do ouvir as histórias dos pais e avós, do estudar em turmas escolares que reúnem meninos e meninas de classes sociais diversas, de famílias distintas, de crenças múltiplas. Nessas vivências, ela aprende a conviver com as diferenças, a respeitar a diversidade, a reconhecer limites (os próprios e os de outrem), e vai se socializando na interação com as outras pessoas sociais – sejam outras crianças, sejam pessoas adultas, idosas, sejam pessoas reais ou imaginárias. Portanto,

Mesmo que o homem tenha uma aparência individual e particular, pertence a uma coletividade e, apesar das diferenças individuais, existe uma unidade do grupo, universal. Para Marx, a essência do ser humano é da natureza social, é no meio social que ele apresenta seus elos com homens, sua relação com os outros e a relação dos outros para com ele (EVANGELISTA; BAPTISTA; VERISSIMO, 2017, p. 77).           

Se, portanto, a natureza do homem é de ser social, na medida que diminuem as possibilidades de estabelecimento de relações sociais, progressivamente aumentam as chances de a pessoa começar a se desumanizar.

Etimologicamente, de acordo com o Dicionário On-Line de Português (2013), a palavra “desumanização” se refere ao “ato ou efeito de desumanizar; fazer com que fique desumano; perder a essência humana”. Esta visão essencialista seria, de todo, impraticável (REGO, 2014). Porém, neste estudo não objetivamos tratar a desumanização sob a perspectiva do reconhecimento do outro como não-humano, como coisa ou animal, como é concebida na relação opresso-oprimido. Estamos falando do ato de se privar das interações sociais – condição humanizadora. Em outras palavras, se as relações sociais são imprescindíveis a nossa humanização, a abstinência ainda que circunstancial dessa condição – aqui chamada de distanciamento e isolamento sociais – seria etapa constitutiva do nosso processo de desumanização. Quer dizer, não podemos ser humanos – aqueles que detêm o senso de humanidade – num sentido mais amplo da palavra, se não mantivermos interações sociais com nossos pares.

É mister esclarecer a diferença estabelecida entre o distanciamento e o isolamento sociais. Segundo Vidale (2020, p. 01), “o significado de distanciamento social: ficar longe o suficiente de outras pessoas para que o coronavírus – ou qualquer patógeno – não possa se espalhar”. A própria autora explica e amplia este significado:

O Ministério da Saúde recomenda manter uma distância de 2 metros de distância de outras pessoas. Mas isso nem sempre é possível. De qualquer forma, a distância segura, segundo especialistas em saúde é de, no mínimo, 1,5 metro. (...) Mas o distanciamento social vai além e também significa não tocar em outras pessoas, o que inclui apertos de mão, abraços, beijos e relações sexuais. O toque físico é a maneira mais provável de uma pessoa pegar o coronavírus e a maneira mais fácil de espalhá-lo, por isso, neste momento a maior demonstração de carinho que você pode dar para alguém querido é ficar longe dela (VIDALE, 2020, p. 02).

Ou seja, o distanciamento social não implica ficar sozinha, mas afastada circunstancialmente das outras pessoas. Assim, num mesmo espaço, preferencialmente dentro das próprias casas, podem ficar algumas pessoas, desde que observada a medida de segurança relacionada à distância (daí o nome distanciamento) recomendada. Em outras palavras, “na prática, as pessoas devem evitar o contato social em qualquer contexto, permanecendo o máximo possível em suas casas” (CAPITANI, 2020, p. 01).

Além disso, o distanciamento social inclui uma parada momentânea de práticas que, sabemos, são favoráveis a nossa humanização, como os cumprimentos, os toques e mesmo as relações sexuais. Tudo isso para que se mantenha a distância necessária entre as pessoas para que o Coronavírus não se espalhe e se controle o contágio da doença. Destarte, o distanciamento social é indicado para pessoas não infectadas.

Já o isolamento social é indicado para as pessoas que já foram acometidas pela Covid-19. Segundo Vilade (2020, p. 03), o isolamento social

significa realmente ficar isolado de qualquer outra pessoa. Neste caso, não há distância mínima segura e a medida é indicada para pessoas que tem diagnóstico confirmado ou suspeita de coronavírus. É um sinônimo para a famosa quarentena submetida aos primeiros pacientes com a doença no país. No momento atual de transmissão, o Ministério da Saúde recomenda que qualquer pessoa que apresente sintomas de gripe, principalmente em locais com transmissão comunitária do vírus, evite contato com outras pessoas (VIDALE, 2020, p. 03).

