DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS: BREVE HISTÓRICO

SANTANA,Danielle M. ;[email protected]; Faculdades Londrina

BRITO, Emanuele T. M.; [email protected]; Faculdades Londrina

RESUMO

O termo “direitos humanos” nem sempre existiu conforme conhecemos hoje. Neste trabalho apresentaremos um breve panorama sobre o surgimento, desenvolvimento e cunho legislativo desse conceito que envolve, não apenas política, mas a trajetória histórica do ser humano em sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Dignidade da pessoa Humana, Direitos Humanos, Direitos Fundamentais

INTRODUÇÃO

Atualmente é comum ouvir a expressão “direitos humanos” em noticiários e manchetes, mas qual sua origem, significado e importância para o homem? Traçando um breve panorama histórico e internacional sobre o desenvolvimento do termo, esse estudo propõe esclarecer de modo introdutório o que significa “direitos humanos”.

PROBLEMATIZAÇÃO

            A expressão “direitos humanos” hoje é utilizada cotidianamente, entretanto, observa-se a necessidade de diferenciação entre esse conceito e outro, o de “direitos fundamentais”, bem como o estudo da evolução histórica desses, para evitar que sejam incorporados erroneamente no dia a dia, perpetuando o senso comum e não o conhecimento científico.

OBJETIVOS

            Objetiva-se aqui, diferenciar os conceitos de direitos humanos e direitos fundamentais em conjunto com um breve histórico de sua evolução.

METODOLOGIA

Para esse estudo foi realizada pesquisa bibliográfica em artigos científicos de autores consagrados, bem como a leitura de alguns livros relevantes sobre o tema.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU DISCUSSÕES

Os direitos humanos surgiram gradativamente. Construídos não só academicamente, mas antes, no bojo da luta contra o poder, nesse contexto Norberto Bobbio[1] afirma:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

A expressão “direitos humanos” é envolta em polêmicas e há críticas quanto à amplitude do termo e seu significado real,portanto, cabe elucidar que autores de tendência jusnaturalista que compreendem esses frutos da qualidade de pessoa humana, referindo-se à espécie em si; quando esse conceito deve abarcar as diferentes realidades sociais, econômicas, e políticas historicamente, a construção da civilização, as lutas travadas para sua conquista. É diminuir-lhes a relevância trata-los como inatos, cai-se na armadilha de pensar que sempre existiram e foram respeitados.

Outro conceito importante nesse estudo é do de direitos fundamentais, esses nascidos da positivação legislativa dos direitos humanos, assim entende José Joaquim Gomes Canotilho[2]:

As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.

Dessa forma o termo “direitos humanos” é, majoritariamente, utilizado no âmbito internacional, enquanto “direitos fundamentais” se referem a ordenamentos jurídicos internos, como por exemplo, a Constituição[3].

[...] o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoca caráter supranacional.

Tais direitos foram conquistados paulatinamente, cabe destacar como marco a Magna ChartaLibertatum de João Sem-Terra no século XII, que reconheceu a propriedade privada, a liberdade de ir e vir, a necessidade da anuência dos contribuintes para a criação de impostos e a desvinculação entre o poder legislativo e o executivo (monarca). E também o PetitionofRights na Inglaterra em 1628 que entre outras determinações instituiu a proibição de detenções arbitrárias, e sequencialmente, a Lei do Habeas Corpus de 1679. Entretanto, com o avançar dessas legislações não havia, ainda, menção sobre direitos universais, e mesmo sobre o que fora adquirido pairava o desrespeito. Assim em 1689 o Bill ofRights reafirmou as conquistas de outrora e positivou o direito à liberdade, segurança, propriedade privada, entre outros, além de institucionalizar a separação dos poderes. Porém, estabeleceu uma religião oficial, fato que gerou perseguições, e nesse interim, vários cidadãos ingleses fugiram para a, então, colônia (EUA) com o afã de lá criar a sociedade almejada, e para tanto, alargar o rol de direitos.