Desta forma, o isolamento social é uma prática que exige um recolhimento mais intenso que o distanciamento social, uma vez que exclui o contato com os pares. Sabendo que uma pessoa infectada pode transmitir a doença rapidamente, a recomendação do isolamento é necessária. Entretanto, como ele requer que a pessoa fique sozinha, ainda que dentro de casa, por um período mínimo de 14 (catorze) dias, o isolamento pode trazer outros comprometimentos à saúde geral da pessoa. São justamente estes comprometimentos que nos propomos a discutir neste estudo. Segundo Diana (s/d, p. 01), o isolamento social provoca nas pessoas “muitas dificuldades de se relacionarem e, por isso, se afastam do convívio social, o que pode levar a diminuição das funções mentais, e nos casos mais extremos, problemas psiquiátricos”. A autora acrescenta ainda que as pessoas que sofrem isolamento social – em decorrência de diversos fatores, tais como: doenças, preconceitos, violências etc. – geralmente se tornam tímidas e inseguras, e expressam sentimento de inferioridade. Por isso, é comum que tenham poucos amigos ou sintam dificuldade de fazerem novas amizades, além de poderem desenvolver perturbações psíquicas, tais como:

individualismo, fobia social, solidão, depressão, estresse, tristeza, rejeição, loucura, ansiedade, esquizofrenia, toxicodependência, misantropia[2], suicídio. Visto os problemas que podem causar nos indivíduos, o isolamento social leva a diversas ações que podem ser prejudiciais à saúde física e mental, por exemplo: alterações de humor, de pressão, baixa estima, comportamentos antissociais, agressividade, desenvolvimento de patologias, dentre outros. O isolamento social pode levar as pessoas a terem fobias de se relacionarem (fobia social) e, portanto, de terem um trabalho, participarem de eventos sociais ou mesmo de sair para fazer compras (DIANA, s/d, p. 02).

            Corrobora com esta autora a publicação do Correio Braziliense, que explica que o sentimento de solidão decorrente do isolamento social

aumenta os níveis de cortisol — hormônio ligado à resposta ao estresse — no corpo. A presença do cortisol eleva a pressão arterial, reduz o sistema imunológico e pode, entre outros fatores, contribuir para o declínio da performance do sistema cognitivo. A falta de interação com amigos e familiares também colabora com o aparecimento da depressão, da demência precoce e de problemas cardíacos (PDICÓLOGO, 2011, p. 01).

Sabendo disso, retomamos a pergunta que provocou este estudo: o que fazer para minimizar tais efeitos colaterais que o isolamento social pode provocar nas pessoas, em tempos de pandemia?

Acontece que o distanciamento e o isolamento sociais propostos para o controle da Covid-19 diminuem, mas não excluem as interações sociais que mantemos com nossos pares. Temos algumas luzes ao longo do túnel, que está longe de chegar ao fim, esperamos! Dentre as várias opções de atividades possíveis para minimizar os já mencionados problemas decorrentes desse distanciamento/isolamento social, organizamos dois grupos de proposições que poderão contribuir de forma efetiva.

Para começar, a primeira e mais óbvia forma de mantermos as relações sociais pode ser a utilização das tecnologias de comunicação. O uso de aparelhos, como: celulares, tablets, smartphones, notebooks etc., de sites os mais diversos e de aplicativos das redes sociais, tais como: WatsApp, Instagram, Facebook, Skype, Tinder etc. pode aproximar as pessoas, minimizando os efeitos do distanciamento e do isolamento sociais por meio da internet. Entretanto, sabemos que além de vantagens, o uso dessas tecnologias também tem suas desvantagens:

É imprescindível observar que a tecnologia é apontada como um meio facilitador na questão do ensino, porque os professores podem utilizá-la para pesquisas, fontes ilustrativas, vídeos educativos etc. Além disso, o mercado de trabalho e as relações sociais estão a cada dia mais articulados por processos mediados por tecnologias digitais. Entretanto, vários pesquisadores estão abordando o modo como o uso excessivo dessas tecnologias afeta os adolescentes de forma social, afetiva e cognitiva (SILVA; SILVA, 2017, p. 02).

Logo, há que se ter muito cuidado quanto ao uso dessas tecnologias, principalmente por parte de crianças e adolescentes, porque podem trazer riscos à segurança e a sua integridade – não adentraremos nesta questão, por não ser objetivo deste estudo. Mas, chamamos a atenção para os perigos que o uso excessivo dessa parafernália possa acometer ao público mais jovem no que se refere a ter justamente o efeito contrário: promover o distanciamento e o isolamento sociais de pessoas reais em detrimento de relacionamentos e amizades virtuais.