É nesse contexto que a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia é escrita em 1776, reconhecendo que o homem possui direitos inatos como a vida, a liberdade, a felicidade, a segurança e a propriedade, estendendo-se ao consagrar a participação política, a liberdade de imprensa, a liberdade de culto. Na sequência a Declaração de Independência dos Estados Unidos reafirmou alguns desses valores, incluídos e ampliados na Constituição Federal desse país em 1791 através de emendas. Nesse alvorecer da era dos direitos, no dia 26 de agosto de 1789 nasce a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, como exemplo a ser seguido, como de fato o foi, por muitos países. A respeito de sua importância Comparato[4] afirma:

[...] uma proclamação de direitos, mesmo quando despida de garantias efetivas a seu cumprimento, pode exercer, conforme o momento histórico em que é lançada, o efeito de um ato esclarecedor, iluminando a consciência jurídica universal, e instaurando a era da maioridade histórica do homem.

Outro documento de grande relevância para os Direitos Humanos foi a Carta Política mexicana de 1917 que tratou de direitos trabalhistas e políticos, além das liberdades individuais. E na sequencia tem-se a Constituição de Weimar em 1919 que se atentou mais profundamente ao assunto, sendo o modelo seguido após a segunda Guerra Mundial pelos países que visavam concretizar o Estado da democracia social.

Com a institucionalização dos direitos individuais em curso esperava-se, a partir desse célebre momento, a valorização e o respeito ao ser humano, o manto da escuridão retorna, na tentativa de obscurecer a aurora da humanidade. A história amargamente é maculada pelas duas guerras mundiais e a sociedade global se enoja com os relatos do campo de Concentração de Auschwitz localizado no sul da Polônia (entre outros tantos), onde a barbárie imperou e ali foram violados todos os direitos imagináveis. Em meio ao fanatismo de ideologias patológicas, genocídios, a degradação era fato.

A cada grande surto de violência, os homens recuam horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas. Pelas mutilações em massa, pelos massacres coletivos e pelas explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos.[5]

Com a comemorada derrota nazifascista, em meio ao desconsolo que o conhecimento da capacidade de desumanização de alguns regimes trouxe, em 1948 foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU a Declaração Universal dos Direitos do Homem, assim, os direitos humanos, finalmente, alcançaram um lugar sob holofotes no contexto internacional. Para brilhantemente explica-la, elege-se Paulo Bonavides[6]:

Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, o humanismo político da liberdade alcançou seu ponto mais alto no século XX. Trata-se de um documento de convergência e ao mesmo passo de uma síntese.

Convergência de anseios e esperanças, porquanto tem sido, desde sua promulgação, uma espécie de carta de alforria para os povos que a subscreveram, após a guerra de extermínio dos anos 30 e 40, sem dúvida o mais grave duelo da liberdade com a servidão em todos os tempos.

Síntese, também, porque no bronze daquele monumento se estamparam de forma a lapidar direitos e garantia que nenhuma Constituição insuladamente lograra ainda congregar ao redor de um consenso universal.

Esse documento traz em seu artigo 1°: “ Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade”[7].Contemporaneamente, tal escrito trouxe à luz a dignidade da pessoa humana. Retornando a linha do tempo, tem-se a conceituação Kantiana a esse respeito:

[...] no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e por tanto não permite equivalente, então tem ela dignidade... Esta apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem qualquer modo ferir a sua santidade.[8]

Tal visão jusnaturalista perdurou por séculos na história, mas com o advento da Era Contemporânea, o conceito foi modificado, não mais restrito ao divino, ou a um idealismo, e sim a concretização dos direitos fundamentais, esse novo conteúdo conceitual é defendido por Ingo Wolfgang Sarlet[9]:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humano.

Ainda que, o conceito de dignidade da pessoa humana e os direitos humanos fossem presentes no cenário mundial com intensidade após o fim da segunda Guerra Mundial, ocorreram retrocessos, entre eles estão as ditaduras vivenciadas na América Latina, que no Brasil durou de1964 a 1985, essa foi uma das rupturas na história da construção de uma sociedade livre e justa, o país vivenciou a escuridão trazida pelos desrespeitos aos direitos humanos, e como consequência surgiu na contrapartida as “comunidades eclesiais de base” no interior da Igreja Católica, estas preocupadas com a formação de uma consciência política de luta pelos direitos humanos, e a partir delas nasceram outras associações que foram relevantes na Assembleia Nacional Constituinte responsável pela Magna Carta vigente.