A forma de como essas tecnologias digitais foram inseridas no contexto familiar vem alterando a forma como a família se reúne, e isso deixa claro evidenciando que o diálogo e a participação na vida dos adolescentes são muito importantes. Segundo Dumazedier, a conversação não morreu, mas mudou e incluindo um terceiro grupo, o dos atores, apresentadores e estrelas da televisão, novos convidados da noite (SILVA; SILVA, 2017, p. 01).

Decerto, a conversação mudou ainda mais sua configuração. Diríamos que temos agora um ou vários outros grupos proporcionados pelas diversas redes sociais. Os convidados atuais são os “contatos” de nossa agenda digital, aos quais adicionamos às redes como nossos “amigos”. E, nas redes, temos os subgrupos, aqueles formados pela família, pelos colegas de trabalho, pelas amigas mais achegadas, pelos coautores de um livro, pelos colegas de turma da escola/universidade etc. Com esses novos grupos, mantemos uma relação dialógica com linguagem própria (demarcada por uma permitida despreocupação com a correção ortográfica) cheia de signos e imagens representados por emojis e figurinhas), codificada por arquivos de vídeos e áudios despretensiosos de qualidade de edição e, muitas vezes, sem a imposição de limites entre o cômico e o trágico. É como se a virtualidade das conversas desse uma permissão aos personagens para atuarem numa espécie de vale-tudo.

Faz-se necessário, portanto, esclarecer aos usuários das tecnologias de comunicação, especialmente os mais jovens, que tudo isso deve servir para aproximar as pessoas, não para afastá-las. E que o uso um pouco mais intenso que por hora se tem feito dos aparelhos é circunstancial, momentâneo. E que quando se restaurar a normalidade, a presença, o toque, a troca de olhares e as manifestações de afeto devem ser restabelecidos aos hábitos cotidianos, para que possamos reassumir efetivamente nosso papel de pessoas sociais reais.

            Praticar atividades lúdicas é outra forma de diminuir os efeitos do distanciamento e isolamento sociais a que estamos momentaneamente submetidos, posto que o lúdico é “veículo para o desenvolvimento social, intelectual e emocional” (MODESTO; RUBIO, 2014, p. 02). A prática de atividades lúdicas cria espaços para as pessoas poderem apreender o mundo e internalizarem uma compreensão particular sobre as outras pessoas e os próprios sentimentos (SILVA et al., 2016). Entre os recursos lúdicos digitais, temos jogos de vários tipos e níveis de complexidade; playlists, que reúnem incontáveis possibilidades de músicas apreciadas pelo usuário; inúmeros filmes, seriados, episódios de desenhos animados (antigos, atuais, de curta e longa metragem) etc.

Mas, não somente de atividades digitais vive a humanidade. No universo da ludicidade temos à disposição um leque de possibilidades para se fazer no chamado mundo real nesse momento de distanciamento e isolamento sociais: jogos e brincadeiras entre pais e filhos e entre irmãos, que não devem sair de suas casas, principalmente aquelas atividades que não necessitam do contato físico direto; prática de atividades físicas leves a moderadas; contação de histórias; leituras diversas; filmes seriados e programas de TV; pequenas dramatizações e mímicas; tocar algum instrumento musical e/ou organizar rodas de canções, danças e brinquedos cantados; desenhos, pinturas, bordados, esculturas, receitas culinárias e outras atividades manuais etc. (SILVA et al., 2016).

A prática dessas atividades deve ser estimulada, pois correspondem a vivências culturais e de socialização que favorecem a nossa criatividade e, consequentemente, contribuem para nosso processo de humanização. Ou seja, “o estímulo aos processos criativos, a manutenção do prazer na atividade e o cultivo ao autoconceito positivo são princípios fundamentais” (COSTA; PINHO, 2008, p. 03) do processo de humanização.

 

Considerações Finais:

 

            Tendo em vista o que discutimos até aqui, é possível afirmar que as pessoas que estão sob distanciamento e isolamento sociais por conta da Covid-19 podem evitar ou minimizar os efeitos que essas práticas podem proporcionar, que vão de tristeza e solidão profunda até ocorrências de depressão e de suicídio, através do uso devido das tecnologias de comunicação – que nos mantêm próximos, mesmo quando distantes – e da vivência de atividades lúdicas, que desenvolvem nosso censo criativo e geram prazer. Assim, as relações sociais se mantêm estabelecidas e a interação com os pares favorece nosso processo de humanização e, consequentemente, diminui a incidência dos fatores que provocam nossa desumanização. Somos seres sociais, e é em sociedade que nos apropriamos das manifestações culturais, e nos tornamos cada vez mais humanos.