A lei máxima optou pelo modo capitalista de produção, pela manutenção da propriedade privada, porém, em nenhum momento deixou de mostrar claramente a sociedade justa que pretende criar. Embora, na prática, ela abarca princípios que parecem à primeira vista destoantes, como a livre iniciativa e a dignidade (de todos) visto a natureza desigual do capitalismo, porém Dallari[10]esclarece a inexistência de conflito

Isso quer dizer que aparentemente existem duas orientações diferentes, dentro da própria Constituição, uma fortalecendo os Direitos Humanos e ampliando suas garantias e outra privilegiando os interesses econômicos. Mas o conflito é apenas aparente, pois no conjunto e a partir dos princípios expressamente estabelecidos a Constituição dá prioridade à pessoa humana e subordina as atividades econômicas privadas ao respeito pelos direitos fundamentais do indivíduo e à consideração do interesse social.

Dessa maneira, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, apesar de gerar dissidências quanto ao seu conteúdo, por vezes dito indeterminado, é basilar no ordenamento jurídico, e não exclui outros direitos e princípios, antes os integra, sendo a ótica pela qual deve se observar a legislação nacional, nesse interim, o reconhecimento dos direitos fundamentais, como essenciais à vida, à autonomia e autodeterminação, cabe a qualquer Estado que almeje ser verdadeiramente democrático e justo, e esse ideal permeia a Constituição de 1988, assim, Sarlet[11] defende a aplicação desse princípio:

[...] não contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral, mas constitui norma jurídica-positiva, dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material, e como tal, inequivocamente carregado de eficácia, alcançando, portanto, a condição de valor jurídico fundamental da comunidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se afirmar, que a construção histórica dos direitos humanos e fundamentais, embora permeada de lutas e retrocessos, hoje, no Brasil, alcança seu patamar de importância, a partir da promulgação da Constituição Cidadã, que os incluiu, e não apenas como ideologia vazia, e sim, dotados de concretude, eficácia, de forma que podem sem implementados em todos os campos da vida do país. Diante disso atualmente é possível buscar, com amparo legal, a justiça social. Para refletir a esse respeito, esse estudo se encerra com as belas palavras de Dallari[12]:

As barreiras do egoísmo, da arrogância, da hipocrisia, da insensibilidade moral e da injustiça institucional, que até hoje protegeram os privilegiados, apresentam visíveis rachaduras. Já começou a nascer o Brasil de amanhã, que por vias pacíficas deverá transformar em realidade o sonho da justiça social, que muitos já ousam sonhar.

 

REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008

BONAVIDES, Paulo. Prefácio (1ª edição). In:Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 9. Ed. ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,1992

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1998.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Os Direitos Fundamentais na Constituição brasileira. In: Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, v. 88, 421-437, 1993. Disponível em:  http://www.periodicos.usp.br/rfdusp/article/view/67230 Acesso em: 26 abr 2019

LEMOS, Rafael Diogo Diógenes. A dignidade da pessoa humana: conteúdo, limites e possibilidades. In: Rev. Disc. Jur. Campo Mourão, v. 4, n. 2, p.41-63, ago./dez. 2008. Disponível em http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/discursojuridico/article/viewFile/271/130. Acesso em 26 abr 2019

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais.2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

______. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

______. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.

 

[1]BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,1992, p.05.

[2]CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1998, p.259.

[3]SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 35-36.

[4]COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 140-141.

[5]COMPARATO, 2008, p.38

[6]BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 574.

[7]LEMOS, Rafael Diogo Diógenes. A dignidade da pessoa humana: conteúdo, limites e possibilidades. In: Rev. Disc. Jur. Campo Mourão, v. 4, n. 2, p.41-63, ago./dez. 2008. Disponível: http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/discursojuridico/article/viewFile/271/130. Acesso em 26 abr 2019, p.45.

[8]SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 41.

[9]SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais.2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60

[10]DALLARI, Dalmo de Abreu. Os Direitos Fundamentais na Constituição brasileira. In: Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, v. 88, 421-437, 1993. Disponível em:  http://www.periodicos.usp.br/rfdusp/article/view/67230 Acesso em: 26 abr 2019, 9. 430-431

[11]SARLET, 2011, p. 84-85

[12]DALLARI, 1993, p. 437