 

Referências:

 

CAPITANI, Lídia. Coronavírus: por que o distanciamento social é importante? Minhavida. 18 mar. 2020. Disponível em: https://www.minhavida.com.br/saude/ materias/36067-coronavirus-por-que-o-distanciamento-social-e-importante. Acesso em: 24 mar. 2020.

CHAMUSCA, Lu. O home não nasceu pra viver só. In: CHAMUSCA, Lu. Brincando de Cantar. Cantigas infantis. DVD, 2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vhQ3qvkhCKM. Acesso em: 23 mar. 2020.

COSTA, Wilma da Cruz; PINHO, Kátia Elisa Prus. A importância e a contribuição do lúdico no processo educacional. 2008. Dia a Dia Educação. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1681-8.pdf. Acesso em: 24 mar. 2020.

DIANA, Daniela. Isolamento Social. Toda matéria. S/D. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/isolamento-social/. Acesso em: 24 mar. 2020.

DICIONÁRIO on-line de Português. Desumanização. 2013. Disponível em: https://www.dicio.com.br/desumanizacao/. Acesso em: 24 mar. 2020.

ETAPAS do desenvolvimento da criança - Período sensório Motor (até 2 anos). Portal Educação. S/D. Disponível em: https://siteantigo.portaleducacao. com. br/conteudo/artigos/cotidiano/etapas-do-desenvolvimento-da-crianca---periodo-sensorio-motor-(ate-2-anos)/63413. Acesso em: 24 mar. 2020.

EVANGELISTA, Kelly Cristiny Martins; BAPTISTA, Tadeu João Ribeiro; VERISSIMO, Jean Fabricio Dias. O indivíduo como ser social. ResearchGate. Ago., 2017. p. 75-90. Disponível em: https://www.researchgate.net/?enrichId= rgreq-881f6a5cab13 a6ab2e794ea08fa66278-XXX&enrichSource=Y292 ZXJQYWdlOzMxOTI3MDUy MTtBUzo1MzA5OTQ0MjEyMTkzMjhAM TUwMzYxMDM0MzEyOA%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf. Acesso em: 23 mar. 2020.

MENESES, Hélem Soares de. O Período Sensório-Motor de Piaget. Psicologado. Julho/2012. Disponível em: https://psicologado.com.br/ psicologia-geral/desenvolvimento-humano/o-periodo-sensorio-motor-de-piaget. Acesso em: 24 mar. 2020.

MODESTO, Monica Cristina; RUBIO, Juliana de Alcântara Silveira. A Importância da Ludicidade na Construção do Conhecimento. Revista Eletrônica Saberes da Educação – Volume 5 – nº 1 – 2014. Disponível em: http://docs.uninove.br/arte/fac/publicacoes_pdf/educacao/v5_n1_2014/Monica.pdf. Acesso em: 24 mar. 2020.

OPAS. Organização Pan-Americana de Saúde. Indicadores de saúde: elementos conceituais e práticos – capítulo 1. S/D. p. 01-06. Disponível em: https://www.paho.org/hq/index.php?option=com_content&view=article&id=14401:indicadores-de-saude-elementos-conceituais-e-praticos-capitulo-1&catid=9894&Itemid=101&lang=pt. Acesso em: 24 mar. 2020.

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SILVA, Thayse de Oliveira; SILVA, Lebiam Tamar Gomes. Os impactos sociais, cognitivos e afetivos sobre a geração de adolescentes conectados às tecnologias digitais. Rev. psicopedag., São Paulo, v. 34, n. 103, p. 87-97, 2017. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862017000100009&lng=pt&nrm=iso. Acesso em:  24 mar. 2020.                                                                                                                                                  

TRENTIN, Leontina Rita Aocrinte. Humanização: o futuro da humanidade. Brasil Escola – Meu Artigo. S/D. Disponível em: https://meuartigo.brasilescola .uol.com.br/religiao/humanizacao-futuro-humanidade.htm. Acesso em: 24 mar. 2020.                                                                                                                                                                                            

VIDALE, Giulia. O que é distanciamento social e por que isso é importante? VEJA. Publicado em 19 mar. 2020, 20h53. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/o-que-e-distanciamento-social-e-por-que-isso-e-importante/. Acesso em: 24 mar. 2020.

[1] Neste texto, não estamos nos referindo à Humanização praticada em relação à Saúde, mais precisamente ao Sistema Único de Saúde (SUS), qual seja a concepção de tornar mais humana, mais agradável a assistência médica ou hospitalar. Aqui tratamos de humanização como sendo o processo de apreensão das culturas humanas, que configuram a subjetividade das pessoas e as inserem nas comunidades humanas.

[2] “Aversão ou ódio ao ser humano ou à humanidade em geral” (DIANA, s/d, p. 02).